Entidades consideram ilegal fusão da TV Brasil com a NBR

Representantes de entidades em defesa do direito à comunicação criticaram, em audiência pública, a fusão da programação da TV Brasil – emissora pública – com a TV NBR – emissora do governo federal. Segundo as entidades, a junção, oficializada em 10 de abril, fere a Constituição e a legislação brasileiras. Já o diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Alexandre Graziani Júnior, e deputados governistas acreditam que a medida proporciona economia de recursos e racionalização administrativa.

O assunto foi debatido na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (23), a pedido do deputado Chico D’Angelo (PDT-RJ). Conforme ele, a fusão fere o artigo 223 da Constituição, que prevê que os canais de rádio e TV privados, públicos e estatais devem ser complementares e estarem disponíveis em distintos sistemas de canais. O parlamentar informou que vai entrar com representação no Ministério Público para questionar junto ao Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da medida. Para o deputado, com a fusão, a TV Brasil pode se tornar uma simples reprodutora da propaganda governamental, desvirtuando as finalidades da radiodifusão pública.

Ilegalidades

Representante do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli disse que a fusão das TVs, além de inconstitucional, é ilegal. A lei de criação da EBC (11.652/08) prevê, por exemplo, produção e programação com finalidades educativas, artísticas e culturais; e veda o proselitismo político.

Ela ressaltou que a TV estatal deve divulgar informações dos poderes institucionais, enquanto a TV pública deve promover debates fundamentais para a sociedade, com pluralidade de visões, inclusive sobre o próprio governo. De acordo com ela, desde a fusão, há inserções de divulgação de atos do Poder Executivo ao vivo, em qualquer horário de programação da emissora, o que configuraria proselitismo político.

“É impossível manter sobre uma mesma emissora de televisão, os interesses de fazer a divulgação dos atos do Executivo e a missão de manter uma emissora pública que não faça proselitismo político, que tenha pluralidade e acolha no seu interior visões diferentes sobre o governo instituído no país”, criticou. “Isso é desvio de função do que foi pensado pra EBC, inclusive porque desde que a TV Brasil foi fundida com a NBR, temos visto inúmeras inserções de atos do Poder Executivo para transmissões ao vivo durante a programação da EBC [TV Brasil], no horário infantil, em outros horários, portanto, em qualquer horário da programação da emissora, uma divulgação ao vivo de divulgação do Poder Executivo e isso fere o princípio da comunicação pública de não fazer proselitismo político”, aponta.

Reprodução/FNDC

Segundo Renata, o desmonte da EBC começou em 2016, quando o governo Michel Temer destituiu o conselho curador da empresa. Posteriormente, foi criado um comitê editorial e programação pela Lei 13.417/17 – mas que nunca foi, de fato, instalado – e hoje a empresa de comunicação pública não tem nenhuma instância de participação social. Portanto, uma experiencia contemporânea bastante diferente de todos os padrões internacionais de comunicação pública”, acrescenta.

Integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Jonas Valente destacou que entidades como Unesco e Organização dos Estados Americanos (OEA) recomendam a criação de veículos públicos de comunicação, que existem em democracias avançadas, a exemplo da BBC inglesa e a TVE espanhola. “A comunicação pública não é uma invenção brasileira e pressupõe autonomia editoral”, salientou. Ele acrescentou que, com a TV digital, é possível manter dois canais na mesma faixa de programação sem que isso implique uso de mais recursos.

Recursos

Por sua vez, Alexandre Graziani Júnior defendeu a otimização de recursos da empresa. Ele afirmou que EBC estava numa situação delicada e que muitos pregavam sua extinção, e que houve um esforço da atual gestão para manter a empresa. Na visão dele, a cobertura da posse do presidente da República, Jair Bolsonaro, feita pela primeira vez com mais 50 câmeras, é uma das mostras do talento da EBC.

“Na nossa interpretação, estamos dentro da constitucionalidade, [ao decidir] a complementariedade do canal, em um único veículo. A unificação da programação da TV estatal com a da TV pública, para nós, é coerente. Nós estamos publicizando atos e matérias do governo federal, portanto, está em consonância com a otimização de recursos”, disse.

Conforme o diretor-presidente, o custo operacional da EBC previsto 2019 é de R$ 617 milhões, sendo R$ 461 milhões de gastos com pessoal; R$ 144 milhões para custeio e R$ 11,5 mil para investimento. A empresa conta com 1.973 colaboradores.

Deputados governistas também apoiaram a fusão das TVs pública e estatal como forma de otimizar verbas. Foi o caso de General Girão (PSL-RN), que disse que o Estado não tem mais capacidade de contratação. Segundo ele, a fusão proporciona corte de 500 cargos. “Se o Estado está economizando, onde se está perdendo?”, questionou.

Já o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) foi crítico à fusão, que ele classificou como uma decisão “malandra” a decisão do atual diretor da EBC. “Não há como aceitar como normal esta malandragem de incorporar uma TV Pública a uma TV estatal para fazer o papel tão somente de TV estatal”, disse.

Durante o encontro, a ex-presidente da EBC, Tereza Cruvinel, afirmou que a rede de comunicação está sucumbindo aos atos de desestruturação da democracia que vem ocorrendo no Brasil. Ela lamentou que o atual diretor tenha feito uma exposição que passou “ao largo do motivo que culminou na realização da audiência, que foi a “criação de um ‘Frankenstein’, uma coisa híbrida, que viola frontalmente a Constituição”, criticou.

Para Tereza, que foi a primeira presidente da instituição, a atual situação da Empresa Brasil de Comunicação tem uma íntima relação com o enfraquecimento das instituições democráticas brasileiras e que a comunicação pública só pode existir, como atributo, nas democracias mais avançadas.

Reprodução/FNDC

Censura

Na audiência, Gésio Passos, coordenador do Sindicato de Jornalistas do Distrito Federal, denunciou casos de censura pela direção da empresa. Ele afirmou, por exemplo, que a renúncia do deputado eleito Jean Wyllys ao mandato não foi noticiada pela EBC, sendo que a empresa tem 350 jornalistas em Brasília. No caso da reforma da Previdência (PEC 6/19), conforme Passos, só os defensores da medida estão sendo ouvidos pela TV pública. Ele lembrou que a lei prevê autonomia da emissora em relação ao governo para definir produção e programação de conteúdo. Ainda segundo ele, oito em cada dez empregados já sofreram com assédio moral dentro da empresa.

FNDC

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