Entidades e deputadas vão ao MPF por prisão de Sara Winter
São Paulo – “Ante a incontestável demonstração dos fatos e torpeza da representada, que reprisa condutas já reprovadas juridicamente, serve a presente para requerer a imediata postulação de revogação do benefício da prisão domiciliar em que se encontra a representada (Sara Giromini, a Sara Winter), para novo decreto de prisão e recolhimento ao Presídio Feminino de Brasília.” O trecho compõe ação enviada à Procuradoria da República no Distrito Federal, em que cinco entidades pedem que a ativista bolsonarista de extrema direita conhecida como Sara Winter volte à prisão, após tornar públicas em redes sociais informações pessoais da menina de 10 anos que engravidou após anos de estupro por um tio, no Espírito Santo, e foi submetida a um aborto legal em Recife.
Na petição encaminhada ao Ministério Público (leia a íntegra aqui), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), União de Mulheres do Município de São Paulo, Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do TJ-SP (AASPTJ-SP), Instituto Vladimir Herzog e Conselho Regional de Psicologia de São Paulo afirmam que Sara Winter “fez irromper sua fúria compulsiva pela violação da ordem democrática de direito, mobilizando suas hordas para revitimizar uma criança de apenas 10 anos”.
Desrespeito e crime
A bolsonarista divulgou também o endereço do hospital onde se encontrava a criança vítima da violência sexual e chamou o médico responsável pelo procedimento de “aborteiro”. Os advogados argumentam que Sara Winter descumpriu restrições e condições impostas quando lhe foi concedido o direito de cumprir prisão domiciliar.
Embora não haja uma legislação específica sobre o aborto no país, o procedimento é expressamente autorizado pelo artigo 128 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/ 1940): “Não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.
Em outra frente, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), junto às deputadas Gleisi Hoffmann (PT-PR), Erika Kokay (PT-DF) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), entre outros parlamentares, protocolaram no Ministério Público Federal uma representação criminal contra a bolsonarista.
“Isso não pode ficar assim”
“O que ela cometeu é muito grave, fere várias leis e ameaça a infância. Direcionou não apenas ódio, mas um ato contra uma criança de dez anos, vítima de violência. Isso não pode ficar assim”, diz Maria do Rosário, coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
“Não quero fazer qualquer disputa com essa figura lamentável num ambiente político. Por mim, esqueceria que essa figura existe. Mas ela já havia sido responsabilizada e privada de liberdade por disseminação do ódio.”
Na ação enviada ao MP, as cinco entidades lembram que a extremista passou a ser investigada em inquérito no Supremo Tribunal Federal por “atos praticados” em redes sociais com ameaças às instituições, parlamentares, ministros do STF e suas famílias, e pela “ostensiva ocupação” de área pública em Brasília, liderando o grupo “300 do Brasil”, desmontado em junho pelo governo do Distrito Federal. Por ameaças a instituições, a “militante” chegou a ser presa em junho.
“Bestialidade humana”
Os signatários da ação enviada ao Ministério Público dizem que a menina foi vítima de “situações que desvelam a bestialidade humana”, e que, em seguida, foi atingida por “outra ação criminosa, dolosa”, por parte de Sara Winter, ao acionar seus seguidores em redes sociais, com a veiculação de “crimes de ódio”. A ação lembra que a proteção das crianças e adolescentes é prevista na Lei 8.069/90 (ECA) e também no Código Penal, legislação que Sara Winter violou ao expor o nome da criança e o hospital onde foi feito o aborto legal.
No Espírito Santo, a Defensoria Pública estadual conseguiu obter da Justiça do Estado, por liminar, na noite de domingo (16), a determinação para que Twitter, Facebook e YouTube retirassem do ar as publicações sobre a menina.
Maria Gabriela Agapito, coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Espírito Santo, diz que a responsabilidade das plataformas de rede é prevista no Marco Civil da Internet e nas regras gerais do Código Civil. “A lei impõe os deveres relacionados a condutas de terceiros, como foi neste caso”, afirmou, por mensagem enviada à reportagem.
“É uma decisão importante para demonstrar que existe a responsabilidade dos provedores em fazer um filtro dos conteúdos que tenham discurso de ódio e violem direitos, como no presente caso”, acrescentou.
Direito preservado
Quanto à criança, a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente protegem expressamente o direito à intimidade e privacidade, e também determinam que é dever do Estado, da sociedade e da família cuidar do seu bem-estar, lembra a coordenadora. “O ECA prevê a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente”,. Essa proteção abrange “a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”, conclui Maria Gabriela.