Daqui até a eleição, serão três meses muito complicados, afirma cientista político

Silêncio da cúpula militar sobre ameaças de Bolsonaro a eleições deixam sociedade em suspense. “E suspense é parte da estratégia militar”, diz João Roberto Martins Filho

São Paulo – O general Walter Braga Netto foi notícia duas vezes nesta sexta-feira (1°), ambas relacionadas à eleição de outubro. Primeiro, com a revelação de uma fala do militar a empresários, aos quais ele teria repetido o mantra do chefe, Jair Bolsonaro, de que sem auditoria dos votos “não tem eleição”, segundo a jornalista Malu Gaspar, de O Globo. A ameaça teria sido feita na sexta-feira (24) e teria “constrangido” os executivos presentes.

O general foi mencionado pela mídia também por ter deixado oficialmente a assessoria da Presidência onde estava alocado desde que deixou o Ministério da Defesa, em março. Ele deve ser o vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de outubro e será um dos coordenadores da campanha, junto com o filho “zero 1”, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Embora negada, sob alegação de que foi tirada do contexto, a nova ameaça de Braga Netto é apenas mais uma das incontáveis desde 2019, proferidas principalmente pelo chefe de governo. No sábado passado, Bolsonaro subiu o tom. Em evento religioso em Balneário Camboriú (SC), disse ter um “exército que se aproxima das 200 milhões de pessoas”. Prometeu que, “se preciso for – e cada vez mais parece que será preciso –, nós tomaremos as decisões que devam ser tomadas”.

Bolsonaro está permanentemente blefando, ameaçando com uma força que não tem? Existe risco de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso vença a eleição, os atuais ocupantes do Palácio do Planalto se recusarem a entregar o poder, repetindo a tentativa de golpe de Donald Trump nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021?

Para o cientista político João Roberto Martins Filho, professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a situação de insegurança que tais falas plantam na sociedade se devem em grande parte ao silêncio dos militares que, supostamente, seriam contra esses arroubos antidemocráticos, mas nada dizem. “A gente fica sem saber o que está acontecendo. Eles não tranquilizam o país, nem vão tranquilizar tão cedo”, diz. “Suspense é parte da estratégia militar.”

Leia a entrevista de Martins Filho à RBA:

As ameaças à eleição, seja de Bolsonaro ou aliados e militares próximos, como Braga Netto, são bravatas ou existe o risco de um golpe de fato?

Partindo de um general que ocupou o ministério da Defesa, é sério. O problema é que a gente não sabe que tipo de respaldo (uma tentativa de golpe) teria no alto comando, do Exército principalmente. Bolsonaro vai colocar Braga Netto como vice com segundas intenções, para ter uma figura do Exército na chapa. Mas, entre aqueles militares que não seriam tão comprometidos com Bolsonaro quanto Braga Netto, alguém que poderia ter alguma ressalva a essa possibilidade de golpe, ninguém se manifesta.

Quando é contra o Supremo Tribunal Federal, aí eles se manifestam. Aí o ministro da Defesa (Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira), os outros comandantes – o que é inusitado –, assinam junto. Quando Ciro Gomes falou que as Forças Armadas são coniventes com o crime organizado na Amazônia, se juntaram os três comandantes. As declarações como essa (dos militares) poderiam ser consideradas ofensivas às Forças Armadas, por colocá-las como uma ameaça à democracia brasileira.

Então, fica esse jogo meio estranho, mas perigoso. Parece que querem manter o país em suspenso até as eleições. Seja os comprometidos diretamente, o (Augusto) Heleno, o (Luiz Eduardo) Ramos e Braga Netto, sejam os que às vezes passam mensagens meio dúbias.

Onde estão os militares das Forças Armadas que supostamente são contra Bolsonaro, mas nunca se manifestam publicamente?

Segundo fontes, estariam vindo sinais da área militar de que não vão se meter (num golpe), que é muito perigoso para a ordem, a segurança nacional… Mas ficou claro por que passaram essa mensagem: por causa dessa declaração de Braga Netto, tentando desde já deslegitimar a eleição. Mas fica esse clima ruim em que a gente não sabe o que está acontecendo. E a gente tem motivos pra achar que eles podem criar problemas, na medida em que vão dando corda para Bolsonaro.

O que chegou para mim é que eles estão achando o jogo do Bolsonaro muito perigoso. Mas como saber se isso é uma verdade ou um jogo de duas pinças, como diz o Piero Leirner (“agir como grupo simpático a um movimento social e depois como defensor do governo” – segundo Leirner). De um lado a pinça da ameaça, de outro a de que “vamos cumprir a Constituição”.

Se Lula vencer a eleição, Bolsonaro teria dois meses para ficar no Planalto e tentar um golpe como o que Donald Trump tentou nos Estados Unidos. Como vê esse intervalo?

E o papel que o Exército cumpre aqui não tem nada a ver com o Exército lá, onde existe para fazer guerra mesmo. Mas estou achando você até otimista, ao pensar numa situação pós-vitória do Lula, entre a vitória e a posse. Até lá, temos três meses muito complicados.

Pode até ser, num extremo, que se Bolsonaro começar a jogar lenha na fogueira, como fez em Santa Catarina, os militares que estão na ativa deem um basta em Bolsonaro. Como dariam um basta? Divulgando alguma informação que têm sobre ele, algo contundente. Eles têm muita informação. Nesse sentido, jogariam uma “bomba” a tempo ainda de prejudicar a candidatura de Bolsonaro. Mas essa é uma etapa até o dia da eleição.

Depois, Lula vencendo, ainda temos a etapa até a posse. Mas aí, o presidente eleito, com votação grande, com apoio internacional, daí para frente é mais difícil mexer com ele. Pode ser que Bolsonaro, então, tente uma loucura, como Trump.

Mas nesse caso, se ele detonar tudo, pode ser que as Forças Armadas atendam a um pedido do Supremo e ponham as tropas na rua para proteger a democracia. Aí é pior ainda: fica uma situação em que Lula nem tomou posse e já começa devendo alguma coisa às Forças Armadas.

Mas essa previsão não seria de certa maneira otimista, sendo uma intervenção para proteger a democracia?

Entre aspas, não é? Porque eles que criaram essa situação. A situação não é boa. Não tem nenhuma perspectiva otimista da minha parte.

Resta saber se as Forças Armadas como organismo, algo maior do que governo, mas de Estado, vão continuar compactuando com um governo que tem denúncia todo dia. Ministério da Educação, agora a Caixa Econômica

Dentro de casa, as mulheres devem falar a eles: “até onde é que vai chegar isso?” Como você falou no começo: não vão fazer nada? Não vão se manifestar? Não vão dar uma pequena declaração dizendo que até aí já foi demais? Até agora não, porque o candidato que está ganhando é o Lula, que pra eles é o inimigo principal.

Então esperemos que sejam racionais e o Brasil não seja uma “república de banana”…

Concordo plenamente. O problema é que a gente fica nesse suspense, e suspense é parte da estratégia militar. Ficamos sem saber o que está acontecendo. Eles não tranquilizam o país, nem vão tranquilizar tão cedo. Outro dia um partidário de Bolsonaro, comentando um discurso em Santa Catarina, disse que Bolsonaro conta com as Forças Armadas e com as “forças auxiliares”.

Mas colocou nas “forças auxiliares” os Cacs – caçadores, atiradores e colecionadores de armas. Esses caras são força auxiliar? Força auxiliar é Polícia Militar. Esses caras não são parte do Estado. Olha o perigo a que estamos chegando.

Em resumo, ele armou as pessoas e não se sabe o que pode acontecer.

O que pode acontecer e que eu espero que não aconteça, tanto quanto você, é que morra gente até que se resolva a situação. Olha o que deu nos Estados Unidos.

Lá até morreu gente, mas as instituições aqui no Brasil não são tão fortes como lá. Não sabemos até quanto elas aguentam…

Concordo. Tanto é que estamos dependendo das Forças Armadas. Um absurdo completo.

Rede Brasil Atual

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