Considerações sobre a luta travada pelos(as) caminhoneiros(as) e a política nacional
Por Wallace Melo*
Temos aqui um fato complexo e profundo, que se enquadra a um contexto de incertezas políticas, instabilidades institucionais e disputas ideológicas. No entanto, é preciso tomar muito cuidado na análise desta greve, evitando, assim, a diminuição de sua relevância ou enxergando pautas inexistentes no movimento.
O certo é que as mobilizações descortinaram várias contradições existentes no Brasil, da predominância e dependência da malha rodoviária para o escoamento da produção à equivocada política de preços dos combustíveis e desmonte da Petrobrás, ambas as situações encaminhadas pelo atual presidente da estatal, Pedro Parente.
Por fim, também agregamos à discussão a carga tributária que recai sobre o preço dos combustíveis. Diante disso, deixo algumas observações que podem contribuir de forma mais qualificada com o debate.
Primeiro, é fundamental que, antes de tudo, nos apropriemos da pauta de reivindicação, identificando suas questões, os atores envolvidos na greve e o quadro atual das negociações. É importante salientar isso, para que possamos perceber quais são interesses que estão postos em mesa.
Até o momento, percebemos um avanço nos seguintrs pontos: diminuição da tributação imposta às empresas de transportes rodoviários de carga, redução do preço do óleo diesel, isenção de tarifas nas rodovias e contratação de transportes rodoviários pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com dispensa de licitação etc.
É válido ressaltar que o acordo firmado em mesa na última quinta-feira (24) não foi acatado pelas maioria das entidades representativas, sendo aceita apenas pelas organizações minoritárias que compõem o movimento grevista e entidades patronais.
Segundo, precisamos visualizar na greve dos caminhoneiros um momento fértil para ampliarmos as denúncias contra a atual política de preço dos combustíveis, que só atende aos interesses internacionais, pois aumenta as importações, sobretudo dos Estados Unidos, enfraquece nossas refinarias e contribui para um dos piores desfechos para a economia nacional, o desmonte e a privatização da Petrobrás.
Válidas foram as críticas proferidas pela Associação dos Engenheiros da Petrobrás – Aepet sobre esta questão, como também a posição da pré-candidata à presidência, Manuela D´Ávila (PCdoB), que enquadra o movimento paredista e a crise dos combustíveis a mais um capítulo do golpe de 2016 e desmonte da democracia no país.
Além disso, Manu faz a defesa da demissão de Pedro Parente, suspensão da política de reajuste automático dos preços dos combustíveis, alinhadas ao mercado financeiro internacional, e fim da entrega do pré-sal às multinacionais.
Cabe também uma terceira atenção: a questão tributária. Incide sobre o preço dos combustíveis uma significativa carga de impostos. Segundo a Petrobrás, o valor da gasolina se deu, em maio, na seguinte proporção: 32% custos da própria estatal, 29% impostos estaduais (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS), 16% impostos da União (Cide, PIS/Pasep e Cofins), 11% etanol adicionado à gasolina e 12% distribuição e revenda.
Reivindicar a redução dos tributos é de fato uma pauta importante, mas, nas entrelinhas desse debate, habita muita malícia. Ora, precisamos de uma reforma tributária, mas que essas mudanças não enfraqueçam o Estado, pois falar em menos impostos significa diminuição do recolhimento de recursos que são alocados nos nossos tão precários serviços públicos. Se o pouco que temos já não consegue suprir as demandas da população mais pobre e da classe trabalhadora em relação a saúde, educação, segurança, moradia, transportes etc. imagina se diminuirmos mais essa conta. Seria um caos.
A verdade é que a nossa defesa deve se basear na melhoria da administração dos recursos recolhidos com os impostos, para que esses custeiem os serviços públicos com qualidade, e que os cortes orçamentários, sejam nos gastos direcionados aos que menos precisam. Ou seja, reduzir o Estado para aqueles que, teoricamente não necessitam, isto é, os ricos. E esse caminho se percorre através de uma reforma que, por exemplo, tribute as grandes fortunas, ou na diminuição dos gastos com a agiotagem fiscal, sobretudo no pagamento dos juros da dívida publica para os setores rentistas.
Por fim, vale salientar que no movimento dos caminhoneiros e empresas de transportes rodoviários de cargas, por ter uma abrangência nacional e ampla, cabem muitas interpretações e análises das mais variadas correntes de opinião. Ou seja, dentro da greve podemos encontrar uma gama de significados, do “Fora Temer” à grita por intervenção militar (opinião que pode ganhar força, após a mobilização das forças armadas pela Presidência da república a fim de conter a luta).
Obviamente, como disse Marcelino da Rocha, presidente da Fitmetal, “reduzir a greve dos caminhoneiros a uma ofensiva essencialmente patronal – tratá-la unilateralmente como um locaute – é um desserviço”. Contudo, é preciso termos cuidados na leitura a tal momento, pois, independente dos olhares, estamos diante de um fato complexo e polissêmico, ou seja, o concreto é que este movimento paredista se contextualiza, para o bem ou para mal, a mais uma página do golpe de 2016 e a ampliação do quadro de incertezas frente aos rumos da nação.
*Wallace Melo Barbosa é secretário de Comunicação Social do Sinpro Pernambuco