Economia brasileira está no fundo do poço e sem norte, diz Sicsú
Para economista da UFRJ, país não tem projeto econômico, e exige soluções para a miséria e o desemprego, que caracterizam momentos de depressão como o atual, e não existiam em 2014
por Eduardo Maretti
São Paulo – Estimativas divulgadas como positivas pelo mercado e pelo Banco Central, segundo as quais o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deverá crescer 1% em 2017 e 2,70% em 2018, estão longe de indicar motivo para comemoração. A economia do país está deprimida e caiu 8% em três anos. “Não dá para ser otimista”, avalia o economista João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Na verdade falta um norte para a economia. Estamos crescendo em qual direção?”, observa. “A economia brasileira pode até crescer, mas não tem caminho apontado, um projeto organizado para crescer de forma repetida. E, mesmo crescendo 1% em 2017, e talvez mais em 2018, a economia estará muito do longe do patamar do final de 2014.”
O professor lembra que desde 2015 a economia declina e que, nessas condições, só se pode pensar em “melhoria da qualidade de vida” no momento em que o país recuperar o patamar de 2014.
Hoje o governo Michel Temer diz que o país voltará a crescer, mas não informa como. “Ele não aponta se será por investimento estrangeiro, com investimento dele próprio, pelo consumo da população, pelas exportações. Tem de ter um norte e essas são as variáveis a ser observadas.”
Na opinião do economista, o crescimento alardeado não passa alguns momentos de “suspiros que a economia está dando no fundo de um poço”. Além disso, é um filme já conhecido, inclusive considerando outros momentos e conjunturas da economia mundial.
“Isso acontece na economia brasileira agora e aconteceu também na economia americana nos anos 1930, depois da Grande Depressão de 1929. Os anos 1930 também apresentavam crescimento e, tal como hoje, o mercado daquela época ficava eufórico”, compara Sicsú. “Só que no ano seguinte tinha nova queda. Esses suspiros que acontecem no fundo do poço, na economia, são movimentos conhecidos, não devem ser tratados com otimismo.”
A analogia com a crise de 1929 e seus desdobramentos serve para mostrar que uma economia em profunda crise não se recupera sem um amplo esforço nacional e um projeto que aponte para “um norte”. Sicsú lembra que a economia americana se recuperou nos anos 1930 por conta do New Deal (série de programas implementados nos Estados Unidos no governo de Franklin Delano Roosevelt).
“Isso deu um pulso para impedir que se afundasse mais, mas a economia só se recuperou de fato depois da Segunda Guerra, quando tinha um projeto de reconstrução do mundo. Aí tinha um norte, um caminho, o do investimento e distribuição da renda e da riqueza”, explica o professor da UFRJ “Isso é o que não temos agora. Temos só os suspiros característicos de uma depressão. Em relação a 2014, recuperamos só 1%. Faltam 7%.”
Os problemas são ainda mais graves porque o país precisa também resolver problemas de miséria e desemprego, que caracterizam momentos de depressão como o atual e que não existiam em 2014. Hoje, há no país 12,6 milhões de pessoas desocupadas.
Inflação
Um dos dados mais utilizados pelo governo para demonstrar otimismo é o da inflação, atualmente em baixa e com projeções “otimistas”. Em dezembro, conforme noticiou a mídia amplamente, o mercado financeiro reduziu as projeções para o IPCA – o índice oficial de preços – de 4,00% para 3,96%.
“O problema é que o povo não come inflação, precisa de emprego, de consumo e ter salário.” O professor faz outra analogia: “Durante os anos 1990, a inflação japonesa era de zero por cento, e a economia completamente deprimida durante mais de uma década. Inflação não é a questão fundamental. Fundamental é emprego e renda para gerar consumo”.
Não se sabe qual o “norte” da economia brasileira nos próximos períodos. “Mas ela só terá de fato uma recuperação consistente quando houver um projeto, como no governo Lula, por exemplo, de 2007-2010, quando teve investimento e consumo, e investimento.”
Embora seja muito mencionado, até pelo ex-presidente, que o consumo foi o principal pilar de seu governo, para o economista “o carro chefe não era o consumo, mas o investimento – o consumo era apenas uma consequência”.