Dilma diz que fará reforma política e retomará direitos se voltar ao governo
Presidenta afastada afirma que somente a reforma política poderá tirar o país da crise de representatividade em que se encontra; sobre o governo Temer ela diz que terá obrigação de “retomar direitos”
São Paulo – A presidenta afastada Dilma Rousseff disse ontem (3) que terá uma dupla missão em seu governo se superar o processo de impeachment no Senado: conduzir a reforma política no país e retomar os direitos que foram tirados pelo governo provisório do vice-presidente Michel Temer. “Nós temos que discutir o sistema político brasileiro para fazer com que ele dê algum nível de aderência (à população), não é possível você ter 54 milhões de votos e isso não ter a menor correspondência com a sua maioria ou minoria”, afirmou Dilma em entrevista exclusiva ao Diário do Centro do Mundo, transmitida pela TVT na noite deste domingo.
Dilma fez considerações sobre a reforma política depois de dizer que “não tem saída para a crise que não passe pela minha volta”. A presidenta defendeu um amplo debate sobre a reforma política: “É uma situação que nós vamos ter de discutir, que tipo de sistema eleitoral, se vamos para o voto distrital misto, para que caminho nós vamos, e acho que isso é uma questão do meu mandato daqui para a frente, eu terei obrigação de tratar da questão democrática”, afirmou Dilma ao defender a reforma política, depois de ponderar que a crise atual se deve à fragmentação dos partidos que compõe o Congresso e que qualquer governo tem dificuldades para compor sua base com o modelo de presidencialismo de coalizão, vigente atualmente no país.
“A outra questão que eu terei obrigação de tratar é retomar os direitos que foram tirados por esse governo”, disse ainda. Ela criticou o reajuste dos servidores aprovado pelo governo interino. “Eles foram e deram um reajuste, isso porque eles são a favor do controle de gastos, do equilíbrio fiscal, mas deram um reajuste de R$ 67 bilhões para o funcionalismo, os setores que mais ganham no Brasil, que não tenho nada contra, mas o que tenho contra é que esse setor só esse ano teve um reajuste de R$ 7 bilhões”, disse. “Aí nós tínhamos deixado o Bolsa Família pronto para ser reajustado em 9% lá em abril. O dia que ele não deu o reajuste previsto, nós passamos a criticar sistematicamente, e agora ele deu em 12%, os 9% mais a inflação do tempo que ele não deu”.
Durante a entrevista, Dilma chegou a se referir a Michel Temer como “presidente interino provisório ilegítimo”. Dilma disse que “ele tem tirado direitos, às vezes ele devolve com a outra mão, mas outros ele não devolve, como o caso do Minha Casa Minha Vida. Esse programa só tem sentido se for feito com foco na faixa mais pobre da população. Sabe quem não consegue comprar uma casa? Quem tem de comprar uma casa que custa R$ 50 mil e ganha um salário mínimo”, afirmou. “O Estado brasileiro é obrigado a gastar recursos com aqueles que mais precisam. Ou então nós não teremos uma geração que vai ter condições mínimas de vida”, destacou ainda a presidenta.
“Quem é que recebe o Minha Casa Minha Vida? Você vai olhar, é geralmente uma mulher, chefe de família, muito pobre, que tem quatro, cinco filhos. Nós vamos ter de recompor esses direitos que foram tirados”, afirmou.
Na entrevista, Dilma também criticou a PEC 421, que pretende limitar os gastos sociais do governo, incluindo saúde e educação, a reajustes pela inflação do ano anterior, o que significa que esses investimentos não vão ter aumentos reais por um período de 20 anos. “Tem um que nós vamos ter de recompor que é dramático. Como pensar que o Brasil pode por 20 anos reajustar só pela inflação do ano anterior o gasto com educação, ou com saúde? A cada ano entram brasileiros e brasileiras demandando educação, creche, educação em ensino fundamental, ensino profissionalizante, faculdade, enfim. A educação é um caminho de mão dupla no Brasil, tanto para perenizar os ganhos de melhoria de vida, que ao longo desses anos nós tivemos, mas também para permitir que o país chegue a ser desenvolvido”, afirmou.
Na segunda parte da entrevista, ao ser indagada se acredita que o Judiciário é cúmplice do golpe, Dilma afirmou que não, que ele está observando o andamento do processo de impeachment no Senado e lembrou que “o STF não se manifestou sobre o mérito, só se manifestou sobre o processo”. Dilma disse que a representação de seu governo no processo está discutindo a questão de recorrer a todas as instâncias para sua defesa. Ao fim, ela disse também que um dos principais ensinamentos do processo de impeachment é que a democracia requer uma luta permanente.