Eletrobras privatizada: ‘Não tem gente para fazer manutenção’
Ainda em maio, engenheiro da Eletrobras alertou para situação “desesperadora” em função das demissões que ocorreram durante o processo de privatização
Por Tiago Pereira, da RBA
Nesse sentido, ele solicitou ao Ministério da Justiça que encaminhasse pedido de abertura de inquérito à Polícia Federal (PF). O governo não descarta falha técnica, falha humana ou até mesmo sabotagem como possíveis causas do apagão.
Atendendo à solicitação de Silveira, o ministro Flávio Dino disse hoje que a investigação é necessária “em face da ausência de elementos técnicos, até o momento, que expliquem o que ocorreu. Assim, é prudente uma análise mais ampla, inclusive quanto à possibilidade de atos ilícitos”.
No entanto, para o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE), órgão que congrega as entidades representativas de trabalhadores do setor, a identificação das causas do apagão pode demorar mais “devido à falta de quadro técnico experiente e capacitado alvo dos desligamentos desenfreados por parte da Eletrobras”.
Cortes pré e pós-privatização: ‘Desespero’
Desde que foi privatizada, em junho do ano passado, a Eletrobras já cortou cerca de 2.500 trabalhadores. No entanto, os desligamentos desenfreados começaram ainda no governo Bolsonaro, como preparação para o processo de privatização, concluído ao final do mandato. Entre 2018 e 2022, a Eletrobras registrou queda de quase 40% em seu quadro de empregados, a maior parte na área operacional.
“Precisamos olhar em perspectiva. Trabalho na área de manutenção da Eletronorte (subsidiária da Eletrobras), tenho conhecimento sobre o que estou dizendo. As pessoas que estão trabalhando lá, o que nós estamos vendo hoje, é uma situação de desespero. Porque não tem gente para trabalhar, não tem gente para poder fazer a manutenção”, alertou o engenheiro eletricista Ikaro Chaves, ex-dirigente sindical e ex-conselheiro eleito do Conselho de Administração (Consad) da Eletronorte.
Mais demissões
Ainda em maio, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, Chaves explicou que o sistema elétrico é capaz de operar com “muito pouca gente”. No entanto, os riscos aumentam no médio e longo prazo. Enquanto os cortes de pessoal atendem a uma lógica de curto prazo, com o objetivo de reduzir os custos de operação e, assim, ampliar os lucros dos acionistas da Eletrobras.
“O problema não se dá em curto prazo, mas em médio e longo prazo. Porque a partir do momento em que os trabalhadores não fazem a manutenção devida, a confiabilidade dos equipamentos diminui. Mas cedo ou mais tarde, vamos ter casos como o que aconteceu no Amapá“, afirmou o engenheiro.
Ele criticou o então presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira, que anunciou um novo plano de demissão voluntária (PDV) para 1.500 “colaboradores” como resposta à redução de 85% nos lucros da empresa durante o primeiro trimestre deste ano.
“Se não resolvermos esse problema hoje, se não colocarmos trabalhadores qualificados na Eletrobras, se não impedirmos essas demissões, se não revertermos a privatização, os brasileiros vão pagar caro por essa ganância da Eletrobras privada em resultados de curto prazo”, alertou Chaves, há três meses. Ele lembrou que o apagão no Amapá, em 2020, cobrou o seu resultado inclusive em vidas.
Suspensão
No final de julho, a Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro determinou a suspensão das demissões na Eletrobras em todo o país. A suspensão vale até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pelo governo Lula que contesta trechos da lei que regulamentou a privatização da Eletrobras. O governo reclama que, apesar de deter 43% das ações da ex-estatal, só pode exercer votos até o limite de 10% no conselho da companhia. No início do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a classificar como “bandidagem” o modelo de privatização da Eletrobras.