Como o pacote Guedes/Bolsonaro pode impactar diretamente o financiamento da educação
São três as alterações propostas na PEC 188/2019, a chamada PEC do novo “Pacto Federativo”
Por Salomão Ximenes*
Fiz um resumo de como o pacote Guedes/Bolsonaro pode impactar diretamente o financiamento da educação. São três as alterações propostas na Proposta de Emenda à Constituição 188/2019, a chamada PEC do novo “Pacto Federativo”. Apertem os cintos!*
1 – Autoriza-se a compensação mútua dos mínimos constitucionais a serem aplicados em educação (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – MDE) e saúde (Ações e Serviços Públicos de Saúde – ASPS), em todos os âmbitos – União, Distrito Federal, Estados e municípios. Isso, na prática, perverte o sentido elementar de gasto mínimo constitucional nessas áreas, ao autorizar o seu não cumprimento permanente em um campo ou outro. O objetivo evidente é conter a elevação necessária e esperada das despesas em ambos os setores de políticas públicas, é falso o argumento no sentido de que isso permitiria aos gestores administrar as demandas sociais “flexíveis” por saúde e educação, por uma simples razão, tanto saúde como educação necessitam mais investimentos e é isso que a PEC quer evitar, colocando-as para disputar entre si ao invés de disputar no orçamento e nas políticas tributárias e fiscal, que é o que de fato interessa. Isso abre margem à redução progressiva da arrecadação e do gasto, num jogo perverso de ping pong em que ora se corta de um lado, ora no outro. No fundo está o objetivo de desmontar os pressupostos econômicos do Estado social.
2 – Elimina o caráter “suplementar” dos programas de alimentação, transporte, material didático e saúde e transfere 100% da receita do salário-educação aos Estados, municípios e Distrito Federal. Em contrapartida, há expressa desresponsabilização da União (governo federal) em financiar tais programas que deverão ser custeados e desenvolvidos sem a participação federal. Resumindo, é o fim dos programas federais de material didático, transporte escolar, alimentação escolar, promoção da saúde e outros custeados com o salário-educação via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Como os recursos do salário-educação são insuficientes, sozinhos, para o custeio, isso significa propor um “desfinanciamento” massivo de tais programas, induzindo a políticas cada vez mais focalizadas e restritivas. De quebra, extingue ou mata de sede o próprio FNDE.
3 – Autoriza a criação de programas de compra de vagas na rede privada (vouchers) ao ampliar a hipótese já presente na Constituição, hoje restrita a situações excepcionais de “falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.” Na PEC 188 inverte-se o sentido, passa a ser dever do poder público criar um programa para o atendimento de inscritos “que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver instituições cadastradas” na forma de regulamento. Este, bem pode ser, a lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), já há emenda em igual sentido na Comissão Especial que discute o fundo.
Por fim, sobre o “flerte” com a inclusão de aposentados e pensionistas nos mínimos em MDE e ASPS, mais importante que a decisão de não incluir de última hora tal proposta na PEC é a decisão de silenciar o assunto. Explico: hoje já é prática corrente, contando para isso com a omissão de tribunais de contas, Judiciário etc, a inclusão indevida de tais despesas, nomeadamente na área de educação. No estado de São Paulo são R$ 7 bilhões desviados ao ano. Portanto, mudar o contexto institucional não requer silenciar, mas proibir explicitamente tal contabilização, como faz corretamente o Projeto de Lei (PL) Substitutivo da Deputada Dorinha sobre o Fundeb (PEC 15/15). Ou seja, este tema já está em disputa e não duvido que o governo federal se oponha ao relatório da Dorinha também neste ponto.
Além desses pontos, muitas das propostas anunciadas esses dias, presentes no conjunto de PECs, têm o potencial de impactar negativamente as políticas educacionais, como a flexibilização das carreiras, a regulação dos cortes de salários na questão da “regra de ouro”, a restrição dos instrumentos de financiamento ao investimento público de longo prazo e a fusão de municípios.
*Texto originalmente publicado em perfil de Facebook e, com a permissão do autor, está aqui reproduzido.
Salomão Ximenes é doutor em Direito, professor da UFABC, autor de “Direito à Qualidade na Educação Básica: teoria e crítica” (Quartier Latin).