Decisão do STF sobre ‘pejotização’ pode representar o fim dos direitos trabalhistas

Para Jorge Souto Maior, a classe trabalhadora precisa se organizar para garantir os princípios da Constituição

Para o jurista e professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de suspender os processos sobre “pejotização” no país é mais um passo no desmonte dos direitos trabalhistas promovidos com maior ênfase desde a reforma trabalhista de 2017 . “Estamos diante da realidade concreta do fim do direito do trabalho”, afirmou o especialista em entrevista ao Conexão BdF , programa do Brasil de Fato .

A decisão do Supremo paralisa ações na Justiça do Trabalho que analisa contratações via pessoa jurídica – prática que se tornou comum em setores como tecnologia, saúde, advocacia, entregas por aplicativo e cultura. O STF deve julgar o tema com repercussão geral, o que significa que sua decisão terá de ser seguida por todos os tribunais do país.

Souto Maior critica a posição do Supremo, que, segundo ele, tem se distanciado da Constituição e das normas internacionais de proteção ao trabalho. “A Constituição determina que os direitos trabalhistas são fundamentais e irrenunciáveis. Eles fazem parte de um pacto coletivo para garantir dignidade e segurança social à classe trabalhadora”, indica.

Segundo o jurista, o STF tem tratado a “pejotização” como se fosse uma forma de terceirização, mas a prática é ainda mais grave: “É uma fraude. Se aceita que o simples ‘consentimento’ do trabalhador seja suficiente para firmar um contrato comercial, sem vínculo de emprego e sem qualquer proteção da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], e nem mesmo o Judiciário poderá contestar isso. É um momento gravíssimo”.

Se a decisão do Supremo para no sentido de validar esse tipo de contrato com base apenas na vontade individual do trabalhador, afirma o especialista, o país poderá assistir à “extinção dos direitos trabalhistas para qualquer trabalhador e atividade e da própria Justiça do Trabalho”.

O professor lembra que a Corte já vem tomando decisões nesse sentido desde 2009, acelerando esse processo após a reforma trabalhista, uma das principais medidas tomadas durante o governo do ex-presidente Michel Temer. Para ele, o STF tem agido com motivações políticas e ideológicas, atendendo aos interesses do capital. “É uma corte política, não jurídica. Os ministros estão lá porque compartilham essa visão de mundo. Julgam a partir da ótica da classe dominante.”

O jurista apontou ainda a necessidade urgente da ocorrência popular como única saída possível. “Essa não é apenas uma mudança no mundo do trabalho, mas não há compromisso da sociedade com o pacto social e democrático. Precisamos reorganizar politicamente a classe trabalhadora para que ela se compreenda em si como classe e não como categoria de profissionais específicos. Se não houver retomada da consciência de classe, o capital vai continuar se valendo essas estruturas de divisão, da necessidade das pessoas, da dificuldade de sobrevivência, do individualismo, se valendo essas estratégias que servem aos interesses do capital e não à classe trabalhadora.”

Editado por: Martina Medina

Do Brasil de Fato

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