Covid-19 pode deslocar o centro da economia mundial
Resposta da China e Coreia do Sul à pandemia revela articulação de políticas muito superior à do Ocidente. Milhares de mortes evitadas; economia volta a andar. Relatório demonstra: Ásia pode estar a um passo de desafiar o eurocentrismo
Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDebate
O futuro será da Ásia e do Pacífico. Esta frase, tantas vezes repetida, pode estar mais perto da realidade. A suma ironia atual é que a pandemia do novo coronavírus que surgiu e teve o epicentro original na China, pode, indiretamente, ajudar a Ásia a se fortalecer na correlação de forças internacionais e pode acelerar a passagem do centro econômico do mundo para o “continente amarelo”.
No dia 01 de março, a China respondia por 90,3% dos casos de covid-19, a Coreia do Sul por 4,2% e o Japão por 0,3%. Os três países – líderes tecnológicas da economia asiática – juntos respondiam por 94,8% dos casos e por 96,4% das mortes no início de março, como pode ser visto na tabela abaixo.
Mas o quadro mudou completamente com os dados de 15 de abril, quando a China respondia por somente 4% dos casos e 2,5% das mortes, a Coreia do Sul respondia por 0,5% dos casos e 0,2% das mortes globais e o Japão respondia por 0,4% dos casos e 0,1% das mortes. Os 3 juntos respondiam por 4,9% dos casos e 2,8% da mortes ocorridas no mundo.
+ Em meio à crise civilizatória e à ameaça da extrema-direita, OUTRAS PALAVRAS sustenta que o pós-capitalismo é possível. Queremos sugerir alternativas ainda mais intensamente. Para isso, precisamos de recursos: a partir de 15 reais por mês você pode fazer parte de nossa rede. Veja como participar >>>
No mesmo dia 15 de abril, os 5 maiores países ocidentais do G-7 (EUA, Alemanha, França, Reino Unido e Itália) mais a Espanha tinham, em conjunto 1,36 milhões de casos (representando 65,8% do total global) e 102,3 mil mortes (representando 76,4% do total das mortes globais).
Isto quer dizer que a pandemia de covid-19 impactou de maneira muito mais forte a Europa e a América do Norte e estes países ocidentais vão sofrer os maiores custos do surto do novo coronavírus e, pelo visto, vão demorar mais tempo para controlar a epidemia e para reativar a economia. Ou seja, quando a China e boa parte da Ásia começam a voltar à produção econômica, os países do Oeste ainda estão paralisados e em quarentena.
Uma primeira avaliação global sobre o impacto econômico da pandemia foi feita pelo FMI, que divulgou o relatório WEO em 14 de abril de 2020. A tabela abaixo resume o comportamento do PIB do mundo, regiões e alguns países. O FMI considera que a depressão de 2020 apresentará a maior contração anual da história do capitalismo. Mas o Fundo também considera que haverá uma rápida recuperação em 2021. Evidentemente, não existe nenhuma certeza sobre estes números e provavelmente a crise da pandemia de covid-19 será maior do que o FMI imagina.
Contudo, os dados apresentados no WEO são úteis para uma primeira avaliação da dinâmica internacional entre os países. A tabela abaixo mostra que o PIB mundial subiu 2,9% em 2019, vai cair 3% em 2020 e pode recuperar (na visão otimista do FMI) para a taxa de 5,8% em 2021. Assim, a média dos dois anos (2020 + 2021) ficaria em 2,8% que é próxima do valor de 2019.
Mas entre regiões e países a situação é diferenciada. Nas economias avançadas (países ricos e desenvolvidos) a soma do crescimento do PIB de 2020 e 2021 será de -1,6%, valor muito menor do que o valor de 1,7% de 2019. Esta situação se repete para os demais países ocidentais, como os EUA que deve ter uma queda do PIB de -1,2% na média de 2020+2021. A América Latina e Caribe (ALC) também vão ter péssimo desempenho, sendo que o Brasil e o México vão ficar no vermelho nos dois anos: -2,4% e -3,6% respectivamente.
A África Subsaariana deve manter um crescimento perto do valor de 2019 (mas tem que se considerar que um crescimento do PIB de 2,5% na África é pequeno, pois o crescimento populacional é muito alto).
Em contraste, a Ásia emergente deve manter um crescimento de 1% em 2020 e ter uma recuperação extraordinária em 2021 com 8,5%. China deve somar 10,4% e Índia 9,3% de crescimento do PIB, na soma de 2020 e 2021. Isto quer dizer que a distância de desempenho entre as economia avançadas e a Ásia emergente deve se alargar.
Assim, a profunda crise que está ocorrendo nos países ocidentais, vai elevar o desemprego e a pobreza, além de aumentar o déficit púbico e a dívida pública, dificultando a retomada dos investimentos e a recuperação da economia. Enquanto o Ocidente vai conviver com suas mazelas, o Oriente – mesmo com todas as dificuldades – vai iniciar com antecedência uma recuperação econômica e poderá retomar altas taxas de crescimento do PIB na dianteira do resto do mundo
A consequência geopolítica destes números é que o centro de gravidade econômico do mundo vai se deslocar com mais força e intensidade em direção à Ásia e, em especial, em direção à Índia e ao triângulo estratégico formado por China, Índia e Rússia.
Como mostrei em outro artigo (Alves, 18/03/2019), no passado, o centro econômico do mundo ficava na Ásia Central, ao norte da Índia e a oeste da China, refletindo os avanços civilizacionais desfrutados no Oriente Médio e Extremo Oriente. Até 1820, a Ásia respondia por dois terços da riqueza mundial, mas foi superada rapidamente pelo Ocidente graças à Colonização da América e à Revolução Industrial e Energética que garantiu a riqueza e o poderio da Europa e dos Estados Unidos.
Em 1900, o centro econômico havia mudado para o norte da Europa, que deu um salto muito à frente do resto do mundo durante o século XIX. Na primeira metade do século XX até 1950, o centro mudou para o Atlântico Norte, refletindo a ascensão econômica e populacional dos Estados Unidos, como mostra o relatório “Urban world: Cities and the rise of the consuming class”, do McKinsey Global Institute (Junho de 2012).
Mas o relatório também mostra que a tendência de ocidentalização do mundo deu um “cavalo de pau” em meados do século passado, voltou a se direcionar para o norte da Europa e agora essa tendência está se direcionando para o Oriente, em uma velocidade impressionante. O que levou séculos para se deslocar para o oeste, desde as Grandes Navegações iniciadas por Cristóvão Colombo em 1492, agora faz o caminho de volta para o leste em questão de décadas.
A McKinsey calculou onde o centro econômico ponderando o PIB nacional pelo centro geográfico de gravidade de cada país. O relatório liga a grande mudança na economia global à tendência de urbanização, observando que as economias em rápido crescimento sempre têm cidades em rápido desenvolvimento. Até 2025, prevê o relatório, dois terços do crescimento econômico mundial virão de um grupo de 600 cidades, sendo 440 delas em países em desenvolvimento. Por exemplo, o crescimento urbano da China está ocorrendo 10 vezes mais rápido do que a urbanização no Reino Unido, o primeiro país a se industrializar. A China está criando megacidades (população de 10 milhões ou mais) a uma taxa de uma por ano.
De acordo com o relatório da McKinsey, o centro de gravidade econômico vem mudando para leste na última década a uma taxa de 140 km por ano e, em 2025, terá retornado a um lugar na Ásia central, ao norte de onde foi no ano 1.000 DC. “Não é uma hipérbole dizer que estamos observando a mudança mais significativa no centro de gravidade econômico da Terra na história”, conclui o relatório.
Ou seja, o estudo da McKinsey indica uma mudança geoeconômica do mundo e fica cada vez mais atual. Nas estimativas do FMI a China vai crescer 10,4% e os EUA vão diminuir -1,2% no agregado de 2020 e 2021. É a maior diferença entre os dois líderes globais em décadas. A China já é líder na Revolução 4.0 e está na frente na tecnologia 5G que vai ser fundamental no mundo pós-coronavírus. Enfim, uma consequência não antecipada da pandemia de covid-19 pode ser reforçar a tendência de deslocamento do centro de gravidade econômico global com maior velocidade para o Leste.