Educação é a Base? Livro discute política curricular na educação

23 educadores discutem criticamente a Base Nacional Comum Curricular

Não está errado quem afirma que o debate educacional no Ministério da Educação (MEC) está morto ou quase morto. Apesar disso, o governo que saiu em dezembro de 2018 entregou muito do que prometeu aos que apoiaram e legitimaram o golpe de 2016: Reforma do Ensino Médio, desmonte das instâncias participativas da educação, aparelhamento do Conselho Nacional de Educação (CNE), fortalecimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Aprovada pelo CNE e com força de lei, a Base foi deixada aos cuidados de estados e municípios a partir de 2019, relativamente protegida das idiossincrasias do governo Bolsonaro e dos ataques frontais de seus ministros contra a própria educação. Assim, o debate da BNCC no âmbito do atual MEC, com exceção do Programa de Apoio à Implementação da BNCC (ProBNCC), herança da gestão anterior, tem fôlego curto.

Passados quase quatro anos da publicação da primeira versão da Base, só agora a BNCC chega efetivamente às escolas brasileiras, à multidão de profissionais da educação que sobrevive nas redes públicas e que agora terá que se “adequar” a uma nova política de centralização curricular em nível nacional. Os currículos centralizados estaduais e municipais existentes – assim se propõe – deverão ser reformulados de acordo com a BNCC.

O frisson midiático propagado pelo MEC e pelos apoiadores empresariais da Base entre 2015 e 2018 – milhões de contribuições em consultas públicas online e presenciais, audiências públicas “plurais”, leituras especializadas, consultorias externas – por fim, sucumbe a uma realidade que é impossível de ocultar: a BNCC é mais uma política de currículo exógena às escolas e às redes de ensino.

Educação é a Base? 23 educadores discutem a BNCC (Ação Educativa, 2019), organizado por Fernando Cássio e Roberto Catelli Jr., traz uma série de textos críticos que analisam a Base tanto como política educacional, quanto a partir de seus impactos nas salas de aula do país. O título do livro transforma em pergunta o slogan governamental utilizado para convencer a sociedade brasileira de que a BNCC terá o poder de redimir muitas das mazelas educacionais do país. Educação é a Base?

Na primeira parte do livro são destrinchados alguns lances do processo de elaboração e aprovação da BNCC em nível nacional, problematizando a participação de atores privados na elaboração da política curricular, a tese do participacionismo social, os debates sobre gênero e diversidade e a ideia vaga e demagógica de “direito à aprendizagem”, que tenta esvaziar a definição mais ampla de direito à educação e é utilizada como uma espécie de justificativa moral para a existência da BNCC.

Na segunda parte, a Base é esquadrinhada a partir das áreas do conhecimento: Educação Infantil, Alfabetização, Matemática, Língua Estrangeira – transformada em “Língua Inglesa” na última versão –, Educação Física, História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Ciências Naturais, Química, Física e Ensino Religioso (e laicidade na educação).

Nem todas as análises são igualmente pessimistas em relação à BNCC. Enquanto alguns autores se opõem à própria ideia de uma BNCC, por razões explicitadas nos capítulos, outros entendem necessária a existência de uma Base, embora diferente daquela aprovada no governo Michel Temer, e mesmo diferente daquela inicialmente proposta no governo Dilma Rousseff. O debate sobre a formação docente também aparece em diversos capítulos dessa segunda parte.

A terceira parte encerra o livro apontando duas ausências importantes na BNCC: Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos.

No aniversário de cinco anos do atual Plano Nacional de Educação (PNE), o debate sobre a BNCC recoloca algumas das questões realmente relevantes para o campo educacional brasileiro. Do que se trata a produção do currículo escolar? Que dificuldades uma política de centralização curricular tão radical pode criar em um país tão diverso e desigual como o Brasil?

Os 20 capítulos de Educação é a Base? trazem importantes subsídios para os profissionais da educação que, diante das pressões das redes de ensino por uma rápida implementação da BNCC, têm buscado entender melhor os problemas dessa nova política, o contexto em que foi produzida e os grupos de interesse que apoiam a sua implementação no país. É a quem trabalha nas escolas que cabe fazer, por fim, uma análise realista dos limites e das possibilidades da BNCC.

Em uma democracia que luta para permanecer de pé, o exercício da crítica torna-se ainda mais essencial para que os currículos escolares não estejam apartados das realidades locais e que também não sejam – uma vez convertidos em políticas de centralização curricular – vendidos como um tipo de panaceia resolvedora de todos os problemas da educação brasileira. Não custa lembrar que a BNCC é uma política muito mais barata do que aquelas relacionadas à melhoria da formação docente, à infraestrutura das escolas e ao salário e às condições do trabalho docente.

Carta Capital

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