Eleger Lula para defender o salário mínimo e a aposentadoria
Quem votar em Bolsonaro e cometer o desatino de o reeleger, completará a dizimação da maior, mais ampla e mais inclusiva política pública, consagrada pela Constituição, que é a previdência social
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Eu não vim para construir nada, estou aqui para destruir.”
Essa escatológica (destino final) sentença não foi retirada de nenhuma peça de ficção e/ou de brincadeira funesta. Trata-se, isso sim, de pronunciamento oficial do presidente Bolsonaro, proferida aos 30 de abril de 2019.
As dezenas de milhões de cidadãos/ãs que, felizmente, não se embeveceram pelas palavras e atos do falso mito — em verdade, anticristo, para quem cultua a democracia, — sabem que a afirmação sob destaque não se reveste da condição de hipérbole. Ao reverso, reveste-se de plano de governo, que vem sendo aplicado à risca, desde o primeiro dia, 1º de janeiro de 2019, o que pode ser comprovado pela pletora de medidas adotadas com esse vil propósito.
Destacam-se, dentre elas: a extinção do Ministério do Trabalho e Emprego; a deformação das normas regulamentadoras (NRs), para que não houvesse qualquer rigor na fiscalização das empresas; as medidas provisórias (MPs) 905, 927 e 1045, que se caducaram, deixando rastro de destruição dos direitos trabalhistas; a MP 1109, que se converteu na Lei N. 14.437/2002, criando estado de calamidade permanente por simples portaria do Ministério do Trabalho e Previdência Social, que importará o afastamento da Constituição Federal, da CLT e das convenções e acordos coletivos, enquanto durar tal estado; a reforma da previdência social, pela Emenda Constitucional 103/2019; o desmonte da educação e da saúde etc.
Quem ainda mantém discernimento político e se recusa a fechar os olhos às atrocidades bolsonarianas e bolsonaristas, sabe que a matéria veiculada pelo jornal Folha de S.Paulo, no último dia 19, sobre os planos de Bolsonaro de desvincular os benefícios previdenciários do salário mínimo e de suprimir a garantia de correção anual daquele e deste pelo INPC/IBGE, ambas garantidas pela CF (respectivamente, pelos Art. 201, §§ 3º 4º, e 7º, IV), não só é verdadeira, bem como já foram tentadas pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/2019, que se converteu na EC 103/2019.
Sabe, também, que o desmentido de Bolsonaro não passa de uma peça de desfaçatez e de falsidade, marca que o distingue.
Eis as garantias constitucionais que são alvos de Bolsonaro, visando à sua destruição:
“Art. 7º […]
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”
“Art. 201. […]
- 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.
- 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.”
Eis o que continha a PEC 06/2019 e foi rejeitado pelo Congresso Nacional:
“Art. 201 […]
- 1º Lei complementar de iniciativa do Poder Executivo federal disporá sobre os seguintes critérios e parâmetros do regime de que trata este artigo:
I – rol taxativo dos benefícios e dos beneficiários;
II – requisitos de elegibilidade para os benefícios, que contemplarão idade mínima, tempo de contribuição, carência e limites mínimo e máximo do valor dos benefícios;
III – regras de cálculo e de reajustamento dos benefícios;
IV – limites mínimo e máximo do salário de contribuição”.
No que tange ao salário mínimo, que é referência de rendimento para mais de 36 milhões de trabalhadores/as que compõem a força de trabalho ocupada, Bolsonaro, além de o corrigir apenas pelo INPC, recusou-se a revalidar a política de sua valorização, que teve como última norma garantidora a Lei N. 13.152/2015, que venceu no primeiro ano de seu governo.
Segundo cálculos do Dieese, não fosse a política de sua valorização, implementada nos governos Lula e Dilma, sobretudo no dele, o valor do salário mínimo, hoje, não seria sequer de R$ 1.212; seria de R$ 678.
Desse modo, a matéria veiculada pelo jornal Folha de S.Paulo, para além de não surpreender ninguém com bom-senso e/ou capacidade de discernimento que lhe permita ter a real dimensão do que representará a prorrogação do desastroso governo Bolsonaro por mais quatro anos, comprova que não se trata apenas de plano maléfico, mas, antes, objetivo a ser alcançado, custe o que custar; tanto que já foi tentado, como demonstrado no parágrafo anterior.
Esse letal objetivo, que terá aval sem ressalva de quem votar em Bolsonaro, se for levado a cabo — e com certeza será se a maioria dos/as eleitores/as cometer o desatino de o reeleger —, completará a dizimação da maior, mais ampla e mais inclusiva política pública, consagrada pela CF de 1988, que é a previdência social.
A garantia de que nenhum benefício previdenciário seja inferior ao salário mínimo e a de preservação de seu valor real, que só se concretize com a correção anual pelo INPC/IBGE, representaram e representam a diferença entre a miséria e a dignidade, para nada menos que 36,5 milhões de brasileiros/as, número atual de aposentados/as, pensionistas e beneficiários do Benefício da Prestação Continuada (BPC).
Segundo o portal da transparência da previdência social, mais de 66% de todos os benefícios pagos do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), ou seja, mais de 25 milhões, correspondem a um salário mínimo.
A previdência social possui tal grandeza social que mais de 4,1 mil municípios brasileiros têm nos benefícios que ela assegura sua principal fonte de riqueza, injetando-lhe mais recursos que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que se constituem na mola propulsora de seu desenvolvimento. Sem eles, a dignidade e o progresso social são inalcançáveis.
Eis alguns dos dados reais sobre a previdência social, publicados no livro organizado pelo auditor fiscal Álvaro Sólon de França e publicado pela Anfip, atualizado até 2019, “A previdência social e a economia dos municípios”:
“Entre esses aspectos desconhecidos há um que se mostrou extremamente relevante, após extensa pesquisa que tive a oportunidade de participar — A Previdência Social e a Economia dos Municípios. Brasília: ANFIP, 2019.) — com base nos dados de 2017: em 4.101 dos 5.570 municípios brasileiros avaliados (73,60%), o volume de pagamento de benefícios previdenciários efetuados pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) supera o FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
Volume de pagamento
Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, o maior volume de pagamento de benefícios previdenciários em relação ao FPM não é um fenômeno estritamente nordestino.
Os percentuais, também, são expressivos na Região Sudeste. No Rio de Janeiro, em 92 dos 92 municípios os benefícios previdenciários superam o FPM, o que representa 100%; no Espírito Santo, isto se verifica em 78 dos 78 municípios (100%); em São Paulo, em 556 dos 645 municípios (86,20%), e em Minas Gerais, em 577 dos 853 municípios (67,60%).
Na Região Sul, o maior percentual está em Santa Catarina, (84,10%), 248 do total de 295 municípios, no Rio Grande do Sul, 404 dos 497 municípios, portanto, 81,30%, e, finalmente, no Paraná, do total de 399 municípios, 316 convivem com essa realidade, ou seja, 79,20%.
Na Região Nordeste, o recorde fica com o Ceará, onde em 173, (94%) dos 184 municípios, o pagamento de benefícios superam o FPM, o segundo lugar fica com a Bahia (87,10%), onde em 363 dos 417 municípios esta realidade acontece, seguido de Pernambuco (87,00%), 161 de 185 municípios.
Estes dados são altamente representativos de uma realidade que não pode ser ignorada: a Previdência Social reduz as desigualdades sociais e regionais e exerce uma influência extraordinária na economia de milhares de municípios brasileiros.
Pagamento dos benefícios supera arrecadação previdenciária
Há uma particularidade, da qual poucos têm conhecimento: em mais de 87,90% dos municípios brasileiros, o pagamento de benefícios é superior à arrecadação previdenciária no próprio município, o que nos remete à evidente conclusão que a capacidade de redução das desigualdades regionais da Previdência Social é de uma relevância fenomenal.
É o caso, por exemplo, de São Luiz Gonzaga do Maranhão (MA), onde a arrecadação previdenciária em 2017 foi de R$ 677.730 e o pagamento de benefícios somou R$ 44.916,234, ou seja, seriam necessários 66 anos de arrecadação previdenciária para pagar um ano de benefícios.
Outros exemplos
1) Serra Dourada (BA), com arrecadação de R$ 1.747.459 e pagamento de benefícios de R$ 67.313.388, (38 anos);
2) Alto Paraíso (RO), com arrecadação de R$ 1.458.893 e pagamento de benefícios de R$ 29.519.580 (20 anos);
3) Alegria (RS), com arrecadação de R$ 1.031.095 e pagamento de benefícios de R$ 17.641.006 (17 anos);
4) Catas Altas da Noruega (MG), com arrecadação de R$ 475.054 e pagamento de benefícios de R$ 7.411.623 (15 anos); e
5) Santa Rita d’Oeste (SP) com arrecadação de R$ 917.657 e pagamento de benefícios de R$ 12.066.409 (13 anos).
Âncora social
Embora tão enxovalhada por críticas, muitas delas injustas, a Previdência Social pode tranquilamente ostentar a posição heróica de âncora social, em um cenário de profundas desigualdades sociais e regionais, como o que experimentamos em nosso país.
É a Previdência Social que fixa as pessoas em seus municípios de origem, evitando o êxodo principalmente para as grandes cidades, onde levas de migrantes inchariam ainda mais as favelas superpovoadas. Muitos aposentados e pensionistas figuram como elementos de sustentação social, não por ganharem bem, mas por garantirem, com suas modestas aposentadorias, o sustento de suas famílias.
Papel do idoso aposentado
Destaque-se que o compartilhamento da renda proveniente da Previdência Social faz com que o idoso volte a ter um papel familiar importante, principalmente, na área rural, estreitando os laços de solidariedade com as gerações mais jovens que convivem com os beneficiários.
Indiretamente a Previdência Rural supre a lacuna da falta de seguro desemprego para os filhos dos beneficiários da área rural, apoia a escolarização dos netos, permite aos aposentados e pensionistas adquirirem medicamentos e terem acesso a tratamento de saúde não existente na área pública de saúde; ou seja: a partir da Previdência Rural constrói-se ampla rede de proteção básica no tecido social rural do Brasil. Realmente a Previdência Social para a população rural é significativa devido aos impactos redistributivos de renda e à elevada cobertura.
Percorrendo inúmeras cidades do interior do país, verifiquei que o maior sonho dos trabalhadores e trabalhadoras rurais é completar a idade, exigida pela legislação previdenciária, para se aposentarem o que demonstra, de maneira insofismável, que a Previdência Social é a última esperança dessas pessoas para viverem com dignidade, pois no Brasil, infelizmente, a dignidade está vinculada à renda.
[…]
Em 2017, 31,30% dos brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza (linha de pobreza = R$ 468,50). Se não fosse a Previdência, esse percentual seria de 46,50%, ou seja, a Previdência foi responsável por redução de 15,2% no nível de pobreza, o que significa que 30,9 milhões de pessoas deixaram de ficar abaixo da linha de pobreza.”
Destarte, se é que se pode efetivamente afirmar que nem todos/as os/as eleitores/as de Bolsonaro votam nele por identificar-se com suas perversidades, em todas as dimensões, aos que se põem fora dessa régua, calha bem a metáfora da mulher do médico, personagem central do emblemático livro de Saramago “Ensaio sobre a cegueira”, assim exarada:
“[…] Queres que te diga o que penso? […] Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem”.
Diante de tudo isso, aos/às 156,4 milhões de eleitores/as, no dia 30 de outubro corrente, cabe escolher entre o Brasil e Bolsonaro; os dois são incompatíveis e inconciliáveis.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee