Entenda como o fiasco do Produto Interno Bruto (PIB) afeta o seu bolso, a sua vida

Brasil entra em recessão com PIB despencando. Economista do Cesit, Marcelo Manzano, compara situação econômica com um avião de quatro turbinas que tem apenas uma funcionando, mas já avariada

Os jornais estamparam esta semana manchetes sobre o tombo de 9,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre deste ano, um recorde histórico e o pior desempenho do país em 120 anos. Em comparação com o mesmo trimestre de 2019, o PIB recuou 11,4%.

Muitos se perguntaram: o que eu tenho a ver com isso? Em que a alta ou queda do PIB influencia a minha vida, meu trabalho? Teve até quem questionou o que incentivou o aumento do PIB nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma, do PT. Para responder essas e outras perguntas, o Portal CUT foi ouvir um especialista da área econômica: o pesquisador e professor de economia do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp, Marcelo Manzano.

De acordo com o professor, é com um olho no PIB que governos e empresas definem suas estratégias de investimentos e condução da economia, o que afeta diretamente a vida do trabalhador, já que ele é a ponta mais frágil do ponto de vista econômico, ficando à mercê das decisões do mercado financeiro e de quem estiver sentado na cadeira presidencial.

“O PIB é relevante porque quando cresce demonstra que a atividade econômica se expandiu. Isto significa mais produção e quem produz precisa de mão de obra, de trabalho. Quando as pessoas fazem alguma coisa, geram bens e serviços, e ao fazerem isso produzem valor. É oportunidade de trabalho, não necessariamente um emprego, mas uma atividade que gerou uma renda, um lucro para quem a fez”, explicou.

“Os investimentos da Petrobras de 2005 a 2015, de mais de R$ 50 bilhões ao ano, dinamizou setores como a indústria naval [que chegou a ter mais de 300 mil trabalhadores], a produção de tubulações, a contratação de serviços especializados em perfuração, sondagem. Isto influenciou outros setores, como em Santos [litoral de São Paulo] que construiu novos hotéis e prédios por conta do pré-sal”, exemplifica o professor de economia, lembrando como os investimentos feitos nos governos do PT foram importantes para a recuperação da economia e a geração de emprego e renda no Brasil.

E são esssas condições de vida que os trabalhadores vêm perdendo desde a recessão de 2015-2016, agravada com o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, e que se aprofundou em 2018 quando Jair Bolsonaro (ex-PSL) ganhou a eleição para presidente da República e nomeou para conduzir a economia do país, o banqueiro Paulo Guedes. Com a dupla no comando, o PIB vem caindo, fazendo o Brasil entrar oficialmente em recessão econômica.

O PIB, explica o professor, é a soma das riquezas, de todos os produtos gerados no país em um ano, sejam produtos físicos como o pãozinho da padaria, seja o automóvel. É também a soma de todos os serviços que geraram algum tipo de pagamento. O trabalho do autônomo seja ele eletricista ou jornalista.

O PIB pode ser medido de diferentes maneiras: pela soma do valor dos produtos finais, pela soma dos gastos agregados (consumo das famílias, investimentos das empresas, gastos do governo e saldo comercial) ou ainda pela soma dos rendimentos (salários, lucros, aluguéis e impostos). Qualquer atividade econômica que gerou alguma renda entra na composição do índice.

Desde o golpe, avião vem caindo

Para explicar como as medidas econômicas dos governos Michel Temer (MDB-SP) e de Bolsonaro foram fundamentais para a queda do PIB e como isto interfere no dia a dia da vida de todos os brasileiros e brasileiras, Marcelo Manzano faz uma analogia de um avião caindo.

O PIB é comparado a um avião de quatro turbinas. Cada turbina representa um dos quatro itens que dinamizam a produção de um país e que entram na sua composição: as exportações, os investimentos das empresas, o consumo das famílias e os gastos públicos. Três estão em chamas, a última começa a dar sinais de que também vai parar de funcionar, o que levará o avião a um desastre iminente.

“Assim está o Brasil. No momento a única coisa que ainda não deixou o avião cair é a turbina dos gastos públicos, incluindo neste rol, o auxílio emergencial de R$ 600, que por sua vez, turbinou o consumo das famílias. Mas, as empresas não estão investindo e as exportações dependem de outros países que também estão enfrentando a pandemia”, diz Manzano.

O incêndio nas turbinas foi provocado pelo desempenho do consumo das famílias, que caiu 12,5%, entre abril e junho, e do baixo investimento estatal, que teve queda de 15,4%. O consumo do próprio governo caiu 8,8%. E a indústria recuou 12,3%.

Como é feito o cálculo das projeções do PIB

É muito comum as projeções para o Produto Interno Bruto estarem completamente fora da realidade econômica. O professor de economia diz que as projeções são feitas a partir de um relatório semanal que o Banco Central (BC) envia a mais de 100 instituições financeiras, bancos, empresas. Esses economistas assinalam as suas expectativas de crescimento. O BC faz a média e depois publica o chamado Boletim Focus, com a previsão do PIB.

“O boletim Focus erra sistematicamente em suas previsões do PIB, como observamos nos últimos três anos. Uma das razões é que quem alimenta o Focus é um analista ou um chefe de consultoria econômica que fundamenta sua previsão em um modelo matemático que, embora possua milhões de equações, é alimentado por economistas de carne e osso que, em sua grande maioria, imprimem uma mesma perspectiva – ortodoxa e enviesada – sobre os fatores determinantes do dinamismo econômico. Ao final, seus palpites não diferem muito de uma bola de cristal que tem errado sistematicamente”, alfineta Manzano.

Pibinho

Segundo ele, em 2017, no primeiro ano após o golpe contra Dilma, os economistas consultados pelo Focus previam um crescimento do PIB de 2,5%, mas o que se viu foi a metade: 1,3%. No ano seguinte, após a reforma Trabalhista defendida como a grande geradora de 6 milhões de empregos e que não gerou nenhum, a mesma turma disse que cresceria 2,5% e, novamente foi metade: 1,3%. Em 2019, a história se repetiu: de 2,5% chegou-se ao final do ano com um crescimento de apenas 1,1%.

A desculpa do atual governo para a queda no PIB deste ano é a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Mas, desde o golpe, os neoliberais que chamavam de “pibinho” as taxas de crescimento do PIB do primeiro mandato de Dilma, não conseguiram alavancar a economia mesmo com as reformas Trabalhista, da Previdência e a criação do Teto dos Gastos Públicos, que congelou os gastos do governo acima da inflação nos próximos 20 anos. Todas essas medidas que atacaram direitos trabalhistas históricos e impediram o avanço de políticas públicas eficazes construídas nos governos do PT, resultaram na quase estagnação do PIB, em um patamar muito baixo.

O problema dos erros nas previsões, diz Manzano, é que as contas são feitas a partir das expectativas de economistas do setor financeiro, as universidades não são chamadas, e o que se vê são erros de projeções, atrás de erros. Com Lula, eles também erraram, mas avaliavam para baixo porque acreditavam que as medidas do seu governo não dariam certo.

“Por má vontade, por conta de ideologia contrária aos governos do PT, esses economistas não acreditavam que daria certo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que o aumento real do salário mínimo geraria mais consumo e renda, que o Minha Casa, Minha Vida geraria milhares de empregos na construção civil, com quatro milhões de moradias vendidas. Tudo isso eles não levaram em conta, mas com o Lula o Brasil voltou a crescer e distribuir renda, como há muito não se via”, afirma o professor de economia.

Investimentos públicos dos governos do PT incentivaram aumento do PIB

A importância dos investimentos públicos é destacada por Manzano como um fator fundamental de recuperação do PIB porque gera empregos e, com os trabalhadores percebendo que não perderão seus empregos, eles se sentem seguros em comprar um carro, uma casa, uma geladeira, dinamizando a economia.

Manzano, no entanto, ressalva que embora o consumo seja o responsável por 65% do PIB, ele é frágil porque o consumo se esgota, se não houver uma estratégia para manter o dinheiro na economia.

Segundo ele, é importante manter os gastos públicos construindo, por exemplo, um hospital, uma estrada. Um hospital vai precisar tanto de trabalhadores da construção civil, bem como médicos e profissionais de saúde para o seu funcionamento. Uma estrada, além da mão de obra contratada, servirá de escoamento de uma produção, para as pessoas irem trabalhar. São bens duráveis que continuam servindo de base para a composição do PIB dos anos seguintes. Como no exemplo citado acima dos investimentos feitos na indústria naval de 2005 a 2015.

Outro importante ponto para o crescimento do PIB nos governos petistas foram os investimentos dos bancos públicos. O Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) deu crédito a empresas para que elas pudessem investir e setores como os de proteína animal, petroquímica e fármacos, entre outros, dinamizaram setores e regiões.

Ao responder sobre os motivos que levaram a elite do país, mesmo ganhando muito dinheiro, ter apoiado o golpe contra a ex-presidenta Dilma e perseguido o ex-presidente Lula, o economista respondeu que esta é uma pergunta que valia um milhão de dólares.

Segundo Manzano, foi uma série de fatores, mas fica cada vez mais claro que havia interesses externos, de incômodo pela gestão do PT, na medida em que o Brasil crescia e ganhava destaque no mundo.

Para exemplificar o comportamento da elite brasileira, Manzano cita um artigo escrito em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, pelo economista polonês Michael Kalecki sobre os aspectos políticos do pleno emprego. No texto, Kalecki diz que sempre que há pleno emprego a elite reage. Ela não tolera que o trabalhador recuse uma oferta de emprego que não lhe agrade.

“Ele escreveu pensando na elite europeia do século passado, mas cabe bem até hoje aqui. Os empresários brasileiros estavam ganhando mais dinheiro, todos, na verdade, do camponês ao empresário porque o lucro estava crescendo, mas a elite não suporta perder o comando do destino do país”, conclui Marcelo Manzano.

CUT

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