Educação ganha espaço na campanha, mas falta aprofundar debate
Mesmo num cenário desfavorável, as questões da educação estiveram mais presentes na campanha eleitoral deste ano, segundo jornalistas e especialistas ouvidos pela Jeduca. É um avanço, mas o contraponto a isso é a constatação de que a imprensa ainda precisa fazer um esforço adicional para aprofundar o debate, situando de forma mais clara para o leitor se as propostas dos candidatos são exequíveis e se fazem parte de um olhar sistêmico.
E há também outra análise, sobre o lugar da educação na eleição mais violenta da história recente do país, marcada por um atentado e por níveis de beligerância inéditos. O debate foi sufocado pelo clima geral da campanha e pela avalanche das fake news: o eleitor médio formou sua opinião sob um bombardeio de desinformação.
“Nunca havia presenciado eleições em que o tema da educação aparecesse tanto na imprensa. Concordo que entre os candidatos ainda é algo lateral, mas em todos os debates se tocou no assunto pelo menos uma vez. Quem, de certa forma, forçou a discussão foi a imprensa”, diz a repórter especial do Estadão Renata Cafardo, diretora da Jeduca.
“No Estadão, por exemplo, lançamos um blog temático, o Eleição+Educação. E conseguimos entrevistar todos os candidatos – só Jair Bolsonaro não respondeu – com as mesmas 10 perguntas, publicando de uma forma inovadora, como se fossem stories do Instagram. As entrevistas tinham contextualização, havia perguntas, mas também se explicava as respostas, com dados e informações, para que o eleitor entendesse e pudesse refletir. Outro destaque foi a matéria que publicamos sobre os colégios militares, que o Bolsonaro propôs expandir, mostrando o altíssimo custo deles.”
A análise dos programas de candidatos foi uma das tônicas da cobertura. Ao contrário do que ocorreu em eleições anteriores, vários deles abriram espaço para temas da educação, até pelo peso que a área teve na agenda de reformas do governo Temer. Reforma do ensino médio, Base Nacional Comum Curricular e a emenda constitucional 95 – que impôs um teto para os gastos do governo, entre eles os destinados a educação, por 20 anos – obrigaram, de certa forma, os candidatos a se posicionarem.
“Quando começaram os primeiros debates, apareceu muito o tema educação. Mas percebemos que os candidatos não estavam explicando aspectos fundamentais”, conta a repórter Ana Basílio, da Carta Educação. “Como cumprir as promessas no contexto de corte de gastos? No caso da reforma do ensino médio, havia falta de consenso mesmo no campo progressista sobre revogá-la ou não. O desafio de melhorar a aprendizagem não tinha muita clareza nem sobre como combater problemas como distorção idade-série e evasão escolar.”
Essa avaliação levou a Carta Educação a fazer uma parceria com a ONG Ação Educativa para aprofundar a avaliação dos programas. “Nós elencamos as agendas mais estratégicas, como Plano Nacional de Educação, reforma do ensino médio, analbetismo, questões de gênero, raça e diversidade. Apontamos pontos positivos e negativos nos programas, as ausências significativas. E também tivemos artigos, trazendo opiniões de especialistas e o ponto de vista do professor.” O extenso material deu origem a um e-book.
Outros veículos apostaram em recortes específicos na análise dos programas. “Decidimos olhar a questão das inovações, que é o que a gente podia contribuir de diferente”, diz a editora do Portal Porvir, Tatiana Klix, integrante do Comitê Editorial da Jeduca. Na matéria, o Porvir elegeu quatro vertentes de inovação – uso de tecnologia, gestão democrática e participação dos estudantes, educação integral e educação mão na massa – e apurou que que apenas 5 dos 13 programas protocolados no Tribunal Superior Eleitoral traziam ao menos uma proposta associada a elas.
Tatiana concorda que houve mais matérias sobre educação nesta campanha e considera que o perfil dos candidatos colaborou para isso. “O Fernando Haddad é ex-ministro da Educação, o Ciro Gomes também falou bastante do assunto pelo fato de o Ceará ser considerado um caso de sucesso na melhoria da educação básica; o Bolsonaro há tempos enfatiza as questões do Escola Sem Partido.”
Renata Cafardo acredita que o Congresso da Jeduca, realizado em agosto, que teve como foco a cobertura de eleições, contribuiu para esse resultado. Outro fator destacado por ela e por Tatiana foi a mobilização da sociedade civil.
O Todos Pela Educação, por exemplo, apostou no projeto Educação Já, que elegeu sete temas prioritários para o debate eleitoral, como valorização dos professores e uma “agenda intersetorial” para a primeira infância, que ajudaram a educação básica a ganhar espaço no discurso da maioria das candidaturas. Também promoveu sabatinas com os candidatos mais bem colocados nas pesquisas e buscou parcerias com redações.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação produziu um documento cobrando dos candidatos compromisso com a “educação pública, laica, gratuita, inclusiva, equitativa e de qualidade” e reforçou a mobilização pela revogação da emenda do Teto de Gastos. O Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) realizou um debate com responsáveis pela área de educação das campanhas, entre outras iniciativas.
Para Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação, uma diferença da campanha de 2018 em relação às anteriores é o fato de que, desta vez, todos os candidatos se sentiram mais cobrados em relação à educação. Isso se traduziu em posturas e declarações que alternaram o tom de promessa de campanha com propostas de fato viáveis e exequíveis. “Algumas falas soam um pouco fora da realidade, surgem mais como uma intenção, como certas propostas para a educação infantil e a primeira infância.”
“Houve diversos documentos e iniciativas de entidades acadêmicas e da sociedade civil para elevar o debate sobre a educação nas eleições, como também vimos iniciativas de jornalistas no sentido de pautar o tema”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “A problemática central, no entanto, é que diversos programas tratam a educação de forma rasa e, pior, com propostas que não são exequíveis ou mesmo que não são sistêmicas e integradas. Vi muitas análises comparativas entre os programas, mas talvez uma maior tradução de suas nuances e do que significam suas diferenças gerasse maior impacto no debate público.”
Autor de “Educação nas Eleições – Guia de Cobertura”, publicado pela Jeduca, o jornalista Rubem Barros também acha que o debate poderia ter sido aprofundado. “Não se trata de uma análise fundamentada em dados da cobertura, mas sim numa impressão, que pode ser falha. Acho que a educação, apesar de sempre estar mais presente no discurso de vários candidatos, apareceu de forma muito protocolar, quase como resultado do que os marqueteiros aferiram que o povo gostaria de ouvir.”
“A formação de professores, que todo mundo fala há tempos que é o ponto central de qualquer mudança educacional, parece ser um tema muito árido para se debater (os jornais mostram isso, pois se contam nos dedos as vezes que o tema foi para as manchetes em décadas)”, exemplifica Rubem. “Ninguém ousou, por exemplo, trazer uma solução para o ensino médio que não ficasse entre o aceitar ou não a reforma.”
Aliás, pode-se dizer que o mesmo padrão ocorreu em relação à emenda 95, cuja revogação virou a resposta padrão para perguntas sobre de onde viriam os recursos para os planos dos candidatos. Independentemente da emenda (e dos seus efeitos sobre os gastos sociais), o país vive uma grave crise econômica. O cenário dos próximos governantes será de escassez de recursos, o que torna mais difícil cumprir promessas como a valorização dos professores, a expansão do ensino em tempo integral ou a ampliação de vagas em creches, como mostrou reportagem de Isabela Palhares no Estadão.
Para o diretor da Jeduca Paulo Saldaña, repórter da Folha de S. Paulo, a sensação de falta de aprofundamento dos temas está ligada em boa parte a algo que foge da alçada de jornalistas ou da sociedade civil. “O cenário polarizado dessa disputa dificulta uma comparação com eleições passadas. Muito do que talvez fosse debatido e aprofundado com relação à educação foi tragado pelo pugilismo da campanha. Houve esforço, e certo sucesso, para colocar a educação entre os temas importantes do debate eleitoral.”
“Os programas de governo dos presidenciáveis foram visitados e comparados”, diz Saldaña, que produziu duas avaliações sobre posições dos candidatos – uma analisando programas e outra mostrando que os líderes das pesquisas prometiam rever a reforma do ensino médio e a Base Nacional Comum. “A maioria dos candidatos levou para debates e para o horário eleitoral propostas para a área, e a imprensa fez a repercussão delas. O saldo geral pode ser considerado suficiente? Provavelmente não. Agora com o segundo turno abre-se nova oportunidade para reportagens mais conclusivas e críticas.”
Para a editora pública da Jeduca, Marta Avancini, mesmo em um cenário radicalmente polarizado como o desta campanha, há um “porto seguro” para os jornalistas. “A imprensa precisa buscar, sempre, analisar a consistência das propostas dos candidatos. Isso envolve várias dimensões: legal, financeira e técnica.”
“Uma dica para o jornalista é confrontar declarações e propostas com estatísticas nacionais e internacionais disponíveis, além de buscar estudos e pesquisas que possam servir de subsídio para analisar as propostas”, diz Marta. “Um ponto essencial é o eventual impacto de determinadas propostas sobre a continuidade ou não das políticas educacionais.”
Mesmo que a cobertura da imprensa tivesse sido impecável, porém, nestas eleições há um obstáculo radical no caminho da missão de informar adequadamente a sociedade sobre os reais problemas do país: as fake news.
“A gente se sente carregando um baldinho de água em um incêndio florestal. Sabemos que não vamos resolver o problema, mas a nossa função é mostrar para as pessoas o que tem de ser feito”, diz o presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Daniel Bramatti. A Abraji coordena o Projeto Comprova, rede colaborativa que reúne cerca de 50 jornalistas de 24 veículos e realizou no primeiro turno 106 checagens de versões e boatos. Nem todos se revelaram falsos, mas alguns desmentidos da rede dão uma ideia do nível da campanha: “Mamadeiras eróticas” não foram distribuídas em creches pelo PT; Haddad não afirmou que governo deve decidir o gênero das crianças; Livro exibido por Bolsonaro no Jornal Nacional nunca foi comprado pelo MEC; É falsa notícia de que Jean Wyllys foi convidado para ser ministro da Educação de Haddad; Professor tem que trabalhar por amor? Não há registro de que Alckmin tenha dito isso; Críticas aos direitos dos professores não foram feitas por João Amoêdo.
Duas dessas informações falsas ficaram entre as dez mais disseminadas na campanha, segundo levantamento feito pela Agência Lupa – nas seis semanas do 1º turno, as “top ten” foram compartilhadas assombrosas 865 mil vezes. O “convite” a Jean Wyllys para assumir o Ministério da Educação teve 219,8 mil compartilhamentos; o post que atribuiu a Haddad a afirmação de que cabe ao Estado definir o sexo das crianças teve 51 mil.
Tatiana, do Porvir, acha que os jornalistas precisam estar melhor preparados para contestar, pelo menos, fake news recicladas. Como a do livro “Aparelho Reprodutor e Cia.”, que Bolsonaro disse, no Jornal Nacional, ter sido distribuído pelo MEC, o que foi desmentido ainda em 2016. “O Bolsonaro fala do livro e ninguém ali questiona? Sabe-se há muito tempo que o livro não foi distribuído.”
“O boato vem em ondas, tem que estar sempre rebatendo”, afirma Bramatti. “E muitas vezes isso não garante nada. Para muitas pessoas a verdade está em segundo plano, o interesse é promover um candidato ou uma bandeira.”
Uma fonte básica para combater as informações falsas na área educacional foi lançada pela Revista Nova Escola. Batizado de “Mentira na Educação, Não!”, o projeto tem um site com tópicos como o livro citado por Bolsonaro e textos que se dispõem a responder perguntas como “Existe ideologia de gênero na educação?”, “A educação era melhor na época da ditadura?” e “Creches e tempo integral: candidatos podem prometer tudo isso?”.
O fenômeno das fake news ganhou visibilidade com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Só que eleições posteriores mostraram que há um novo obstáculo no caminho da identificação de notícias falsas, o Whatsapp. Nesse sentido, a situação aqui é mais parecida com a de campanhas em países como México e Índia. “O Whatsapp é uma caixa-preta total. Então a gente nunca vai conseguir ter uma noção do que foi esse terremoto de desinformação”, diz Bramatti.
Nesse cenário desolador, o que o jornalista deve fazer? Para o presidente da Abraji, perseverar e mostrar como é seu processo de trabalho, algo desconhecido pelo público. “Temos que mostrar que o trabalho jornalístico é específico, tem critério, procedimentos, não é um trabalho individual. Ele passa por edição, tem correção quando tem um eventual erro – e erro não é o mesmo que tentar enganar de propósito”, diz Bramatti.