Direito à educação e educação infantil

As leis que regem a área da educação e as políticas educacionais são essenciais para organizar o acesso à educação no Brasil. Assim, todos os profissionais da área, incluindo os educadores em sala de aula precisam conhecer tais leis e políticas, pois o sucesso de sua implementação vem justamente desse amplo conhecimento. Nelas, são especificados os deveres e direitos das escolas e dos alunos. Um exemplo é o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC) para oferecer livros para ensino fundamental e médio. Em fevereiro deste ano, acaba de ser lançado o edital do PNLD 2023. Esse novo edital vem acompanhado por polêmicas.

Nessa edição, que contempla livros didáticos para o Fundamental 1, o programa teria deixado de observar princípios éticos e democráticos imprescindíveis e suprimiu pontos que proibiam a veiculação de estereótipos, de ideias homo e transfóbicas e que violassem as políticas de não violência contra mulheres. Bastante criticado, o edital teve pedido de suspensão por parte de alguns deputados e senadores, via projeto de decreto legislativo (PDL), entre eles a deputada Tabata Amaral. Grande parte dos especialistas na área educacional afirma que uma educação sexual escolar que respeite o desenvolvimento físico, psicológico, afetivo, cognitivo e, sobretudo, sexual de uma criança oferece ferramentas e caminhos para diagnosticar possíveis abusos ou, através de denúncia, interrompê-los.

A legislação da educação

A Constituição Federal de 1988 é extremamente importante pois influencia nos direitos dos alunos e nas obrigações dos educadores para com a escola e os alunos. Essa Constituição é a oitava promulgada e garante a educação como direito social, direito de todos e dever do Estado e da família. Para relembrar, as constituições anteriores são: Constituição de 1824 (Brasil Império), Constituição de 1891 (Brasil República), Constituição de 1934 (Segunda República), Constituição de 1937 (Estado Novo), Constituição de 1946, Constituição de 1967 (regime militar) e Constituição de 1988 (Constituição Cidadã). No artigo 205, por exemplo, a Constituição de 1988 destaca que a educação deve ser também promovida com a colaboração da sociedade, para que os alunos possam se desenvolver como seres humanos, possam exercer sua cidadania e se preparar para o mercado de trabalho. Já no artigo 206, o documento prevê que deve haver condições de igualdade para o acesso e permanência na escola e deve ainda a criança ter liberdade para aprender, e o professor deve ter liberdade para ensinar. Além disso, a Constituição cita que é preciso, no processo educacional, focar no pluralismo de ideias, prevê piso salarial para professores assim como um plano de carreira, garantia tanto para instituições privadas como para as públicas. Estabelece-se também nessa legislação que as instituições privadas devem seguir as mesmas normas e regras das instituições públicas e precisam ser avaliadas pelo governo. Frisa também pontos necessários para a valorização dos professores e de toda a rede educacional

O ensino superior tem também destaque na Constituição de 1988, no artigo 207, e diz que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e financeira, no entanto, devem primar pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão de conhecimento. Já no artigo 208, a Constituição frisa o papel do governo do Estado, como o de garantir que existam vagas gratuitas para o ensino fundamental e também destaca a educação especial — garantida desde a educação infantil

Dentro da legislação da educação, um dos destaques é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), lei que guia as bases legais desta área e seus princípios estão citados na Constituição Federal. A LDB em vigor é a Lei nº 9.394/1996 e é a segunda promulgada no Brasil (a primeira é a Lei nº 4.024/1961). Todos os artigos são específicos para cada tema, com seus detalhes em parágrafos e incisos. A LDB foi citada pela primeira vez na Constituição de 1934 e, em seguida, na de 1946. No entanto, foi de fato criada em 1961, como Lei Darcy Ribeiro, e ganhou mais versões ao longo dos anos. A LDB atende a Constituição e prevê que exista uma educação pública democrática e de qualidade. Alguns pontos fundamentais que a lei determina são: todo cidadão brasileiro tem direito ao acesso gratuito do ensino fundamental; a função do governo federal nesse processo; estabelece as obrigações das instituições educacionais; as funções e obrigações dos profissionais da área; a carga horária mínima para cada nível de ensino, entre outros. A educação infantil figura no título V, do artigo 29 ao 31 da LDB. A lei destaca como instituições e educadores devem olhar para o desenvolvimento das crianças de zero a cinco anos em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social (formação integral). Essa etapa educacional complementa a convivência das crianças com a família e a comunidade, ou seja, o sucesso para o desenvolvimento infantil nesta fase depende desses três pilares.

A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, a partir da Lei nº 12.796/13 essa etapa passou a ser obrigatória. Essa lei prevê, por exemplo, o pleno desenvolvimento da criança de até cinco anos de idade nos aspectos físico, emocional, intelectual e social. Portanto, tudo o que se trabalha na educação infantil precisa ser pensado para o desenvolvimento integral da criança, ou seja, para preparar a criança em todos os seus processos formativos, complementando as ações da família e da comunidade. Professores precisam planejar a aula pensando nessas questões e em como desenvolver todas as habilidades necessárias dos pequenos. Creches (zero a três anos — sem obrigatoriedade) e pré-escolas (a partir de quatro anos — etapa obrigatória) são os locais onde a educação infantil é oferecida. A LDB tem regras comuns para que o processo educacional aconteça. Uma delas é a avaliação que deve ser feita por meio de acompanhamento, sem o objetivo de promoção — ou seja, a avaliação tem o objetivo de analisar o desenvolvimento da criança, mas não serve para classificá-la como apta ou inapta. A carga horária obrigatória nesta etapa é de 200 dias letivos ou 800 horas, com turno parcial de quatro horas e turno integral de sete horas, além de frequência mínima de 60% (no entanto, não há retenção por falta de frequência). Como última regra prevista na LDB para esta fase está a expedição de documentos que formalizem o que aconteceu com cada criança durante o período pré-escolar. Diferentemente das etapas de ensino fundamental e ensino médio, a fase da educação infantil não exige boletim, não há repetição e o atesto é documento oficial de que a criança cursou o ensino infantil.

Além da LDB, outro documento que regulamenta a educação no Brasil é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja primeira versão foi disponibilizada em 2015 e no final de 2017 teve sua homologação para as etapas de educação infantil e ensino fundamental, já no final de 2018 a BNCC foi homologada para a etapa do ensino médio. No caso da educação infantil, o documento estabelece quais são as experiências fundamentais que a criança deve vivenciar, tendo em vista seis direitos de aprendizagem. São eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se. Na prática, a educação infantil é essencial para o desenvolvimento da criança e, por isso, a BNCC destaca que é preciso se ater especialmente na socialização, na autonomia e na comunicação da criança, assim a união entre família e escola é fundamental. O documento parte do princípio de que é preciso valorizar o conhecimento prévio do aluno e, portanto, nesse contexto é preciso que as escolas respeitem a diversidade cultural.

Vamos lembrar também que, antes da BNCC, a educação especial não era posta como obrigatória para a educação infantil. No entanto, desde 2018, as crianças em condições especiais já têm este direito garantido. Vale destacar, ainda, que a LDB é responsável por sinalizar os caminhos da educação, mas é a BNCC o documento que aprofunda a implementação dessas diretrizes, ou seja, ela vai mostrar como instituições de ensino e educadores devem fazer para garantir o desenvolvimento integral de todos os alunos. Além disso, apresenta direitos e deveres de todos os envolvidos nesse processo.

Antes da BNCC, o Brasil já possuía dois outros documentos orientadores para a etapa: o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), de 1998, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de 2009. A BNCC foi elaborada à luz do que diz as DCNs, que serviam como um referencial curricular não obrigatório. Além disso, a BNCC determina com mais clareza os objetivos de aprendizagem propostos nos documentos anteriores. A Base Nacional Comum Curricular entende que as instituições de ensino devem ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades do aluno, diversificando, ampliando e consolidando novas aprendizagens. No caso dos professores, é sua função: propor essas experiências, que precisam ter um propósito. Assim, o educador deve refletir, monitorar, selecionar, organizar, planejar e mediar as possíveis práticas para propiciar o desenvolvimento integral da criança.

Educação digital e BNCC na educação infantil

Quando falamos de educação digital, especialmente, em tempos de pandemia, podemos destacar que o uso do celular se tornou um instrumento fundamental para desenvolver a linguagem digital e educação midiática. Na Competência 4 da BNCC está previsto que o dever da escola é criar meios para que os alunos possam: utilizar diferentes linguagens — verbal (oral ou visual-motora, como libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital —, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos. Já na Competência 5, destaca-se a necessidade de: compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), no intuito de se comunicar, acessar e disseminar informações, além de produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Assim, a tecnologia é citada como fundamental em toda a educação básica. No caso da educação infantil é tida também como um direito de aprendizagem, cujo objetivo nesta etapa é estimular o pensamento crítico, criativo e lógico; a curiosidade; o desenvolvimento motor e a linguagem da criança. É papel da escola e do professor compreender esses aspectos e fazer com que as crianças utilizem a tecnologia de maneira positiva, crítica e criativa. Nessa etapa, os alunos pequenos não aprendem somente ouvindo e reproduzindo o que o professor fala, mas aprendem sobretudo pesquisando, refletindo e chegando às próprias conclusões. E, se bem utilizada, a tecnologia pode ajudar nesse processo, sendo uma aliada do conhecimento infantil.

Uma pesquisa feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil aponta que as crianças têm ficado mais na internet com a pandemia e muitas têm menos contato com família e amigos em função disso. O estudo ouviu crianças entre nove e 17 anos de idade: 25% disseram que tentam passar menos tempo na internet mas não conseguem, outros 24% disseram ter ficado menos tempo com a família, amigos ou fazendo deveres de casa por ficarem mais tempo na internet. Especialistas dizem que é primordial que os pais monitorem o que os filhos estão acessando e que imponham limites. O mesmo estudo apontou, por exemplo, que as meninas tiveram nesse tempo de pandemia mais contato com conteúdos de violência e relacionados à questão de perda de peso, em comparação aos meninos.

A criança precisa assimilar o mundo a sua volta, entendendo o entorno, as crianças aprendem com exemplos, no caso do meio ambiente os adultos precisam mudar suas práticas para que também a aprendizagem e as mudanças de olhar para o meio ambiente sejam permanentes. Ninguém nasce sabendo ser humano, nós aprendemos e as crianças aprendem quando ensinamos a prática. É preciso adaptar as práticas em sala de aula de maneira integrada para que as crianças se tornem humanos conscientes e pensantes.

Ana Beatriz Prudente é membro do Comitê de Combate à Covid-19 da Faculdade de Educação da USP, membro do Grupo de estudos de Teoria do Estado Brasileiro da Faculdade de Direito da USP (GETEB – FDUSP), desenvolvedora de projetos de Economia Criativa e educadora de Agrossustentabilidade.

Revista Consultor Jurídico

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também
Fechar
Botão Voltar ao topo