Entre o ódio e o preconceito, surge o próximo presidente dos EUA: Donald J. Trump

Trump venceu uma corrida apertada contra a ex-secretária de Estado e primeira-dama Hillary Clinton, ultrapassando a marca dos 270 delegados para formar a maioria do Colégio Eleitoral. O empresário, apesar de não ter carreira nenhuma na política nem qualquer qualificação que o colocasse à altura do cargo, viu sua pontuação subir gradativamente ao longo da noite, com a margem de vitória lentamente virando a seu favor. Os resultados dos estados sem preferências foi o fator determinante da vitória.

A polarização americana se mostrou mais presente do que nunca. Enquanto os estados costeiros dos dois lados votaram majoritariamente no Partido Democrata, de Hillary Clinton, o interior do país uniu-se a Trump em peso. A população rural, especificamente, contribuiu para virar estados que no passado eram dominados por correntes progressistas, mas um segundo grupo demonstrou uma preferência inusitada pelo candidato excêntrico: a classe trabalhadora dos estados mais pobres. Mesmo com o apoio pesado dos afro-americanos e mulheres estadunidenses, o Partido Democrata não conseguiu reverter a rejeição às velhas práticas políticas de Washington – representadas, sem dúvida, pela sua candidata, uma figura atuante há muitas décadas no jogo de poder.

O resultado vem ao final de uma campanha recheada de insultos e mentiras, em que os dois lados trocaram ataques como jamais se viu em uma disputa política naquelas terras. A disputa infectou o eleitorado, provocando manifestações de ódio ao longo da noite. Trump, um bilionário racista e misógino, construiu uma campanha centrada na xenofobia e na criminalização de sua oponente, que nas últimas semanas teve que enfrentar um escândalo diretamente ligado ao FBI. Isso criou uma onda de rejeição extremamente perceptível contra Hillary. Nos debates, Trump se portou com uma falta de educação inédita para um candidato ao cargo, que só pode ser compreendida como um sintoma do ódio profundamente arraigado no eleitorado norte-americano.

Hillary, por outro lado, dedicou sua campanha para denunciar o comportamento abertamente fascista de Trump, mas falhou em separar sua imagem dos magnatas da indústria armamentista e do mercado financeiro. Ao final, focou seu poder de fogo em uma suposta cumplicidade entre seu rival e o presidente russo, Vladimir Putin, insinuando interferência do governo daquele país no processo eleitoral.

Conforme foi se tornando claro que um vitória de Trump seria inevitável, as reações do mercado financeiro ao redor do mundo foram se tornando cada vez mais agitadas. As bolsas de valores asiáticos, que estavam abertas durante a apuração, sofreram forte queda, e as bolsas americanas acordaram com movimentações apavoradas de investidores internacionais.

Um dos dados mais relevantes conseguidos pelas pesquisas do jornal New York Times foi o dos motivos para a eleição de Trump: a maioria dos eleitores que escolheram o republicano disseram tê-lo feito na expectativa de “levar mudança a Washington e dar um basta na corrupção – um discurso muito similar ao da campanha de Aécio Neves em 2014, aqui no Brasil. Quase todos os eleitores, no entanto, expressaram desalento com o clima extremamente negativo das campanhas.

A vitória de Trump não é apenas uma bofetada no Partido Democrata, mas em grande parte da elite política e financeira norte-americana. O bilionário começou sua trajetória de campanha como uma piada interna do Partido Republicano, sem ser levado a sério nem mesmo por seus oponentes internos. Sua imensa fortuna pessoal, no entanto, facilitou a estabilização de sua candidatura, ao libertá-lo das exigências ideológicas que normalmente são impostas aos candidatos dos grandes doadores. Sem as amarras da política tradicional, Trump tornou-se uma espécie de avatar da anti-política nos Estados Unidos, desrespeitando tudo e todos diante de uma audiência de milhões. Tivesse sido seu oponente um ator igualmente afastado do controle das elites, como o senador progressista Bernie Sanders, talvez o tiro saísse pela culatra. Contra Hillary, porém, o discurso a atingiu em cheio.

Tal qual um Jair Bolsonaro que fala inglês, Trump acabou se tornando a incorporação do protesto da população contra uma prática política cada vez mais desconectada do mundo real. Também lá, chegou a hora de a esquerda fazer a auto-crítica.

Por Renato Bazan – Portal CTB

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