CCJ do Senado aprova PEC que autoriza venda de plasma sanguíneo; texto vai ao plenário
Atualmente, Constituição veda atividade e doação precisa ser voluntária. Proposta abre exceção para plasma sanguíneo e permite atuação da iniciativa privada
Por Luiz Felipe Barbiéri, g1 — Brasília
A comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou nesta quarta-feira (4) uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite a comercialização de plasma sanguíneo. O placar foi de 15 a 11. O texto vai ao plenário e, se aprovado, segue para a Câmara.
A proposta, relatada pela senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), permite atuação de empresas privadas na produção e comercialização de hemoderivados e pode abrir espaço para que doadores recebam uma compensação financeira, de acordo com o Ministério da Saúde.
Atualmente, a produção e a venda dos hemoderivados é uma exclusividade da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás).
A partir do plasma sanguíneo, a indústria farmacêutica consegue separar fatores e insumos específicos para o tratamento de diversas doenças.
Esse material pode ser passado diretamente ao paciente, como uma transfusão, ou transformado em medicamento pelos laboratórios.
A PEC
Atualmente, a Constituição veda todo tipo de comercialização em relação ao sangue e seus derivados. O artigo 199 diz que:
“A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”.
O projeto abre uma exceção para a comercialização do plasma e atribui a lei aprovada posteriormente a regulamentação das condições e os requisitos para a coleta, o processamento e a comercialização de plasma pela iniciativa pública e privada.
A produção de medicamentos hemoderivados deverá prover preferencialmente o SUS.
Ainda segundo o texto, no âmbito do SUS, a iniciativa privada deverá atuar em caráter complementar à assistência em saúde, mediante demanda do Ministério da Saúde, cumpridas as normas regulatórias vigentes.
Divergências
O Ministério da Saúde criticou a matéria. A ministra Nísia Trindade afirmou que está “trabalhando para que o sangue não seja uma mercadoria”.
Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, prevê um risco de “apagão” de oferta de sangue no Brasil.
Além disso, o secretário afirmou que há chance de se ter “um sangue de má qualidade com os produtos hemoderivados que não passaram por um processo adequado de entrevista, de conversa com doadores, como tem no caso de doação voluntária”.
“Acho que pode ser desastroso, uma tragédia”, destacou.
Já a Associação Brasileira de Bancos de Sangue, que representa os Serviços Privados de Hemoterapia no país, defende a autorização para a participação do setor privado na produção de hemoderivados no Brasil.
Em nota, a associação argumenta que o Brasil depende da importação de R$ 1,5 bilhão em hemoderivados e produtos para tratamento da hemofilia e de outros problemas de coagulação, além das deficiências de imunoglobulina e também da própria albumina.
“Essa PEC objetiva corrigir um dos maiores problemas de saúde pública deste País, que é a falta de produção de hemoderivados no tratamento adequado dos pacientes brasileiros. Trata-se de uma estratégia pensada em conjunto com os laboratórios para o fortalecimento da indústria nacional, tornando-se fundamental para garantir o fornecimento desses insumos para todos os pacientes, inclusive do SUS, e assim salvar ou dar qualidade de vida para milhares de pessoas”, disse Paulo Tadeu de Almeida, presidente da ABBS.
Debates
Durante as discussões da matéria, a relatora negou que defenda a venda de plasma, apesar da manutenção no texto do termo comercialização.
Segundo ela, a intenção é aprovar regras baseadas no que já é feito na Europa, EUA e Ásia.
“O que nós queremos é que os autoimunes, politraumatizados, tenham acesso ao que a Hemobrás não faz”, disse Daniella.
A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), contrária à proposta, chamou de “grave” a tentativa de tentar alterar a Constituição para permitir a comercialização de tecidos humanos.
“Não é algo trivial no Brasil passar a incentivar o comércio de tecidos humanos, como é o caso do plasma”, afirmou.
O senador Rogério Carvalho (PT-SP) destacou que a competição pelo plasma poderá provocar falta de bolsas de sangue nos hospitais.
“Se esse sangue for comercializado, ou compensado, sabe pra onde vai? Vai para a indústria. Vai faltar sangue para a cirurgia, vai faltar sangue na hora do trauma. Vai faltar sangue. É competição com o funcionamento do sistema de saúde, a assistência à saúde e não adianta escamotear ou dissimular”.