Cinco temas de educação para ficar de olho em 2024
O calendário muda, mas muitas pendências do ano anterior seguem para o ano que se inicia. Em educação, não poderia ser diferente. Por isso, elencamos cinco temas fundamentais para o futuro da educação pública brasileira que já estavam em discussão em 2023 e devem ter importantes desdobramentos nos próximos meses.
O primeiro é o Novo Ensino Médio. Presente no noticiário do início de 2023 até as últimas semanas do ano, o Novo Ensino Médio seguiu para 2024 sem definição. Para quem não acompanhou de perto a discussão, uma breve (muito breve!) recapitulação: instituído durante o governo de Michel Temer, em 2017, o Novo Ensino Médio começou a ser implementado em 2022 e sofreu duras críticas tanto de estudantes e suas famílias, como de professores e especialistas em educação.
Atualmente, das 3 mil horas da etapa, 1.800 devem ser para as disciplinas obrigatórias comuns do ensino médio, como língua portuguesa, matemática, geografia etc., e o restante, 1.200 horas, para os itinerários formativos (áreas de aprofundamento escolhidas pelos jovens). A expectativa era de que essa customização ajudasse a tornar a etapa mais atrativa, contribuindo para a melhoria da aprendizagem e a redução da evasão. Na prática, porém, as redes de ensino tiveram muita dificuldade para a implementação dos itinerários que, em muitas localidades, se mostraram frágeis e desconexos do currículo.
O Ministério da Educação (MEC), então, abriu uma consulta pública para a reestruturação da política. Considerando as contribuições obtidas, elaborou uma nova proposta para a etapa. Entre as principais mudanças, estão o aumento da carga horária para a formação geral básica para 2.400 horas e a delimitação de apenas quatro possibilidades de itinerários formativos, com a construção de parâmetros nacionais para a sua organização. Enviado ao Congresso em outubro, o projeto de lei é relatado pelo deputado Mendonça Filho (União-PE), que fez mudanças no texto original, propondo, por exemplo, 2.100 horas de formação geral básica. Espera-se que esse imbróglio seja solucionado o quanto antes pelo bem de uma geração de jovens.
Outro tema são as bolsas para garantir a permanência dos jovens no ensino médio. O governo anunciou o pagamento de bolsas mensais a estudantes de baixa renda para que permaneçam na escola, além de uma poupança, que só poderá ser sacada ao término da etapa. O projeto de lei foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Lula no último dia 16. Em entrevista, o ministro da Educação, Camilo Santana, declarou que a intenção do governo é começar o pagamento das bolsas em março. A conferir.
O terceiro ponto é o Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada, instituído, em junho de 2023, por meio do Decreto nº 11.556/2023. A meta é garantir que todas as crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao término do 2º ano do ensino fundamental. Conforme dados tabulados pelo Iede, considerando o novo critério do MEC para definir se uma criança está alfabetizada (743 pontos na escala Saeb), em 2021, 36% dos estudantes do 2º ano da rede pública estavam alfabetizados. Já na rede privada, a média das crianças foi de 772 pontos e 79% estavam alfabetizadas. Esses números levantam a discussão do quanto 743 pontos é uma barra suficientemente exigente e se não poderíamos esperar mais de nossos estudantes, visto que, na rede privada, a maioria deles está em um patamar mais alto.
A política tem investimento total previsto de cerca de R$ 3 bilhões (até 2025). Todavia, reportagem da Folha de S.Paulo (4/1) revela que o governo teve dificuldades para gerir o orçamento do programa e fechou o ano com apenas “R$ 318,7 milhões pagos, o equivalente a 45% da dotação atualizada.” Alfabetizar todas as crianças na idade adequada é imprescindível, mas, evidentemente, também um desafio. Por isso, em 2024, essa é uma temática para acompanharmos de perto, assim como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). De cálculo bastante complexo, que envolve a análise de diversos indicadores, o Fundeb é crucial para a redistribuição de recursos da educação. Contudo, atualmente, passa por questionamentos. Por meio de nota, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) afirma que considera “controversa e questionável a definição de novas ponderações para distribuição dos recursos” em 2024.
Isso porque não houve atualização da Lei 14.113/2020, e as regras para este ano foram estabelecidas por meio da Resolução 4, de 30/10/2023. Uma situação que, conforme a CNM, poderia “implicar insegurança jurídica, com possível judicialização, tendo em vista que qualquer mudança nos critérios de redistribuição dos recursos do Fundeb impacta perdas e ganhos aos entes federados”. Especialistas apontam também problemas com o cálculo e a aplicação do indicador de nível socioeconômico (NSE) das redes públicas e com a filtragem das matrículas do Censo Escolar de 2023 para o Fundeb 2024.
Também é preciso ficar de olho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O Saeb — principal avaliação de aprendizagem do país — e o Ideb — principal indicador de qualidade da educação — provocaram uma mudança profunda na educação brasileira. Porém, ambos precisam de revisão para que sejam melhores indutores de política pública e colaborem para a construção do sistema educacional que desejamos. Em relação ao Saeb, especificamente, precisamos de uma avaliação que traga itens mais exigentes, eleve a régua de aprendizagem e consiga medir habilidades mais complexas dos estudantes.
*Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do centro de pesquisas Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)
*Lecticia Maggi, gerente de comunicação no Iede