Do folclore ao STF: o Brasil que vale a pena, apesar do ministro Fux
*Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O jornal Folha de Paulo publicou, na sua edição do dia 3 de abril de 1994, o seguinte texto sobre o folclore pernambucano:
“Coronel Limoeiro À medida que os coronéis políticos de Pernambuco foram perdendo influência, o folclore em torno de seus nomes cresceu. Um que deixou muitas histórias foi o coronel Chico Heráclito, de Limoeiro.
O caso mais famoso é o da inauguração do estádio de futebol da cidade, quando o Central Limoeirense enfrentou um rival da região. Por insistência dos filhos, patronos da equipe, Chico Heráclito, que não entendia nada do esporte, foi à tribuna de honra assistir ao jogo.
A partida transcorreu sem gols até os 44 minutos do 2º tempo. Aí o juiz resolveu marcar um pênalti contra o time da casa. A torcida levantou-se irada e o coronel perguntou a um filho o que estava acontecendo.
– O juiz diz que foi falta e mandou cobrar um pênalti!
– Se marcou, agora tem que cobrar – afirmou o coronel, respeitando a autoridade do juiz.
– Mas assim nós vamos perder o jogo, papai.
– Ah! É ruim para o nosso povo? Pois então mande cobrar na outra meta
–ordenou, singelamente, Chico Heráclito.
Desnecessário dizer que o Central Limoeirense venceu o jogo”.
Guardando-se a proporção de tempo, lugar e personagens, fazendo-se as devidas adaptações e passando-se do folclore à vida real, o que implica a passagem da diversão para a quase tragédia, calha bem ao voto do ministro Luís Fux, na ação penal 2668, que julga os crimes praticados por Bolsonaro e seus sequazes, com a finalidade precípua de tomar o poder de assalto (golpe de Estado), para abolir o Estado Democrático de Direito, para perpetuar-se no poder.
Claro que a repugnante e inaceitável ordem do coronel Chico Heráclito, não obstante seu altíssimo grau de reprovabilidade, alterava apenas o resultado de uma amistosa partida de futebol; enquanto o voto do ministro Fux, além de rasgar os esteios da Constituição Federal (CF), de quem ele tem o dever inafastável de ser guardião, sendo dever ínsito inerente à assunção ao cargo de ministro do STF, mortifica o Estado Democrático de Direito, que, como bem anotou a ministra Carmen Lúcia, em seu respeitável e dignificante voto, é o que faz o Brasil valer a pena.
O coronel Chico Heráclito, por nada conhecer de futebol, precisou da ajuda do filho para entender o significado da pena capital deste esporte, o pênalti. Já o ministro Luís Fux, exatamente por saber o significado das faltas máximas praticadas por Bolsonaro e seus sequazes, é que, conscientemente, decidiu sacrificar a nação, pouco importando as desastrosas consequências, presentes e futuras, que adviriam de seu ato, acorde com o golpismo, por mais que ele insista em o classificar como garantista dos direitos fundamentais.
O coronel Chico Heráclito, ao menos teve a coragem de, sem meias palavras e sem rapapés, mandar cobrar a falta capital na meta do time adversário. O ministro Luís Fux, sequer teve essa coragem. Ademais, ao tempo que inocentou Bolsonaro de todos os crimes que lhe são imputados e vilipendiar a ordem democrática, conseguiu urdir o teratológico (monstruoso), condenou seus auxiliares Mauro Cid e Walter Braga Neto, pelo crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Crime que ele afirma que o chefe, Bolsonaro, não praticou.
Como assim, estão a perguntar todos que não sãos hostes golpistas. Como é possível o chefe da organização criminosa não praticar o crime e os seus auxiliares, sim?
Essa galhofa do ministro Luís Fux, também remete ao folclore, assemelhando-se à anedota de um juiz do interior, que, sendo pouco versado em coragem, e tendo uma demanda para decidir, envolvendo um conhecido valentão da região, que era o réu no processo, proferiu sentença decretando empate entre as partes litigantes e condenando o escrivão às custas processuais.
O ministro Fux, além de condenar os auxiliares às custas processuais, também os condenou às penas do crime, que ele diz que não houve. Haja zombaria!
Felizmente, para o bem da Ordem Democrática e do Brasil, os quatro outros ministros, em decisão histórica, que, sem exagero, salva o presente e o futuro, decidiram de maneira diametralmente oposta ao voto do ministro Fux.
A ministra Carmen Lúcia, em seu judicioso voto, citou o livro de Vitor Hugo, História de um Crime, de 1877, que, é na realidade, do golpe de estado de 1851, perpetrado por Luís Bonaparte (Napoleão III).
Seria de boa iniciativa, se o ministro Luís Fux se dispusesse a ler o referenciado relato, bem como, do mesmo autor e o mesmo persoangem, Napoleão – o pequeno, publicado em 1852, para que tenha noção da destruição que seu voto provocaria, se fosse vencedor e qualquer seria o tamanho do STF, a partir dele.
É bom que se registre que, mesmo sendo fragorosamente derrotado, por 4 votos, o voto do ministro Fux custará muito caro à nação, por dar oxigênio aos golpistas e às falaciosas narrativas.
Mas, apesar desse estrago, é preciso que, parafraseando Odorico Paraguassu, personagem principal da novela O bem-amado, no início da década de 1970, o Brasil democrático, a partir da imorredoura decisão da Primeira Turma do STF, está de alma lavada e enxaguada.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee*





