Com apagão de dados, Brasil enfrenta variante ômicron às escuras
Estados conseguiram enviar dados ao Ministério da Saúde pela primeira vez desde 10 de dezembro. Média de casos é a maior desde agosto
São Paulo – Em função da variante ômicron, mais transmissível, o mundo enfrenta um crescimento exponencial de casos de covid-19 nas últimas semanas. Contudo, devido ao avanço da vacinação em diversos países, a explosão do contágio não veio acompanhada da elevação do número de mortos na mesma proporção. No entanto, no Brasil a chegada da nova variante coincidiu com o apagão de dados do Ministério da Saúde (MS), que completa um mês nesta segunda-feira (10). Em 10 de dezembro, um suposto ataque hacker comprometeu os sistemas eletrônicos de monitoramento da pasta.
Ficaram fora do ar o e-SUS Notifica, utilizado para notificação dos casos leves de covid, e o Conecte-SUS, que emite o comprovante de vacinação, por exemplo. Também o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI), responsável por dados de vacinas aplicadas; e o Sivep-Gripe, para registro de hospitalizações e mortes. Não bastasse o avanço da ômicron, o país também vem registrando surtos de gripe nesse período.
Hoje, pela primeira vez em um mês, todos os estados conseguiram comunicar ao MS os números do dia sobre a Covid. Em 24 horas, as autoridades de saúde registraram 110 óbitos causados pela infecção no país. Por outro lado, os novos casos chegaram a 34.788 no mesmo período. A média móvel de casos dos últimos sete dias está em 32.954. Trata-se do maior índice de contaminação desde agosto do ano passado.
Ao todo, no Brasil o total de óbitos confirmados chegou a 620.091. A coleta de dados é feita pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Os casos oficiais registrados estão em torno de de 22,5 milhões (22.558.695) desde o início da pandemia, em março de 2020.
De acordo com o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19, os números da pandemia durante as últimas semanas não são 100% confiáveis. “Quero dizer que, na situação atual (dificuldade de notificação) os números podem ser maiores do que os divulgados”. Muitos municípios, segundo ele, dependem dos sistemas do ministério para transmitir as informações referentes a casos e mortes. São confiáveis apenas os boletins das cidades que têm seus próprios sistemas informatizados.
Em razão disso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), não divulga o Boletim Infogripe há quatro semanas. Também não há dados por faixa etária sobre internações de pessoas com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) desde o final de novembro. Além disso, faltam até mesmo dados de cobertura vacinal desde o início do mês passado. “Há uma sensação de que o Brasil está voando no escuro”, alertou um dos cientistas da OMS ao jornalista Jamil Chade, colunista do portal UOL.
Para Schrarstzhaupt, quando os sistemas do Ministério da Saúde voltarem a funcionar plenamente – a promessa é que isso ocorra até o próximo dia 15 –, os dados represados vão aparecer misturados aos atuais, que mostram aumento no número de casos. “Em bases que nos permitem ver os casos por data de início de sintomas nós não teremos essa mistura. Mas qualquer divulgação feita que utilizar data de digitação vai gerar uma bagunça.”
CPI e “Comitê de Salvação”
Para apurar as causas e eventuais responsáveis pelo apagão de dados do Ministério da Saúde, parlamentares do PT pretendem coletar assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), sobre o caso. “Precisamos saber quem foram os responsáveis pelo apagão de dados. E se informações sobre vacinação, internações e indicadores de gestão foram comprometidas”, disse o líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes.
Em contraponto à falta de números consistentes que permitam acompanhar o avanço da ômicron no Brasil, o neurocientista Miguel Nicolelis alerta para as filas em diversas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) de pessoas atrás de exames que comprovem se teriam se contaminado. Além disso, em função da inépcia do governo Bolsonaro, ele defendeu a criação de um “Comitê de Salvação Nacional”, composto por especialistas, para conter o avanço da onda de infecções causadas pela ômicron. “Permitir que milhões de brasileiros se infectem não é aceitável de forma alguma”, tuitou Nicolelis. Nesse sentido, o cientista apela aos governadores que voltem a adotar medidas de isolamento social, “sob pena de perderem completamente a mão da situação, que já dá sinais de estar saindo do controle”.
Nova quarentena
Também nesta segunda-feira, o Ministério da Saúde anunciou uma redução no período de isolamento de pessoas com covid-19. Pacientes assintomáticos deverão cumprir quarentena de cinco dias – desde que apresentem teste negativo ao final – ou de uma semana – sem necessidade de exame. Para pessoas sintomáticas, vale o prazo anterior, de dez dias de quarentena. Se um paciente assintomático apresentar teste positivo no 5º dia, deverá manter o isolamento até completar dez dias.
“Se o paciente não quis testar no 5º dia, mas, se ao 7º dia ele estiver sem sintomas, sem febre e sem uso de medicamentos por 24 horas, ele pode sair do isolamento. Ele não é necessário testar”, disse o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros.
“Deltacron” causa polêmica
Durante o final de semana, o professor de Biologia da Universidade de Chipre, Leondios Kostrikis, afirmou ter encontrado uma nova variante do novo coronavírus. Batizada “deltacron”, a nova cepa seria resultado da combinação das variantes delta e ômicron. De acordo com Kostrikis, ele e sua equipe teriam 25 casos dessa nova mutação. Além disso, um banco de dados internacional que rastreia as mudanças no vírus já teria recebido os dados e as amostras dessa nova variante.
No entanto, a comunidade científica recebeu o anúncio com ceticismo. O virologista Tom Peacock, do Imperial College de Londres, disse, pelas redes sociais, que as sequências genéticas identificadas parecem ser resultado de uma contaminação entre diversas amostras. Ao analisar as informações, a especialista em covid da OMS, Krutika Kuppalli, também afirmou, no Twitter, que, neste caso, provavelmente houve uma “contaminação de laboratório de fragmentos de ômicron em um espécime delta”. Da mesma maneira, o epidemiologista Arnaud Fontanet, do lnstituto Pasteur (França) declarou a uma rádio local que a hipótese de uma recombinação deverá ser descartada em breve.
Posteriormente, o cientista cipriota respondeu aos questionamentos sobre a contaminação das amostras. Em mensagem à agência Bloomberg, a primeira a divulgar a notícia, disse que as amostras não foram sequenciadas simultaneamente. Kostriki afirmou ainda que a “deltacron” foi encontrada também em Israel. E rebateu as declarações de que a descoberta da suposta nova variante teria sido “fruto de um erro técnico.”