Dois meses de suspensão de aulas: O trabalho brutal de professores em uma quarentena sem folgas

Por Celso Napolitano*

Professoras e professores estão sendo submetidos a um brutal excesso de trabalho nesses tempos de combate ao vírus da Covid-19. Para evitar o contágio e a disseminação do vírus, a receita do afastamento social obrigou o fechamento das escolas — desde 23 de março, já há dois meses, as salas de aulas estão vazias — e a recomendação de que todos ficassem em casa. Mas, ao contrário de muitos profissionais que interrompem seu trabalho quando confinados, professores foram instados a continuar trabalhando, continuar dando aulas, do jeito que desse, e com resultados preocupantes.

Em função do decreto de quarentena, os professores foram, abruptamente transferidos para o regime de teletrabalho ou home office. Essa mudança no regime de trabalho de uma hora para outra provocou, em primeiro lugar, uma alteração radical do planejamento pedagógico, pois a atividade docente realizada de modo presencial é substancialmente diferente daquela exercida em ambiente virtual.

É preciso notar que o que está sendo feito durante esta quarentena não é, tecnicamente, “ensino a distância”, pois este implica em plataforma específica, com conteúdo preparado para esse fim, aulas em sintonia com o conteúdo e atividades complementares previamente programadas e com a participação de tutores que auxiliam na interação com os alunos, esclarecendo dúvidas e corrigindo as atividades complementares. A alteração das aulas para o ambiente virtual não veio acompanhada de toda essa infraestrutura.

O que temos agora são “aulas a distância”. Simplesmente, em um intervalo curtíssimo de tempo, os professores tiveram que alterar todo o seu planejamento e adaptar-se ao ambiente virtual, com todas as consequências que isso representa: falta absoluta de controle sobre o grupo de alunos, planejar o roteiro das aulas e transformá-las em videoaulas, até previamente gravadas, lidar com equipamentos tecnológicos e transformar o ambiente da sua residência em “estúdios” de transmissão ou de gravação, o que representou uma verdadeira invasão no ambiente doméstico, num momento em que a sua família estava também submetida ao isolamento social, até sem a participação eventual de funcionários pessoais, que ajudavam nos cuidados do lar, tais como domésticas, cuidadores, etc.

Toda essa alteração das atividades normais e habituais dos professores resultou em brutal excesso de trabalho, uma vez que o ambiente laboral se confundiu com o familiar.

E há o caso documentado de professoras que, após se desincumbirem de todas as tarefas domésticas, sentam-se à frente do computador, madrugada adentro, para organizar e preparar as atividades e aulas que serão ministradas depois de apenas algumas horas.

Pior: na maioria dos casos, existe ainda a falta de intimidade e, até, insegurança com os equipamentos tecnológicos.

Afora e além do stress causado pelo excesso de trabalho e insegurança tecnológica já relatados, as aulas virtuais ou aulas on-line, em tempo real, trazem outras consequências — como assédio moral e stress psicológico —, pois os professores ficam expostos a interferências das famílias e dos gestores das escolas e, também, vulneráveis ao cyberbullying, pois não há controle algum sobre as postagens que podem ser feitas em redes sociais de aulas, ou trechos de aulas, retirados do contexto geral, ou até de imagens maldosamente selecionadas, além do receio da perda do emprego, caso denunciem tais práticas.

Enquanto as aulas estão sendo transmitidas, via de regra, grupos de pais comunicam-se por aplicativos, criticando os professores e transmitindo essas “impressões” aos gestores das escolas que, em muitos casos, invadem o ambiente de aulas advertindo-os ou admoestando-os. Conclusão: stress físico e psicológico.

Por fim, há que se relatar que o trabalho intelectual do professor está sendo usurpado pelas escolas e alunos. Todo o conteúdo preparado a duras penas e atividades programadas são colocadas em ambientes virtuais sem controle algum de utilização ou reprodução. Há notícias de exibição das aulas pelo YouTube. E, na grande maioria dos casos, as escolas buscam precaver-se contra a possibilidade de processo de usurpação intelectual e obrigam os professores a assinarem termos de cessão de direito de imagem e conteúdo intelectual, absolutamente leoninos e unilaterais, sem prever remuneração alguma.

É fato que este período de emergência sanitária revelou as possibilidades da interação social através de meios eletrônicos que já existiam, mas não eram utilizados de forma tão extensiva. Nunca se fizeram tantas videoconferências como nos últimos dois meses. Mas, em termos de educação, isso não pode ser o novo normal. E, às professoras e professores que agora se sacrificam, é preciso o reconhecimento expresso pelo protagonismo involuntário agora demonstrado nesta crise sanitária.

*Celso Napolitano é presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo — Fepesp

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