Com o sonho de integrar os povos da América Latina, entidades debatem políticas sociais para o Mercosul
Encontro reuniu representantes de movimentos sociais, ONGs, governos e de universidades
Na quarta-feira (3), na sede do Sindicato dos Bancários de São Paulo, um grupo de pessoas, movidas pelo sonho de integrar os povos latino-americanos, debateram experiências já concretizadas e propostas de avanço que pretendem ver acolhidas pelos governos dos quatro países que compõem o Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Venezuela; em virtude do golpe contra o ex-presidente Fernando Lugo, o Paraguai foi temporariamente suspenso do bloco.
O desafio é transformar o bloco, que atualmente trata quase apenas de integração comercial, pela adoção de políticas de integração das pessoas a uma sociedade mais igualitária, livre e justa. O canal de apresentação dessas propostas são as Cúpulas Sociais do Mercosul. A última foi realizada em dezembro do ano passado em Brasília (saiba um pouco mais aqui).
A atividade foi organizada pela CUT Brasil, CSA (Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas), Instituto Equit e Rebrip* (Rede Brasileira Pela Integração dos Povos), com apoio da FES (Fundação Friedrich Ebert).
Para as representações presentes, o Mercosul, com seus 22 anos de experiência, tem formulação e elementos para a superação de ser somente uma área de livre comércio entre economias primário-exportadoras e orientadas pelos mercados externos. É evidente a necessidade de discutir a formulação de uma política de integração que valorize a reciprocidade, a integração social e cultural, aprofundando o diálogo entre os movimentos e construindo as bases estratégicas para a implementação de um outro modelo econômico e social.
A mudança exige políticas para o trato dos migrantes, fronteiras abertas para os cidadãos do bloco, mobilidade acadêmica (formados em universidades de um país poderiam trabalhar em outro), exigência de contrapartidas sociais, trabalhistas e ambientais para os projetos, obras e empreendimentos celebrados entre empresas e governos dos países-membros e integração cultural, através de instrumentos como o ensino obrigatório do espanhol em escolas brasileiras e difusão do patrimônio artístico e folclórico do continente.
Mais participação popular
De acordo com Artur Henrique, secretário-adjunto de Relações Internacionais e presidente do Instituto de Cooperação da CUT, a própria Central e a as organizações sociais e populares devem ter voz ativa em qualquer negociação externa dos países. “Há uma grande dificuldade, pois não temos acesso a dados governamentais que nos permitam fazer um mapeamento com indicadores e diagnósticos das políticas que estão sendo implementadas, não temos uma avaliação dos poderes em disputa. Nosso desafio é construir ações em comum, pensar num espaço permanente de diálogo entre os movimentos e posteriormente na negociação com os governos”, assinalou.
Nesta dinâmica, Artur ressaltou a importância da Conferência Nacional “2003-2013: Uma Nova Política Externa” que acontece entre os dias 15 e 18 deste mês na Universidade Federal do ABC, reunindo movimentos sociais, universidades e governo para debater a participação popular na política externa brasileira.
Risco ao projeto regional
Algumas iniciativas colocam em risco o projeto de integração regional, como foi a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e, agora, a criação da Aliança do Pacífico – formada por Chile, Peru, México e Colômbia – que atende apenas a reafirmação do poder econômico dos Estados Unidos.
Para Rafael Freire, secretário de Política Econômica e Desenvolvimento Sustentável da CSA, a atuação dos movimentos sociais e entidades da sociedade são de fundamental relevância para os rumos da conjuntura mundial. “Para dar respostas a esta conjuntura estamos construindo uma Plataforma de Desenvolvimento Sustentável das Américas que reúne propostas do movimento sindical latino-americano frente a disputa de hegemonia na sociedade”, informou.
Já Graciela Rodriguez, representante do Instituto Equit e da Rebrip, destacou que é preciso pensar a integração como parte da problemática colocada pelos movimentos sociais no sentido de construir um modelo de desenvolvimento que possa dar soluções satisfatórias à população dos países.“Integração sempre foi entendida como uma solução, como uma possibilidade de avançarmos nas contradições do modelo não só brasileiro, mas de toda região, de meros exportadores de commodities, de produtos de valores não agregados, processo que colabora para a desindustrialização dos países”, externou.
Integração: incontornável
“O que nos move é a certeza de que a integração da América Latina reveste-se de caráter incontornável”, afirmou o professor Renato Martins, da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana, iniciativa do governo Lula que abriga estudantes dos países vizinhos). “Mas estamos carentes de uma síntese”, completou. Para ele, tal síntese, compreendida como a tradução das reivindicações populares em eixos claros, não será alcançada caso as entidades queiram discutir e apresentar suas questões corporativas, setoriais. “Vamos discutir a linha política”, aconselhou.
A certeza de que a integração passa pela educação é unânime entre os participantes do encontro. Para discorrer sobre o tema, foi convidada Fernanda Lapa, representante do IDDH (Instituto do Desenvolvimento e Direitos Humanos), entidade que tem defendido junto aos países-membros a necessidade de se implementar o ensino em direitos humanos nas escolas públicas. “A difusão do conhecimento sobre direitos humanos ajuda a ocupar espaços. Educação que transforma precisa estar imbuída da valorização dos conceitos de igualdade”, disse. Segundo seu relato, a ideia tem sido aceita e avança como diretriz dos países-membros (leia mais sobre o tema aqui).
Menino Bryan
O caso recente do assassinato do menino boliviano Bryan Capcha em São Paulo, e a revolta dos migrantes na cidade, que resultou numa marcha que reuniu aproximadamente 4 mil pessoas na última segunda-feira, foi evocada para reflexão sobre a integração dos povos latino-americanos e para ilustrar a inação do Mercosul nessa área.
Paulo Illes, da recém-criada Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da capital paullista, que trouxe o tema ao debate, relatou que durante a marcha os participantes fizeram várias denúncias de maus tratos sofridos no serviço público e preconceito por parte dos brasileiros. E provocou: “Se mercadoria pode circular livremente, por que gente não?”.
Marcos Rochinski, da Fetraf-CUT, participante das Reuniões Especializadas sobre Agricultura Familiar do Mercosul (Reaf), lembrou que a criação desse espaço “nada mais é que a continuidade da pressão dos movimentos sociais que anteriormente havia resultado na criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e no robustecimento do Pronaf” (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). E alertou para uma das dificuldades impostas pelo modo de funcionamento decisório do Mercosul: “O problema é que na Reaf as decisões têm de ser por consenso. Então, quando se vai discutir temas importantes como o acesso à terra,a coisa para”.
*A Rebrip é uma articulação de ONGs, movimentos sociais, entidades sindicais e associações profissionais autônomas e pluralistas, que atuam sobre os processos de integração regional e comércio, formulando alternativas de integração hemisférica opostas à lógica da liberalização comercial e financeira predominante nos acordos econômicos atualmente em curso.
Por Isaías Dalle e William Pedreira, da CUT