Depois da lama, as doenças
Potencialmente rico em metais pesados perigosos à saúde, o mar de lama proveniente do rompimento de uma barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro, já começa a oferecer riscos à saúde dos moradores na região.
Rejeitos de mineração são resultado do processo de separar o minério de ferro bruto de impurezas sem valor. É essa sobra que contém restos de minério, sílica e derivados de amônia.
A Vale afirma que a lama não é tóxica. Mas especialistas garantem que há danos ambientais graves, como a contaminação do solo e da água por minério fino proveniente da sobra dos rejeitos.
A extensão do impacto ainda é difícil de ser medida. As primeiras medições, feitas no último domingo (03/05) pela Fundação SOS Mata Atlântica, surpreenderam: desde o “marco zero” da tragédia, em Brumadinho, até a hidrelétrica de Três Marias, em Felixlândia, o rio Paraopeba pode ser considerado morto.
“Mesmo os que não tiveram contato com a lama poderão se contaminar por meio do consumo de água que esteve em contato com a lama e, ainda, pela inalação da poeira gerada pela grande área exposta com essa lama”, adverte Claudia Carvalhinho Windmoller, química da Universidade Federal de Minas Gerais que coordenou uma das primeiras pesquisas sobre a contaminação o desastre de Mariana.
A composição dos rejeitos ainda não foi divulgada pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, que estuda amostras do rejeito vazado. Mas, segundo Windmoller, a lama de Brumadinho deve ser semelhante à que inundou o distrito de Bento Rodrigues em 2015.
“Estamos falando de uma lama possivelmente fonte de metais como ferro, alumínio e manganês em quantidades muito grandes, além de metais mais tóxicos, em menor quantidade, como cromo, chumbo, arsênio e níquel”, explica a química.
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais orientou a população a não consumir alimentos que tiveram contato com a lama, nem mesmo os que estavam embalados e enlatados, e não ingerir água ou comer peixes do rio Paraopeba, assim como não nadar ou pescar no rio.
O texto também esclarece que quem apresentar sintomas como vômitos, coceira, tontura e diarreia após entrar em contato com a lama ou com alimentos contaminados deve procurar uma unidade de saúde imediatamente.
“É preciso lembrar também que os animais da região possivelmente foram contaminados e ajudarão que as doenças se espalhem para a população”, completa Windmoller.
A Fundação Oswaldo Cruz diz haver a possibilidade imediata, em Brumadinho, de surtos de doenças infecciosas, como dengue, febre amarela e esquistossomose, assim como mudanças no bioma e agravamento de problemas crônicos de saúde, como hipertensão, diabetes e doenças mentais, como depressão e ansiedade.
Possíveis enfermidades
Se confirmadas as semelhanças entre os rejeitos das barragens de Fundão e do Córrego do Feijão, Windmoller diz já ser possível prever as doenças que devem acometer a região de Brumadinho, uma vez que existem muitos estudos sobre os atingidos em Mariana.
Com base nesse e outros estudos que vêm sendo desenvolvidos desde 2016, espera-se, para este momento, riscos de doenças de pele, infecções, febre amarela, dengue e leishmaniose.
O maior risco à saúde da população de Brumadinho, contudo, poderá não ser percebido agora, mas com o tempo: a exposição prolongada a metais pesados leva a uma acumulação desses elementos no organismo dos seres vivos.
“A ingestão contínua de água ou alimentos contaminados com os metais pesados, assim como a irrigação do solo com água do rio Paraopeba, levará a uma exposição prolongada, o que provocará várias doenças, entre elas neurológicas e câncer”, adverte Windmoller. “O mesmo pode acontecer no caso da inalação da poeira por tempos prolongados.”
Contaminações por metais pesados podem levar ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer, como o de pele e o pulmonar. O arsênio, por exemplo, é capaz de atingir os sistemas respiratório, cardiovascular e nervoso, levando ao desenvolvimento de tosse crônica e até insuficiência pulmonar.
O chumbo pode afetar funções da memória e do aprendizado, ocasionando tremor muscular, alucinações e perda da capacidade de concentração. Já o mercúrio se acumula, principalmente, nos sistemas digestivo e reprodutor, levando a perdas das funções nesses sistemas.
Sobre doenças autoimunes, a contaminação por metais pesados pode estar relacionada com a esclerose múltipla. No que diz respeito a doenças neurológicas, a ingestão prolongada por alumínio, por exemplo, pode levar ao desenvolvimento de Alzheimer.
Em 2016, o Instituto Saúde e Sustentabilidade realizou uma pesquisa chamada “Avaliação dos riscos em saúde da população afetada pelo desastre de Mariana”.
Resultados mostraram que 60% das crianças de até 13 anos da região atingida pela barragem de Fundão, da Samarco, apresentavam alergias de pele e doenças respiratórias. Entre os adultos, os problemas respiratórios foram relatados em 40% dos entrevistados.
Também foram registrados transtornos mentais e comportamentais (11%), doenças infecciosas (6,8%) e doenças de olho (6,3%). Entre os sintomas relatados, os mais comuns foram ansiedade e dor de cabeça.
Segundo um relatório do Ibama de 2015, as áreas afetadas pelo desastre de Mariana estavam mais propensas à reprodução de vetores de doenças como dengue, chikungunya, zika vírus, esquistossomose, chagas, leishmaniose e problemas com animais peçonhentos.
De fato, dois meses após o rompimento da barragem, localidades próximas apresentaram surtos de dengue. No distrito de Barra Longa, a 60 quilômetros do local do acidente, casos de dengue aumentaram em 3.000% um ano e meio após o desastre em Mariana.
Desde 2017, o governo federal passou a admitir que o rompimento da barragem da Samarco em 2015 pode ter relação com o surto de febre amarela vivido pelo sudeste brasileiro entre 2016 e 2018, que deixou pelo menos 650 mortos no período.
A barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, rompeu em pleno verão, época de maior risco de transmissão de febre amarela, chikungunya, zika vírus e dengue.
“Minha maior preocupação em Brumadinho, no que diz respeito às doenças infecciosas, é com a dengue, principalmente nesse período do ano, com as chuvas. A água não pode se acumular e ficar parada ali, em garrafas, tampinhas, demais lixo e casas abandonadas. A situação se agrava porque não terá como fazermos a profilaxia da dengue – a que fazemos nos quintais das casas – naquela lama contaminada”, comenta o vice-presidente regional da Sociedade Brasileira de Imunizações, em Minas Gerais, José Geraldo Leite Ribeiro.
Na tentativa de minimizar os efeitos a longo prazo, será preciso retirar os rejeitos vazados na região para evitar a exposição continuada, seja pela contaminação do solo, das águas ou por meio na inalação da poeira, afirma, por sua vez, Windmoller.
“As autoridades devem cobrar dos responsáveis pelo desastre a retirada da lama, pelo menos de locais estratégicos que podem impactar mais a saúde humana e o meio ambiente”, apela a professora da UFMG.
Segundo ela, outra medida essencial, tanto para a população quanto para o meio ambiente, é a realização de monitoramentos periódicos.