Contee envia ofício aos parlamentares sobre o custeio das entidades sindicais

Confederação questionou deputados e senadores sobre a quem interessa o enfraquecimento dos sindicatos

A Contee enviou, nesta segunda-feira (2), a todos os deputados e senadores, ofício em defesa do pagamento da contribuição assistencial aos sindicatos por todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, conforme considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês passado. O documento visa chamar os parlamentares à reflexão e a à responsabilidade contra as tentativas de alguns membros das duas casas de passar por cima da decisão da Suprema Corte e da própria Constituição Federal, com o claro e nefasto objetivo de atacar as entidades sindicais.

“Lamentavelmente, em colossal desserviço à Ordem Democrática, o que está em pauta nas duas casas congressuais, ainda que se argumente o contrário, é exatamente a consolidação dessa inaceitável e insustentável realidade fática, de legalizar a figura do/a trabalhador/a carona, que nada mais é do que aquele/a que obtém vantagem, mas não paga por ela”, argumentou a Contee, no ofício.

“O STF, no julgamento do processo RE 590415, reconheceu de forma solene e expressa o que, desde sempre, é dolorosamente sentido pelos/as trabalhadores/as, que é a assimetria (desigualdade) nas relações individuais de trabalho”, continuou. “Destarte, somos, de novo, compelidos a perguntar-lhe: a quem interessa e serve o enfraquecimento dos sindicatos? É esse o legado que a atual legislatura quer deixar ao presente e ao futuro?”

Leia abaixo o ofício completo:

Ref.: Custeio do sistema confederativo da representação sindical

Senhor/a parlamentar,

com nossos respeitosos cumprimentos, em nome Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee, entidade sindical de grau superior que congrega 85 sindicatos e 10 federações de profissionais da educação escolar (professores/as e administrativos/as), conforme Art. 206 da Constituição Federal (CF), representando, atualmente, cerca de 1 milhão dos que se ativam no ensino privado, da educação infantil ao ensino superior, de todas as regiões do país, pedimos-lhe licença para lhe apresentar reflexões e ponderações sobre o custeio do sistema confederativo da representação sindical. Esse tema, há mais de um lustro, acha-se no cotidiano do Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado Federal), em decorrência dos sistemáticos ataques que se lhe desferem, imputando-lhe responsabilidade plena pelas graves dificuldades, reais e fictícias, enfrentadas pelo movimento sindical profissional. Tais ataques se intensificaram e ganharam dimensões nunca dantes vistas a partir da inflexão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento dos embargos de declaração (ED) opostos no processo ARE 1018459, tema 935, consubstanciada na seguinte tese com repercussão geral:

“É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

2 A CF de 1988 erigiu a organização sindical à condição de direito social fundamental (Art. 8º), fazendo-o em perfeita sintonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu Art. 23; com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais, em seu Art. 8º; com a Convenção 98 da OIT, do Art. 1º ao 6º; e com a Convenção 154 da OIT, do Art. 5º ao 8º, todos ratificados pelo Brasil.

3 O Art. 8º, III, da CF, estabelece as atribuições sindicais inarredáveis e improrrogáveis, assentando:

“III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

4 Como se colhe da literalidade do disposto no inciso III do Art. 8º da CF, os sindicatos representam todos os integrantes da categoria, sejam eles sindicalizados ou não, o que, a juízo da Contee, das federações e dos sindicatos a elas filiados, caracteriza-se justo, adequado e insuscetível de questionamentos de quaisquer naturezas.

5 Faz-se necessário, desde logo, patentear que esse regime de organização sindical, arrimado na unicidade sindical e na representação coletiva, por categoria, independentemente de filiação, difere diametralmente daquele adotado nos países que adotam a pluralidade sindical, emanada ou não da Convenção 87 da OIT, que se funda na representação individual de quem opta por escolher este ou aquele sindicato para agasalhar seus direitos e interesses.

6 Enquanto no regime de unicidade sindical, que engloba a representação coletiva por categoria, as garantias insertas em convenções e acordos coletivos alcançam sindicalizados e não sindicalizados — o que, repita-se, é justo e adequado aos olhos da Contee e das entidades que congrega como filiadas —, no regime de pluralidade sindical, de representação individual, tais garantias limitam-se aos sindicalizados aos sindicatos que negociam instrumentos normativos coletivos: convenções e acordos coletivos.

7 Claro está, portanto, que ,no regime de pluralidade sindical, quem quiser usufruir das conquistas sindicais tem de pagar (contribuir) para que isso lhe seja possível, não havendo possibilidade de as postular, seja de forma administrativa ou judicial, sem expressa adesão. Ou seja, sem contribuir para o sindicato signatário dos instrumentos normativos que as contêm. Assim é porque, no Estado Democrático de Direito, não há direito sem dever nem dever sem direito, como, aliás, estipula o Art. 5º, caput, da CF.

8 Se a CF, em seu Art. 5º, não admite direitos sem deveres e/ou deveres sem direito, por que o egrégio Congresso Nacional, por meio da nova redação dos Arts. 545, 578 e seguintes da CLT, e do 611-B, XXVI, a ela acrescido, estabeleceu, com letras indeléveis, que, no âmbito das relações sindicais, há, sim, quem têm direitos e deveres — os sindicalizados — e os que só têm direitos, sem nenhuma obrigação — os não sindicalizados?

9 Com o devido respeito, senhor/a parlamentar, qual o paradigma para a aprovação e sustentação dessa excrescência legislativa? No direito comparado, não há registro de nenhum.

10 Mais uma vez, com o devido respeito, somos compelidos a lhe perguntar com que propósito o Congresso Nacional reabre a discussão sobre o custeio sindical laboral, não para corrigir as excrescências legislativas de 2017, mas, sim, para as recrudescer, por meio da aprovação de norma que esvazie a inflexão jurisprudencial do STF, anotada na epígrafe?

11 Somos, ainda, compelidos a perguntar-lhe: se a cobrança de contribuição de trabalhador/a não sindicalizado/a afronta a liberdade de filiação sindical, que está na base de toda a emaranhada discussão sobre o tema — com o que em nenhuma hipótese concordamos —, dar salvo conduto ao/à trabalhador/a não sindicalizado/a para usufruir das garantias convencionais, sem a obrigação de contribuir para sua conquista, caracteriza-se como o quê?

12 Ao nosso sentir, guardadas as devidas proporções, é o mesmo que dizer que achincalhar a ordem democrática e tentar pôr abaixo o Estado Democrático de Direito que a sustenta, como se fizera de 2019 a 2022, tendo como pico o fatídico dia 8 de janeiro de 2023, insere-se e se sustenta na liberdade de expressão. Quem disser e/ou sustentar o contrário, metaforicamente falando, nada mais faz do que tentar tapar o sol com a peneira.

13 O ministro do STF, Roberto Barroso, em seu percuciente voto-vista no ARE 1018459-ED, que se consolidou como farol para a mudança de entendimento dessa Corte superior, anotou:

“18. Com o entendimento de que não se pode cobrar a contribuição assistencial dos trabalhadores não sindicalizados cria-se, então, a figura do ‘carona’: aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria. 19. Some-se a isso o fato de que a contribuição assistencial se destina a custear justamente a atividade negocial do sindicato. Há uma contraprestação específica relacionada à sua cobrança. Por esse motivo, é denominada, também, de contribuição de fortalecimento sindical ou cota de solidariedade. Nesse cenário, a contribuição assistencial é um mecanismo essencial para o financiamento da atuação do sindicato em negociações coletivas. Permitir que o empregado aproveite o resultado da negociação, mas não pague por ela, gera uma espécie de enriquecimento ilícito de sua parte”.

14 Lamentavelmente, em colossal desserviço à Ordem Democrática, o que está em pauta nas duas casas congressuais, ainda que se argumente o contrário, é exatamente a consolidação dessa inaceitável e insustentável realidade fática, de legalizar a figura do/a trabalhador/a carona, que nada mais é do que aquele/a que obtém vantagem, mas não paga por ela — como o/a chamou o ministro Roberto Barroso, no citado voto.

15 Senhor/a parlamentar, o que se pretende normatizar no Congresso Nacional, seja por PEC e/ou PL, quanto à questão sob discussão, a nosso juízo, faz atualíssima a metáfora platônica segundo a qual a obra-prima da injustiça é parecer justa. Adimanto, interlocutor sobre o tema, conforme registro em “A República”, de Platão, propõe o seguinte enunciado:

“o justo é o fraco, porque se fosse forte e capaz ele cometeria injustiças e o que importa não é ser justo, mas parecer ser justo; para esse interlocutor, o caminho da justiça é oneroso, já o caminho da injustiça é fácil” (PLATÃO et al., 380 a.C).

16 Infelizmente, não podemos colher de tais pretensões outra conclusão que não seja a que dá azo a esse enunciado, pois o que efetivamente se busca é revestir de manto de justiça a mais colossal injustiça no campo das relações sindicais.

17 Se for levado a cabo tal desiderato, haverá completo esvaziamento dos sindicatos, que, nas sábias e judiciosas palavras do Papa Francisco, são a voz de quem não tem voz.

18 O STF, no julgamento do processo RE 590415, reconheceu de forma solene e expressa o que, desde sempre, é dolorosamente sentido pelos/as trabalhadores/as, que é a assimetria (desigualdade) nas relações individuais de trabalho:

“3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual)”.

19 Destarte, somos, de novo, compelidos a perguntar-lhe: a quem interessa e serve o enfraquecimento dos sindicatos? É esse o legado que a atual legislatura quer deixar ao presente e ao futuro?

Atenciosamente,

Gilson Luiz Reis
Coordenador-geral da Contee

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