Dissídio coletivo: TST reconhece que a recusa patronal viola a boa-fé objetiva

Em embargos de declaração, Contee atua para que o TST amplie a tese e alcance práticas patronais recorrentes de obstrução, como no caso do Semesg

Novo capítulo da exigência de comum acordo, para ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica. Por enquanto, favorável!

2       O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em julgamento do incidente de resolução de demanda repetitiva (IRDR) 1000907-30.2023.5.00.0000, ao dia 17 de novembro último, que tem como objeto o suprimento do ‘comum acordo’, para ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica, quando a parte patronal se recusa a negociar ou não demonstra boa-fé objetiva nas tratativas negociais, por maior de seu pleno – no qual a Contee atua como amicus curiae- fixou a seguinte tese vinculante:

“A recusa arbitrária da entidade sindical patronal ou de qualquer integrante da categoria econômica em participar de processo de negociação coletiva, evidenciada pela ausência reiterada às reuniões convocadas ou pelo abandono imotivado das tratativas, viola a boa-fé objetiva e as Convenções nº 98 e a nº 154 da OIT, tendo a mesma consequência do comum acordo para a instauração do Dissídio Coletivo de Natureza Econômica (distinguishing ao Tema 841 do STF)”.

3       O Tema 841 do STF estabelece: “Constitucionalidade do art. 114, §  2º, da Constituição Federal, alterado pela EC 45/2004, que prevê a necessidade de comum acordo entre as partes como requisito para o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica”.

4       Essa tese do TST, apesar de não abarcar todas as formas de recusa patronal a negociar com boa-fé objetiva, representa passo significativo rumo à superação da quase instransponível barreira do ‘comum acordo’, para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Essa famigerada exigência se transformou em salvo-conduto absoluto para quem não quer negociar.

5       A citada tese, como já dito, não abarca todas as formas de recusa patronal, como a reiteradamente praticada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educação Superior do Estado de Goiás (Semesg), há 7 (sete) anos, participando, de todas as reuniões de “negociação”, sem, no entanto, negociar, de forma objetiva e leal; razão pela qual há 7 (sete) anos, ininterruptamente, os/as professores/as de ensino superior, em Goiás, estão sem convenção coletiva e reajuste salarial.

6       Com a finalidade de provocar o TST a ampliar a tese acima, considerando também prática dessa natureza como bastante para suprir a exigência de comum acordo, a Contee – em peça magistral, elaborada pelo amigo e colega Rodrigo Valente, que divide comigo a representação no processo – opôs embargos de declaração, pedindo exatamente isso.

7       Ou seja, pediu que ao TST que julgue procedente os embargos e confira efeito integrativo à destacada Tese, incluindo como recusa patronal em negociar, com lealdade e boa-fé objetiva, práticas como a do Semesg. Confira a petição da Contee em seu inteiro teor.

8       Em linha diametralmente oposta à Contee, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) – igualmente admitida como amicus curiae -, também opôs embargos, com a clara intenção de levar a discussão do tema ao STF, que tem, sistematicamente, declarado inconstitucional a esmagadora maioria das decisões emanadas do TST. Tomara que, nesse IRDR, o STF dê razão ao TST!.

9       Para entender o que, efetivamente, está em discussão, traz-se, aqui, um pouco da história do dissídio coletivo de natureza econômica.

10     Até o advento da Emenda Constitucional (EC) N. 45/2004, o ajuizamento do dissídio coletivo era autorizado, a partir do  momento em que ficasse demonstrada a dificuldade de se renovar a CCT ou o ACT; podendo ser ajuizado por sindicato laboral e patronal; sendo que, em muitos casos, a iniciativa era da entidade patronal.

11     Nesse período, o dissídio coletivo cumpria relevante função social, pois que, no mínimo, garantia a reposição da inflação e mais 4% de aumento, que o TST chamava de produtividade. Importa dizer: nenhuma categoria, que recorresse ao dissídio, ficava sem reposição da inflação e mais aumento de 4%. O que, em verdade, representava instrumento social de distribuição de renda.

12     Em 1989, o Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sinpro Goiás) – sob minha presidência-, conseguiu, pelo dissídio coletivo de natureza econômica, 1.280% de reajuste; dos quais 1.226,92% representavam a inflação do período revisando e 4%, de produtividade.

13     Porém, em 2004, com forte apoio dos deputados do PT- como se verá a seguir-, foi aprovada e promulgada EC 45/2004, que passou a condicionar o ajuizamento do dissídio à concordância das duas partes, como o é até hoje.

14     Na votação da PEC convertida em EC 45/2004, o deputado Ricardo Berzoini, do PT-SP, citado por Gilmar Mendes, na ADI 3431, de autoria da Contee, assim se expressou:

“O sr. Ricardo Berzoini (PT). Sr. Presidente, quero esclarecer que uma das teses mais caras ao Partido dos Trabalhadores é a luta contra o poder normativo da Justiça do Trabalho. Acreditamos que a negociação coletiva se constrói pela vontade das partes. Ou seja, se não tivermos no processo de negociação a garantia da exaustão dos argumentos, da busca do conflito e da sua negociação, vai acontecer o que vemos em muitos movimentos hoje, particularmente em São Paulo, como o recente caso dos metroviários, em que a empresa recorre ao poder normativo antes de esgotada a capacidade de negociação. Portanto, na nossa avaliação, manter a expressão ‘de comum acordo’ é uma forma de garantir que haja exaustão do processo de negociação coletiva. O Partido dos Trabalhadores vota pela manutenção da expressão, combatendo o poder normativo da Justiça do Trabalho, que hoje é um elemento de obstáculo à livre negociação coletiva”.

15     Em março de 2005, a Contee ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 3431- assinada pela ministra Delaíde Arantes- à época, assessora da Entidade-, por mim, por Wilson Teixeira- advogado do Sinpro-MG e por Eduardo Henrique Lizardo Amorim- advogado do Sinpro-JF, infelizmente, falecido-, visando à declaração de inconstitucionalidade da malfadada exigência de comum acordo, para o comentado ajuizamento de dissídio coletivo.

16     A ação tramitou por nada menos que 15 anos e 3 meses, sendo julgada improcedente em junho de 2020; tendo o Acórdão a seguinte Ementa:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Art. 1º, da Emenda Constitucional nº 45/2004, na parte em que deu nova redação ao art. 114, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal. 3. Necessidade de “mútuo acordo” para ajuizamento do Dissídio Coletivo. 4. Legitimidade do MPT para ajuizar Dissídio Coletivo em caso de greve em atividade essencial. 5. Ofensa aos artigos 5º, XXXV, LV e LXXVIII, e 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. Inocorrência. 6. Condição da ação estabelecida pela Constituição. Estímulo às formas alternativas de resolução de conflito. 7. Limitação do poder normativo da justiça do trabalho. Violação aos artigos 7º, XXVI, e 8º, III, e ao princípio da razoabilidade. Inexistência. 8. Recomendação do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho. Indevida intervenção do Estado nas relações coletivas do trabalho. Dissídio Coletivo não impositivo. Reforma do Poder Judiciário (EC 45) que visa dar celeridade processual e privilegiar a autocomposição. 9. Importância dos acordos coletivos como instrumento de negociação dos conflitos. Mútuo consentimento. Precedentes. 10. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”.

17     Longe de se constituir em forte incentivo à negociação e á autocomposição, como proclama o ministro Gilmar Mendes, relator da ADI 3431, a exigência de ‘comum acordo’, para ajuizamento de dissídio coletivo, acabou por converter-se em escudo intransponível para quem não quer negociar; como comprova o DC 000190.63.2025.5.18.000 0- Fitrae-BC, Sinpro -Goiás, Sinpror Anápolis e Sinteerv x Semesg-, ainda não julgado.

18     Em resposta à consulta formulada pela Contee, sobre o número de dissídios coletivos de natureza econômica, ajuizados desde a EC 45/2004, o TST respondeu-a conforme o quadro abaixo, que traz indicadores a partir de 2014; por tribunal.

Julgados das Classes Dissídio Coletivo e Dissídio Coletivo de Greve de Janeiro de 2014 a Agosto de 2025 – Segundo Grau
Dados atualizados em 06/10/2025
ANO TRIBUNAL Dissídio Coletivo Dissídio Coletivo de Greve
2014 1 20 14
2014 2 38 93
2014 3 7 5
2014 4 77 4
2014 5 11 10
2014 6 4 4
2014 7 9 4
2014 8 12 7
2014 9 11 15
2014 10 3 4
2014 11 3 3
2014 12 16 2
2014 13 3 4
2014 14 2 5
2014 15 30 55
2014 16 1 1
2014 17 5 13
2014 18 2 3
2014 19 2 1
2014 20 0 1
2014 21 5 0
2014 22 2 0
2014 23 2 7
2014 24 20 6
2015 1 16 8
2015 2 58 134
2015 3 43 20
2015 4 85 7
2015 5 12 8
2015 6 1 1
2015 7 4 9
2015 8 18 2
2015 9 16 13
2015 10 20 8
2015 11 3 4
2015 12 25 2
2015 13 2 3
2015 14 1 2
2015 15 44 63
2015 16 1 1
2015 17 19 13
2015 18 4 4
2015 19 2 0
2015 20 3 5
2015 21 10 4
2015 22 4 0
2015 23 0 2
2015 24 11 1
2016 1 110 46
2016 2 86 151
2016 3 14 7
2016 4 91 3
2016 5 21 9
2016 6 5 4
2016 7 5 14
2016 8 12 2
2016 9 4 14
2016 10 9 8
2016 11 4 0
2016 12 27 1
2016 13 1 1
2016 14 5 0
2016 15 47 69
2016 16 6 1
2016 17 18 8
2016 18 11 6
2016 19 4 1
2016 20 1 2
2016 21 11 1
2016 22 6 0
2016 23 1 1
2016 24 1 1
2017 1 30 7
2017 2 90 98
2017 3 9 8
2017 4 225 9
2017 5 19 5
2017 6 4 0
2017 7 4 2
2017 8 19 6
2017 9 15 6
2017 10 10 7
2017 11 4 5
2017 12 29 3
2017 13 8 1
2017 14 3 3
2017 15 19 54
2017 16 1 2
2017 17 17 8
2017 18 7 4
2017 19 8 1
2017 20 2 1
2017 21 7 1
2017 22 7 1
2017 23 2 3
2018 1 46 8
2018 2 39 54
2018 3 10 1
2018 4 76 2
2018 5 11 8
2018 6 1 3
2018 7 4 4
2018 8 30 6
2018 9 9 8
2018 10 4 4
2018 11 7 13
2018 12 26 6
2018 13 6 0
2018 14 1 1
2018 15 30 22
2018 16 2 1
2018 17 11 3
2018 19 1 0
2018 20 2 1
2018 21 9 2
2018 22 10 2
2018 23 3 2
2019 1 24 11
2019 2 73 51
2019 3 4 5
2019 4 76 0
2019 5 2 4
2019 6 2 1
2019 7 2 2
2019 8 17 8
2019 9 18 8
2019 10 15 3
2019 11 5 4
2019 12 18 2
2019 13 8 0
2019 14 5 1
2019 15 32 48
2019 16 4 0
2019 17 10 3
2019 18 4 2
2019 19 4 3
2019 20 0 2
2019 21 8 0
2019 22 6 0
2019 23 4 3
2019 24 3 1
2020 1 18 7
2020 2 118 46
2020 3 15 2
2020 4 105 2
2020 5 10 3
2020 6 1 4
2020 7 2 2
2020 8 44 6
2020 9 27 9
2020 10 8 5
2020 11 5 2
2020 12 15 2
2020 13 3 0
2020 14 3 2
2020 15 40 24
2020 16 4 1
2020 17 3 9
2020 18 2 2
2020 19 4 0
2020 20 1 1
2020 21 5 2
2020 22 22 1
2020 23 2 1
2020 24 1 0
2021 1 52 9
2021 2 136 36
2021 3 16 4
2021 4 197 6
2021 5 3 4
2021 6 1 0
2021 7 1 4
2021 8 25 7
2021 9 22 3
2021 10 12 3
2021 11 7 4
2021 12 14 4
2021 13 2 0
2021 14 2 1
2021 15 28 42
2021 16 2 0
2021 17 6 8
2021 18 4 3
2021 19 2 2
2021 20 1 1
2021 21 7 4
2021 22 6 1
2021 23 3 1
2022 1 32 7
2022 2 59 39
2022 3 8 6
2022 4 50 2
2022 5 5 2
2022 6 2 0
2022 7 3 1
2022 8 12 7
2022 9 8 5
2022 10 6 2
2022 11 6 3
2022 12 12 4
2022 13 1 1
2022 14 1 1
2022 15 29 40
2022 16 1 0
2022 17 6 17
2022 18 3 5
2022 19 0 1
2022 21 4 1
2022 22 2 0
2022 23 2 2
2023 1 41 16
2023 2 44 29
2023 3 9 5
2023 4 40 1
2023 5 5 7
2023 6 3 4
2023 7 1 3
2023 8 8 7
2023 9 9 10
2023 10 4 1
2023 11 3 2
2023 12 9 1
2023 15 21 26
2023 16 2 0
2023 17 5 10
2023 18 2 8
2023 19 2 1
2023 21 4 2
2023 22 8 1
2023 23 1 2
2023 24 2 0
2024 1 36 13
2024 2 53 36
2024 3 6 4
2024 4 29 2
2024 5 0 3
2024 6 1 7
2024 7 4 3
2024 8 10 9
2024 9 2 1
2024 10 2 2
2024 11 2 5
2024 12 12 3
2024 14 0 1
2024 15 16 26
2024 16 1 1
2024 17 4 20
2024 18 0 10
2024 19 3 2
2024 21 0 1
2024 22 7 0
2024 23 1 2
2024 24 8 0
2025 1 23 10
2025 2 25 23
2025 3 1 0
2025 4 22 2
2025 5 0 3
2025 6 4 1
2025 7 3 4
2025 8 4 5
2025 9 1 3
2025 10 3 1
2025 11 2 3
2025 12 3 2
2025 13 0 1
2025 14 1 1
2025 15 12 21
2025 16 1 0
2025 17 2 7
2025 18 0 5
2025 19 1 1
2025 20 1 0
2025 21 2 1
2025 22 3 0
2025 23 2 0
2025 24 7 0
Notas:
1) Julgados no Segundo Grau obtidos pelas regras dos itens 2.192, 2.193, 2.195, 2.196, 92.192, 92.193, 92.195 e 92.196 do Sistema E-Gestão.
2) Dissídio Coletivo e Dissídio Coletivo de Greve obtidos pelos números 987 e 988 respectivamente da TPU/CNJ.

Eis a síntese do calvário do dissídio coletivo de natureza econômica!

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