Decisão sobre demissão em massa é vitória, mas não pode ser esvaziada

Ou os sindicatos agem com vigor, firmeza e determinação, ou prevalecerão os escusos interesses empresariais, fazendo da realçada tese reles figura jurídica decorativa

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O STF (Supremo Tribunal Federal), ao concluir o julgamento do RE (Recurso Extraordinário) 999435 — tema com repercussão geral 638 —, ao dia 8 de junho de corrente, por maioria, assegurou aos/às trabalhadores/as e às suas organizações sindicais meia vitória — parafraseando o saudoso e insigne mestre Anízio Teixeira ao comentar a LDB de 1961, Lei N. 4024/1961.

Isso porque estabeleceu tese com repercussão geral (obriga a todos) e de razoável alcance social para a efetivação de demissões coletivas, que exige como formalidade essencial, para sua validade, o diálogo prévio com os respectivos sindicatos.

Eis a tese fixada:

“A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores que não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.

Essa decisão representa meia vitória e não vitória cheia, ou por completo, porque, não havendo acordo entre os sindicatos representantes dos/as trabalhadores/as em vias de serem demitidos em massa e a empresa, prevalece o poder de comando desta. Equivale a dizer: concretiza-se a demissão.

O que pode levar muitas empresas, e por certo as levará, a tentar limitar o “diálogo” — como o denomina o STF — prévio com os sindicatos à mera comunicação de que promoverão demissões coletivas, propondo-lhes a abertura de tratativas com essa finalidade. E, nas eventuais tratativas, efetivamente, nada propor em benefício da preservação dos empregos e/ou compensações aos/às que serão demitidos/as.

Todavia, essa limitação não pode ser menosprezada e tomada como de pequena significância. Longe disso, representa valorização da representação sindical e da mobilização coletiva, bem como passo certo para caracterização de prática antissindical da empresa que a não respeitar por inteiro, ou seja, não a tratar com probidade e boa-fé, como exige o Art. 422 do CC (Código Civil), e/ou dela fazer mera formalidade, desprovida de conteúdo.

Além disso, representa obstáculo à sanha de imposição legal de total desproteção dos direitos trabalhistas, marca maior da Lei N. 13.467/2017, estampada, quanto a este aspecto específico, no Art. 477-A da CLT, acrescido por essa lei com a finalidade de esvaziar o inciso I do Art. 7º da CF (Constituição Federal) — relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar —, ao qual o relator do RE, ministro aposentado Marco Aurélio, feroz algoz das organizações sindicais, nos seus últimos anos de atuação, propôs que se emprestasse declaração de constitucionalidade, muito embora não o tenha citado.

Representa, ainda, pequena pausa na cruzada do STF contra os direitos fundamentais sociais, que se acha sobre ofensiva jamais vista.

Eis o que diz o Art. 477-A da CLT:

“Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

Cabe, pois, aos sindicatos aturarem com firmeza para impedir que relevante conquista seja esvaziada, como já o foram muitos dos direitos fundamentais sociais.

A primeira e urgente tarefa para esse mister é a de delimitar o que se pode e se deve entender por demissão coletiva, para que formação de jurisprudência sobre ela não lhe esvazie o alcance social, como se fez com a lei de greve e muitas outras.

Ou os sindicatos agem com vigor, firmeza e determinação, ou prevalecerão os escusos interesses empresariais, fazendo da realçada tese reles figura jurídica decorativa.

Para mais bem assentar a comentada decisão, vale a pena conferir o inteiro teor das notícias publicadas na página oficial do STF, por ocasião do início do julgamento em 2021 e de sua conclusão, aos 8 de junho corrente:

“Demissão em massa depende de participação prévia de sindicatos, decide STF

A maioria do Plenário considerou que a intervenção sindical estimula o diálogo, sem estabelecer condições.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (8), que é imprescindível a participação prévia de sindicatos nos casos de demissões coletivas. A decisão majoritária foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 999435, com repercussão geral (Tema 638).

O caso diz respeito à dispensa, em 2009, de mais de quatro mil empregados da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer). No recurso, a empresa e a Eleb Equipamentos Ltda. questionavam decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que estabeleceu, em relação a casos futuros, a necessidade de negociação coletiva visando à rescisão.

O julgamento foi iniciado em maio de 2021, quando o relator, ministro Marco Aurélio (aposentado), votou pelo provimento do recurso por considerar desnecessária a negociação coletiva para a dispensa em massa. Na ocasião, os ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes acompanharam esse entendimento e, em sentido contrário, o ministro Edson Fachin votou pela obrigatoriedade da negociação. Ele foi seguido pelo ministro Luís Roberto Barroso, para quem não deve haver uma vinculação propriamente dita, mas o dever de negociar.

Diálogo

Em voto-vista apresentado hoje, na retomada do julgamento, o ministro Dias Toffoli se uniu à divergência, por entender que a participação dos sindicatos é imprescindível para a defesa das categorias profissionais. Assim como Barroso, Toffoli observou que não se trata de pedir autorização ao sindicato para a dispensa, mas de envolvê-lo num processo coletivo com foco na manutenção de empregos, a partir do dever de negociação pelo diálogo.

Função social

Segundo Toffoli, a participação de sindicatos, nessas situações, pode ajudar a encontrar soluções alternativas ao rigor das dispensas coletivas, evitar a incidência de multas e contribuir para a recuperação e o crescimento da economia e para a valorização do trabalho humano, cumprindo, de modo efetivo, a sua função social.

Intervenção x autorização

De modo geral, os ministros e as ministras que acompanharam essa vertente demonstraram preocupação com os impactos sociais e econômicos das demissões coletivas e realçaram que a intervenção sindical prévia não se confunde com autorização prévia dos sindicatos, mas estimula o diálogo, sem estabelecer condições ou assegurar a estabilidade no emprego.

Também votaram nesse sentido, na sessão de hoje, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski. Após ouvir os debates, o ministro Alexandre de Moraes, que havia acompanhado o relator no início do julgamento, alterou seu posicionamento. Segundo ele, a melhor abordagem da questão deve ser a busca de maior equilíbrio nas relações de trabalho a partir do dever de dialogar, principalmente em razão do fato de a Constituição defender os direitos sociais e a empregabilidade.

Por decisão majoritária, a Corte negou provimento ao RE, vencidos os ministros Marco Aurélio, Nunes Marques e Gilmar Mendes, que votou hoje.

Tese

Por maioria, a tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores que não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.

“Pedido de vista suspende julgamento sobre necessidade de negociação coletiva antes de demissão em massa

Até o momento, três ministros consideram que a negociação não é obrigatória, e dois divergiram.

Pedido de vista do ministro Dias Toffoli interrompeu, nesta quinta-feira (20), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE 999435), com repercussão geral (Tema 638), que discute a necessidade de negociação coletiva antes de demissões em massa. Na sessão de hoje, apenas o ministro Luís Roberto Barroso proferiu voto.

Até o momento, três ministros entenderam que não há previsão legal que obrigue a negociação prévia nas hipóteses de demissões coletivas ou em massa, entre eles o relator, ministro Marco Aurélio. De outro lado, dois ministros votaram para reconhecer a obrigatoriedade da negociação, em divergência aberta pelo ministro Edson Fachin.

Embraer

O caso diz respeito à dispensa, em 2009, de mais de quatro mil empregados da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer). No recurso, a empresa e a Eleb Equipamentos Ltda. questionam decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que estabeleceu, em relação a casos futuros, a necessidade de negociação coletiva visando à rescisão.

Diálogo

Na sessão de hoje, o ministro Luís Roberto Barroso seguiu a divergência aberta pelo ministro Fachin e votou pelo reconhecimento da validade e da constitucionalidade da decisão do TST. Ele destacou que a corte trabalhista introduziu um requisito procedimental e não material: a necessidade de sentar à mesa de negociação, oportunidade para que a empresa, ao demitir em massa, exponha suas razões e ouça o lado dos trabalhadores, por meio do sindicato. Segundo ele, o TST não exigiu acordo ou autorização prévia para demissão, mas apenas que os representantes dos sindicatos sejam ouvidos e tenham o direito de apontar outras saídas.

Na sua avaliação, existe, inequivocamente, uma omissão inconstitucional na proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária e sem justa causa, pois há uma norma constitucional que, até hoje, não foi regulamentada pelo Congresso Nacional. Trata-se do artigo 7º, inciso I, que prevê a aprovação de lei complementar para tratar desses direitos trabalhistas.

Ainda de acordo com o ministro, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) prevê a solução transitória de indenização até que sobrevenha a lei complementar prevista nesse dispositivo, ‘que, como sabemos, jamais foi promulgada’. Barroso ainda citou o artigo 8º, incisos III e VI, da Constituição, que enfatiza a representação dos trabalhadores por meio dos sindicatos e determina a participação dessas entidades nas negociações coletivas de trabalho. Citou, por fim, o inciso XXVI do artigo 7º, que se refere ao reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho.

Ele destacou, também, que a Constituição brasileira e as convenções internacionais relevantes, notadamente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), valorizam a negociação coletiva e que, mesmo em situações extremas, o incentivo ao diálogo é o ideal. ‘A demissão coletiva é um fato socialmente relevante, pelo impacto não apenas sobre os milhares de trabalhadores afetados, mas sobre toda comunidade onde vivem essas pessoas. Considero, portanto, legítimo e desejável o empenho em minimizar esse impacto’, concluiu.”

Ao debate e à ação!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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