Educação na Constituinte, um livro com precisão fotográfica

Por Carlos Roberto Jamil Cury*

O livro da professora Maria Francisca Pinheiro Coelho, O Público-privado na Educação Brasileira, um conflito na Constituinte (1987-1988), expressa o contorno escolhido pela autora para extrair do conjunto dos debates os aspectos ligados ao capítulo da Educação na Constituinte.

A impressão que se tem ao ler o livro é similar a uma câmera fotográfica de alta precisão em que o fotógrafo vai captado, no conjunto das sessões, também aspectos muito específicos que acabam por ligar a Educação a outros capítulos da Constituição.

Diga-se, a bem da verdade, que a autora se serviu de dois recursos metodológicos que dão ao texto uma fidedignidade ímpar: a presença in loco no cenário constituinte e a consulta das Atas e dos Diários da Constituinte. Ao final do livro, o leitor tem Apêndice nos quais os documentos dos principais atores do conflito estão devidamente registrados.

Sem fugir a seu ponto de vista de posicionamento pelo caráter público da Educação, o texto tem um lado descritivo e explicativo de todos os lados. É como se a autora prenunciasse o inciso III do artigo 206 da versão final da Constituição, ou seja, um dos princípios da Educação nacional: pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

Seu ponto de vista não só corrobora esse princípio que faz da educação um campo de circulação do pensamento crítico, como não contesta a liberdade de ensino, inscrita no inciso II do mesmo artigo.

O eixo crítico se volta para o âmbito de aplicabilidade dessa liberdade. Com efeito, desde o decreto de Dom João VI, às vésperas de sua partida para Portugal, quando o Rei assegura a liberdade que todo o cidadão tem de fazer o devido uso de seus talentos… da publicação deste em diante seja livre a qualquer cidadão o ensino e a abertura de escolas de primeiras letras no Reino … sem dependência de exame ou de alguma licença, jamais houve, no ordenamento jurídico, a contestação dessa liberdade.

Por outro lado, desde a Reforma Couto Ferraz de 1854, passando por todo o conjunto legal até os nossos dias, o que se impôs foram limites relativos à obediência às normas da educação nacional e aos processos de autorização e avaliação de qualidade.

A autorização verifica a idoneidade de uma instituição de ensino, pública ou privada, para ofertar ensino de qualidade. A avaliação mede a adequação desse conjunto ao padrão de qualidade, princípio do ensino exigido pela Constituição.

Certamente, o contorno escolhido pela autora é o que é mais documentado: a questão do financiamento dos recursos: podem os recursos públicos subsidiar a iniciativa privada? Nesse sentido, o livro vai explicitar, com clareza, o que se deve entender por público e privado, seja conceitualmente, seja como estes conceitos fazem parte de uma longa história, tanto no Estado Brasileiro quanto na especificidade da Educação.

Essa história, no campo educacional, é trabalhada em seus antecedentes mais expressivos como No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, na Constituinte de 1933-1934, e também, no outro Manifesto de 1959 e no longo processo de 13 anos de tramitação das diretrizes e bases de 1961, lei n. 4.024/61.

Com esse quadro histórico e conceitual, a câmera entra em ação no palco da Constituinte. Configurados os principais passos da Constituinte como a divisão em temáticas a serem trabalhadas a partir das subcomissões, subindo para as comissões, há um retrato tão fiel ao que por lá se passou que é como se o leitor se visse lá dentro.

Ele como que acompanha as propostas dos constituintes, as audiências públicas com os mais diferentes atores buscando inserir seus princípios no texto constitucional, o relatório e o anteprojeto da subcomissão, a comissão temática, a comissão de sistematização e, finalmente, o plenário.
Aí há o devido registro dos conflitos, das negociações em torno do financiamento sob um fundo conceitual em torno dos limites da liberdade de ensino.

Para além de um registro histórico da mais alta importância, é preciso se lembrar do significado de uma Constituição como fundamento do pacto nacional e de todo o ordenamento que se lhe segue.

Constata-se o espírito que a presidiu na busca de ampla participação, especialmente nas subcomissões e na comissão temática. Nos tempos sombrios pelos quais estamos passando em que a democracia se vê atacada por fundamentalismos, em que a Educação, pórtico fundamental da cidadania e dos direitos humanos, se vê diminuída por programas e propostas reducionistas, retomar o processo constituinte é um convite a que não nos esqueçamos de que ali, afinal, se consubstanciou o claro princípio de que a Educação é direito do cidadão, dever do Estado.

*Carlos Roberto Jamil Cury é Doutor em Educação, professor adjunto da PUC-Minas e professor emérito da UFMG

Correio Braziliense

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