Decisão sobre grávidas e lactantes é lampejo em defesa da cidadania
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Até que enfim emana-se do Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia alvissareira, o que há muito não acontecia.
No dia 30 de abril último, o ministro Alexandre de Moraes concedeu Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 5938, ajuizada pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos, em face do Art. 394-A da Lei N. 13.467/2017 — a lei da “deforma” trabalhista —, para suspender a eficácia da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, nele contida.
Como se sabe, o referido Art., numa inequívoca demonstração de desprezo pela vida da mulher gestante e da criança em fase de gestação ou de lactação, autoriza o trabalho daquela em atividades insalubres de graus mínimo e médio, exceto em caso de atestado médico que recomende o seu afastamento.
Tal Art. assim estipula:
“Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;
III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.”
Vale destacar que a Câmara Federal, em sua manifestação na comentada ADI, afirma que o Art. impugnado não contém inconstitucionalidade; e a Presidência da República e a Advocacia Geral da União (AGU), despudoradamente, afirmam que ele não traz nenhum prejuízo para mulher e a criança.
Todavia, o ministro Alexandre de Moraes, felizmente, não fez coro a essa peroração que, insista-se, traz a indelével marca do desprezo pela vida humana, anotando em sua decisão:
“Na presente ação, os requisitos necessários para a concessão da medida cautelar estão presentes. Está presente o fumus boni juris a amparar a suspensão da eficácia da expressão ‘quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento’ do art. 394-A, II e III, da Consolidação das Leis do Trabalho.
As normas impugnadas expõem as empregadas gestantes a atividades insalubres de grau médio ou mínimo e as empregadas lactantes a atividades insalubres de qualquer grau. Impõem, ainda, às empregadas, o ônus de apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação ou a lactação, como condição para o afastamento.
A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante, o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante e, nos incisos XX e XXII, do artigo 7º, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Sob essa ótica, a proteção da mulher grávida ou da lactante em relação ao trabalho insalubre, caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, quanto da criança, pois a ratio das referidas normas não só é salvaguardar direitos sociais da mulher, mas também, efetivar a integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura e sem os perigos de um ambiente insalubre, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade e do empregador.
A imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social — proteção a maternidade —, portanto, também decorre da absoluta prioridade que o art. 227 do texto constitucional estabelece de integral proteção à criança, inclusive, ao recém-nascido. Na presente hipótese, temos um direito de dupla titularidade.
A proteção a maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em juntar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.
Dessa maneira, entendo, em juízo de cognição sumária, que as expressões impugnadas não estão em consonância com os dispositivos constitucionais supramencionados, os quais representam não apenas normas de proteção à mulher gestante ou lactante, mas também ao nascituro e recém-nascido lactente.
A jurisprudência deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, aliás, reconhece a importância da proteção à maternidade e à saúde, como verificado no julgamento do RE 629.053, sob o regime de repercussão geral, cujo entendimento ficou assim firmado: “A incidência da estabilidade somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa”, independentemente de prévio conhecimento ou comprovação.
Naquele julgamento (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, DJe de 27/2/2019), consignei que o conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.
Nessa linha de proteção à maternidade, igualmente, ao apreciar o tema 973 de repercussão geral (RE 1.058.333, Rel. Min. LUIZ FUX, julgamento em 21/11/2018), a CORTE fixou ainda a seguinte tese: ‘É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público’.
A previsão de determinar o afastamento automático da mulher gestante do ambiente insalubre, enquanto durar a gestação, somente no caso de insalubridade em grau máximo, em princípio, contraria a jurisprudência da CORTE que tutela os direitos da empregada gestante e lactante, do nascituro e do recém-nascido lactente, em quaisquer situações de risco ou gravame à sua saúde e bem-estar.
O perigo da demora consiste no fato de as expressões impugnadas permitirem a exposição de empregadas grávidas e lactantes a trabalho em condições insalubres, o que deve ser obstado desde logo.
Mesmo em situações de manifesto prejuízo à saúde da trabalhadora, por força do texto impugnado, será ônus desta a demonstração probatória e documental dessa circunstância, o que obviamente desfavorece a plena proteção do interesse constitucionalmente protegido, na medida em que sujeita a trabalhadora a maior embaraço para o exercício de seus direitos.
Diante de todo o exposto, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, para suspender a eficácia da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do art. 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inseridos pelo art. 1º da Lei 13.467/2017.
Comunique-se ao Presidente da República e ao Congresso Nacional para ciência e cumprimento desta decisão.
Destaco que o processo, submetido ao rito previsto no art. 12 da Lei 9.868/1999, já se encontra em condições de ser apresentado ao Colegiado, razão pela qual já foi pedida, em 18/12/2018, data para julgamento de mérito, nos termos do inciso X do artigo 21 do RISTF.
Publique-se. Brasília, 30 de abril de 2019. Ministro ALEXANDRE DE MORAES Relator”.
Mediante essa decisão cautelar, em nenhuma hipótese, pode-se submeter a mulher grávida ou lactante a atividades insalubres, de qualquer grau.
Isso representa um pequeno lampejo de defesa da cidadania, nesse crescente universo de desenfreada destruição de direitos fundamentais sociais, no caso concreto, a vida digna da mulher e da criança.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee