Cristina Castro assume a Secretaria de Relações Internacionais da Contee: “Os problemas de casa são também os problemas do mundo”

Aos 18 anos, recém-formada no magistério do Colégio de freiras Santa Catarina de Juiz de Fora, Cristina Castro não imaginava que a religiosa que tantas vezes lhe chamara a atenção pelas travessuras a convidaria, no dia da formatura, a voltar à instituição no papel de professora. A emoção do pai, orgulhoso da filha levada e dedicada, marcou o início de uma jornada que, desde cedo, uniria a sala de aula à defesa da educação como direito e como causa.

No segundo dia de trabalho, em 1984, Cristina já se filiou ao sindicato dos professores, gesto que anunciava o compromisso que marcaria toda a sua carreira: enxergar o ensino não apenas como profissão, mas como parte de uma luta maior pela valorização dos educadores e pela justiça na educação.

Do Sindicato à Confederação

Em 1989, em meio ao processo de redemocratização do país, ingressou na direção sindical, enfrentando as pressões de uma instituição confessional que resistia à mobilização docente. De suplente na primeira gestão, passou a secretária de Assuntos Pedagógicos e, em seguida, vice-presidenta do sindicato.

Em 1996, foi eleita secretária-geral da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (FITEE/MG-ES), cargo que exerceu até 2007, conciliando a militância sindical com o trabalho nas redes pública e privada.

O envolvimento crescente com as pautas da categoria a levou, em 2006, à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), onde foi eleita secretária-geral. Cristina permaneceu nessa função até 2012 e, na sequência, assumiu a Secretaria de Comunicação até 2016. Já como integrante da diretoria plena, representou a Contee na Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e foi eleita para o Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Em 2021, Cristina retornou à Executiva da Contee como coordenadora da Secretaria de Relações Internacionais, cargo para o qual foi reconduzida em julho deste ano, durante o XI Conatee (Congresso da Contee).

Com quatro décadas de militância sindical e uma vida inteira dedicada à educação, entre greves, debates e conquistas, Cristina acompanhou o sindicalismo se reinventar, resistiu à pressão patronal, construiu pontes entre os setores público e privado e manteve viva a convicção de que educar é também um ato político.

Cristina Castro segue entre assembleias, encontros e viagens, levando a voz dos educadores brasileiros a espaços nacionais e internacionais — militando com firmeza e generosidade para que professores e técnicos administrativos sejam respeitados, valorizados e tenham seus direitos ampliados. Para ela, a educação é o solo onde florescem a justiça, a paz e a democracia.

Um sindicalismo integrado e internacionalista

Para Cristina, cada gestão é um recomeço. “Tudo é sempre muito novo, mesmo já tendo estado nessa pasta por um mandato”, afirma. À frente da Secretaria de Relações Internacionais, ela busca uma atuação integrada e participativa, tanto entre os diretores da Confederação quanto com as entidades de base.

Além de Cristina, compõem a coordenação Mara Kitamura (Sinpro Sorocaba) como coordenadora adjunta e os diretores Maria de Jesus (Saep/DF) e Lindolpho Gadelha (SindEducação-ES).

A integração, segundo Cristina, é essencial para fortalecer a ação internacional da Contee. Ela destaca que, anteriormente, as atividades internacionais eram restritas à diretoria: “Hoje, a prioridade é garantir que as entidades de base conheçam e participem dessas redes. Nós só somos filiados a essas organizações porque temos entidades de base. Elas precisam conhecer e movimentar essas lutas. Senão, fica um trabalho de capa — e nós não queremos um trabalho de capa.”

Cristina reforça que a dimensão internacional fortalece a luta local. “Quando o sindicato participa de uma atividade fora do país, percebe que os problemas de casa são também os problemas do mundo. Isso fortalece a luta. É muito significativo não se sentir isolado.”

Ela sublinha a importância da articulação com países de língua portuguesa, lembrando os laços históricos com o continente africano, “lamentavelmente marcados pela escravização, mas que também nos aproximam na luta por dignidade e democracia”. Cristina observa que em muitos desses países o sindicalismo ainda é recente e enfrenta desafios estruturais: “Precisamos fortalecer esses laços de união, de luta, mas também de solidariedade. Essa é uma construção que precisa ser feita coletivamente.”

Num contexto mundial de avanço da extrema direita, Cristina acredita que a Secretaria de Relações Internacionais assume um papel estratégico: “A coordenação das relações internacionais da Contee adquire também um papel político fundamental — não apenas sindical e organizativo, mas político no sentido mais amplo, de resistência e de afirmação da democracia e dos direitos humanos.”

O início da gestão da Secretaria de Relações Internacionais

Entre as ações desenvolvidas pela Secretaria de Relações Internacionais da Contee, Cristina Castro sinaliza um movimento duplo: ampliar o conhecimento das entidades sobre as organizações internacionais às quais a Confederação é filiada e aprofundar o debate sobre o papel político e educativo da atuação global do sindicalismo.

“O primeiro passo foi apresentar essas entidades às nossas bases”, pontua Cristina. Para isso, a secretaria elaborou um documento que reúne informações sobre a história e a estrutura de organizações como a Internacional da Educação (IE), a IEAL, a CEA, a CPLP Sindical de Educação e a FISE. Ela disse que o objetivo é que as novas direções sindicais compreendam o significado e a importância de cada uma delas. “Você só vai querer participar daquilo que minimamente conhece, que tem uma referência. Então, o primeiro momento foi esse: fortalecer o conhecimento e o envolvimento das entidades.”

Entre as iniciativas recentes, Cristina informa que a Secretaria vem estreitando a parceria com a Embaixada da China para a realização de um seminário sobre inteligência artificial, além de participar ativamente das atividades promovidas pelas organizações internacionais. “A ideia é sempre articular, participar e divulgar o que essas entidades estão fazendo, mostrando como as lutas globais têm impacto direto na educação brasileira”, ressalta.

Neste mês de outubro, a Secretaria também se integrou às ações pelo Dia Mundial dos Professores e Professoras, celebrado no dia 5, quando a Internacional da Educação lançou o lema “Unidos pela docência, unidos pelo futuro.” A Contee, no entanto, adotou o mote adaptado CPLP Sindical, reafirmando os princípios que orientam o futuro que queremos: “Docência unida pela paz e pela democracia.”

“O futuro que se avizinha não é simples — é um tempo de intolerância, guerras e avanço da extrema direita. Então, falar de paz e de democracia é reafirmar o sentido político e pedagógico da escola que queremos: participativa, plural, que assegure as diferenças e a liberdade”, frisa Cristina.

Para ela, as pautas internacionais atravessam o cotidiano das escolas. “O que acontece no mundo reflete diretamente dentro da sala de aula, principalmente agora com o avanço tecnológico. Se antes a informação demorava, hoje ela é instantânea”, observa. É por isso que ela defende uma secretaria articulada com as demais áreas da Contee — comunicação, formação, organização sindical e mundo do trabalho —, formando uma rede que conecta as experiências locais às discussões globais.

“O trabalho da Secretaria de Relações Internacionais é fazer essa ponte entre as secretarias, dar conhecimento do que acontece nas organizações sindicais pelo mundo afora e fortalecer a unidade da luta e da solidariedade internacional — mas sempre com o olhar do mundo voltado para a sala de aula”, elucida.

Democracia sob ameaça: o desafio mundial que atravessa o Brasil

A reflexão internacional proposta por Cristina de Castro não se limita ao campo educacional. De acordo Castro, compreender o papel da Contee no mundo é também enxergar os riscos que rondam as democracias e as liberdades em escala global.

“Bem, como eu falei no início, o cenário mundial é muito preocupante”, alerta. “Os retrocessos estão por toda parte: a eleição de Trump, a perseguição aos imigrantes — sobretudo nos Estados Unidos — e o crescimento da extrema direita em vários países.” Cristina cita exemplos recentes, como o partido Chega, em Portugal, que chegou ao absurdo de ter seguidores oferecendo dinheiro pela cabeça de brasileiros nas redes sociais. “Esse tipo de intolerância e violência política mostra que há uma escalada perigosa no mundo”, esclarece.

Ela analisa que o avanço da extrema direita hoje não se dá mais por meio de ditaduras, mas dentro de processos eleitorais. “Antes, a destruição da democracia era feita por golpes militares. Agora, ela acontece dentro das urnas. Pessoas são eleitas para atacar direitos, enfraquecer instituições e deslegitimar a própria democracia que as elegeu”, assinala.

Cristina também indica a relevância dos novos arranjos internacionais de poder, como o fortalecimento dos BRICS, que, segundo ela, representa “um passo importante para o equilíbrio global, especialmente ao propor alternativas monetárias e comerciais fora da dominação norte-americana”.

Ao avaliar a conjuntura mundial a partir da experiência da CPLP Sindical, Cristina aponta que o crescimento da extrema direita é um fenômeno comum a todos os países-membros. “Cada nação relatou, na nossa última assembleia, situações semelhantes: intolerância, autoritarismo, criminalização das lutas e ataques à diversidade.”

No Brasil, ela ressalta, esse contexto ganha contornos ainda mais delicados. “O que acontece aqui reflete em toda a América Latina e também no mundo. As eleições de 2026 terão um peso determinante. Não basta elegermos um Executivo progressista se o Congresso estiver dominado por forças reacionárias. Precisamos de parlamentares comprometidos com pautas humanitárias, com a soberania nacional e com os direitos dos trabalhadores.”

Cristina registra que a defesa da democracia será o grande eixo de atuação da Secretaria no ano que vem. “Temos atividades específicas até meados de 2025, mas a partir daí o foco central será a luta em defesa da democracia e desse futuro que precisa ser construído com paz, liberdade e participação popular. O cenário de 2026 é extremamente preocupante — no Brasil e no mundo — e exige mobilização permanente.”

A disputa não é apenas ideológica, é humanitária

A secretária também chama atenção para o agravamento da crise humanitária no mundo, com destaque para o genocídio na Palestina. “A gente não pode naturalizar isso. Não pode deixar de se indignar ao ver crianças morrendo de fome”, afirma, com a voz marcada pela emoção. “Ser morta por uma bomba, por um drone, por um tiro, já é um horror. Mas morrer de fome é uma desumanidade. Eu não sei onde isso vai parar.”

Cristina lembra que a barbárie internacional encontra ecos no cotidiano brasileiro. “Veja o que está acontecendo em São Paulo e no Rio de Janeiro: pais estão sendo proibidos de assistir aos jogos de futebol dos filhos, crianças de sete a doze anos, por causa das agressões verbais entre adultos — pais ofendendo crianças com xingamentos homofóbicos. Que sociedade é essa?”, questiona.

Para ela, o que se vê é a naturalização da violência e da intolerância em todas as esferas da vida. “Se um adulto é capaz de agredir uma criança num campo de futebol, como vamos formar educadores capazes de trabalhar a sensibilidade diante da tragédia da Palestina? Se não conseguimos nos sensibilizar com o colega do lado, como compreender o sofrimento de um povo inteiro?”

Cristina avalia que o mundo vive um momento inédito de degradação moral e emocional. “Eu acho que nunca passamos por uma fase como essa. É um tempo em que a disputa não é apenas ideológica — é humanitária. A humanidade está em disputa. Precisamos resgatar essa sensibilidade, porque ela é o que sustenta a vida coletiva, a democracia e o sentido da educação.”

Ainda assim, ela reconhece que há resistência e esperança. “Ver uma passeata com mais de 150 mil pessoas em defesa da Palestina mostra que há uma parcela significativa da população que não cede ao ódio. Mas, ao mesmo tempo, você vê cem mil pessoas marchando na Inglaterra pedindo o fim dos imigrantes. É essa disputa que define o mundo hoje: a disputa entre a barbárie e a humanidade.”

Gratidão, pertencimento e unidade na luta

Ao encerrar a conversa, Cristina de Castro expressa o sentimento que a move na militância sindical: a gratidão. Mesmo afastada da escola para exercer o mandato sindical, manteve sempre a ligação com a sala de aula, os colegas e a categoria, participando ativamente de assembleias, debates e lutas. “Eu tenho muita gratidão, acho que essa é a palavra, por participar da Confederação. Eu pude aprender muito”, afirma, destacando que essa conexão é o que dá sentido ao trabalho diário do sindicalista.

Para Cristina, as entidades de base são o coração da Contee. Ela reforça que é essencial que professores (as) e técnicos- administrativos (as) conheçam tanto a atuação nacional da entidade quanto sua dimensão internacional. “Assim como é importante que conheçam as organizações internacionais às quais estamos filiados, é fundamental que saibam que existe uma organização nacional — a Contee — que está em todos os espaços do país defendendo os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da educação”, contextualiza.

Cristina lembra que a luta sindical não se limita à negociação imediata por direitos e benefícios, mas se sustenta na consciência de que os desafios enfrentados aqui — ataques aos direitos, violência nas escolas, precarização — refletem situações semelhantes em outros países.

“As entidades de base precisam ter esse olhar internacional, não apenas porque a Contee tem uma Secretaria de Relações Internacionais, mas porque a nossa luta diária reflete no mundo — e o mundo reflete em nós. É esse reconhecimento que nos faz entender que não estamos sozinhos e que é possível fortalecer a luta coletiva”, afirma.

Por fim, ela realça que a unidade sindical é global. Só com o engajamento e a participação ativa das entidades de base é possível construir um sindicalismo internacional sólido e solidário. “E essa unidade tem que ser mundial”, complementa Cristina, destacando que a consciência global é o que dá força, sentido e consistência à militância cotidiana.

Por Romênia Mariani

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