Equidade de gênero: o que isso quer dizer?
Entendemos a necessidade de olhar para as mulheres como um grupo específico pois vivemos em uma sociedade que discrimina mulheres por seu gênero. Criando um ambiente de desigualdade social, econômica e política.
De acordo com o relatório World Gender Gap 2020, do Fórum Econômico Mundial, no ritmo atual, seriam necessários 99,5 anos para que a igualdade de gênero fosse alcançada no mundo. Isso significa que a desigualdade entre os gêneros é uma realidade atual e histórica que resulta nas mais diversas formas de violência, opressão e desvantagens contra as mulheres.
A fim de eliminar essas divergências e desequilíbrios, a busca pela equidade de gênero se torna cada vez mais urgente em nossa sociedade. Mas você sabe o que isso quer dizer? É isso que tentaremos explicar nesse texto, então fique com a gente.
O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize! e o Instituto Mattos Filho, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre o que quer dizer equidade de gênero? Segue com a gente!
Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:
As raízes da discriminação contra a mulher
Para compreender a situação das mulheres no mundo hoje, antes de tudo, precisamos entender as origens da discriminação contra elas. Durante muito tempo, elas estiveram ausentes do debate e do espaço público, exercendo um papel secundário na sociedade principalmente em relação às questões políticas e econômicas.
Foi apenas na Idade Contemporânea (1789 – presente) que as mulheres conquistaram a cidadania, ganhando o poder de participar de forma ativa politicamente. Até então, as suas atividades se concentravam no âmbito doméstico e rural, não possuindo poder de decisão em assuntos considerados de maior relevância, como questões de ordem econômica (que envolvem, por exemplo, decisões sobre empregos e salários) e até mesmo pessoais, como questões matrimoniais (até os séculos XIX e XX era comum o casamento forçado ou arranjado, em que a mulher não decidia com quem casar). E essas conquistas aconteceram em momentos diversos para as mulheres a depender de sua raça ou etnia, já que no início da Idade Contemporânea mulheres negras ainda estavam submetidas à escravização em muitos países.
A liberdade em determinadas situações era praticamente inexistente e as mulheres não possuíam direitos que pudessem protegê-las. Desde os gregos antigos, a mulher era vista como um ser subordinado, em uma cultura onde apenas os homens podiam realizar trabalhos de alta importância, como cargos de liderança, e decidirem as políticas públicas da sociedade. Essa desigualdade foi enraizada por séculos, colaborando para um sistema patriarcal onde a cidadania das mulheres não era reconhecida.
Mas afinal, o que é um sistema patriarcal?
Você já deve ter ouvido falar em sistema patriarcal. Esse tema tem estado presente nos debates dos últimos anos e apareceu inclusive na aclamada série La Casa de Papel, em que a cena na qual uma das personagens dizia “que comece o matriarcado” (oposição ao patriarcado) viralizou pelas redes, reacendendo os debates.
Mas o que seria um sistema patriarcal? Ele pode ser entendido como uma forma de organização social na qual as relações entre os membros da sociedade são baseadas em uma hierarquia entre os seus grupos. Nessa hierarquia, os homens figuram no topo e as mulheres ficam abaixo deles.
A lógica parte de um modelo masculino de dominação e um exemplo básico refere-se à uma visão a respeito da família, em que o homem historicamente era considerado o chefe da família, responsável pela ordem e pelo sustento dos seus membros, enquanto a mulher era responsável pelos trabalhos do lar e por cuidar dos filhos (tarefas vistas como de menor prestígio social).
A sua submissão e exclusão de grande parte das atividades da sociedade perdurou por muitos séculos na história da humanidade, resultando, muitas vezes, em violência e discriminação. Durante a Idade Média (476 – 1453), por exemplo, as mulheres foram perseguidas por muitas vezes não se enquadrarem nos padrões sociais exigidos pela Igreja Católica. Você já deve ter ouvido falar em “bruxas” da Idade Média, não é verdade? Pois bem, elas eram pessoas que por não seguirem os dogmas propostos pela Igreja, eram condenadas e queimadas vivas pelo movimento da Inquisição. Você pode entender melhor esse contexto histórico e a situação da mulher ao longo do tempo no nosso texto sobre a história dos direitos das mulheres.
Agora que tivemos uma breve noção das condições desiguais nas quais as mulheres foram submetidas, podemos partir para a resposta da pergunta que guia esse texto: o que quer dizer equidade de gênero? Para isso, precisamos assimilar duas concepções essenciais: o que é equidade e o que é gênero.
O que significa equidade de gênero?
A concepção de equidade diz respeito ao reconhecimento das características próprias de um indivíduo ou grupo, em que se leva em consideração o direito de cada um com base na imparcialidade. Dessa forma, o princípio da equidade busca equilibrar a balança da justiça reconhecendo as diferenças, vulnerabilidades e necessidades particulares das pessoas.
Por exemplo, imagine que uma gestante necessita de atendimento médico urgente. Mas o hospital na qual ela foi levada está lotado. Seguindo o princípio de que todos devem ser tratados iguais, os pacientes que já estavam esperando atendimento deveriam ser tratados primeiro. Contudo, isso não seria o mais justo a ser feito. Assim, reconhecendo a necessidade que a gestante possui, o princípio da equidade prevê que é ela quem deve receber o atendimento primeiro, colaborando para a justiça social.
Já o gênero, segundo a antropóloga Adriana Piscitelli, refere-se ao caráter cultural das distinções entre homens e mulheres e entre ideias sobre feminilidade e masculinidade. Ou seja, gênero diz respeito às representações do masculino e do feminino na sociedade, não estando necessariamente vinculado ao sexo biológico. Isso significa que o gênero está vinculado com o comportamento e o papel social que são atribuídos a homens e mulheres, o que, consequentemente, cria estereótipos e generalizações.
É assim que expressões como “homem não chora” ou “mulher não sabe dirigir” nascem. Na verdade, tanto a função de dirigir quanto o ato de chorar não são em nenhuma maneira influenciados pelos órgãos genitais humanos, mas as expressões refletem a visão socialmente construída em relação a atos e comportamentos masculinos e femininos.
Dessa forma, o princípio da equidade visa garantir que independentemente de seu gênero, todas as pessoas devem ter as mesmas oportunidades para se desenvolver, com suas ações e opiniões sendo valorizadas igualmente. A equidade de gênero engloba uma compreensão formal, isto é, a garantia em lei que todas as pessoas devem receber um tratamento igualitário; e uma compreensão material, que abrange a ideia de que pessoas de gêneros distintos são diferentes e que as suas particularidades devem ser levadas em conta na garantia dos seus direitos e oportunidades.
Assim, direitos específicos devem ser construídos para lidar com as especificidades de cada gênero. Na verdade, alguns já foram criados, como no caso da Lei Maria da Penha, que combate a discriminação e a violência contra a mulher, e no caso dos direitos sexuais e reprodutivos. Ambos os assuntos são abordados em textos aqui no Equidade, vale a pena conferir.
Aplicando a equidade de gênero
Para ilustrar a questão da equidade de gênero, podemos pensar em uma situação real vivida pelas mulheres. Tanto em âmbito global, quanto nacional, há uma grande lacuna entre homens e mulheres na ocupação de espaços públicos, principalmente em relação a cargos de liderança. Segundo a ONU Mulheres, somente 6,6% dos chefes de Estado no mundo são mulheres. Isso significa que as condições socioeconômicas estruturadas historicamente as excluíram desses espaços. Por consequência, leis e políticas públicas que reconheçam a assimetria e as dificuldades enfrentadas por elas são essenciais, de forma a criar incentivos para a participação feminina nos espaços públicos. Caso contrário, a desigualdade será mantida.
Isso significa que as desvantagens sociais enfrentadas pelas mulheres se referem às relações injustas de gênero, baseadas em práticas em que os membros dominantes da sociedade (nesse caso os homens) possuem privilégios em relação aos demais membros. Como forma de combater os desequilíbrios, após muita luta dos movimentos sociais, diversos direitos relacionados às mulheres, como o direito à participação política, foram conquistados nos últimos tempos. Confira mais sobre isso no nosso texto sobre o que são os direitos das mulheres.
A equidade de gênero no Mundo e no Brasil
Após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, os direitos das mulheres ganharam uma promoção mundial na luta contra a violência e a exclusão social. Difundiu-se a compreensão de que a mulher sofreu opressões e foi subjugada historicamente, resultando na sua marginalização na sociedade. Diante disso, movimentos sociais, como os movimentos feministas, alertaram para a falta de leis e instrumentos jurídicos que tratem de maneira particular sobre as urgências femininas, como a busca por equidade de gênero.
Com isso, instrumentos internacionais de proteção dos direitos das mulheres foram elaborados, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), em 1979, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará, em 1994. Se você quiser se aprofundar sobre os direitos das mulheres no contexto internacional, você pode conferir o nosso texto sobre o Sistema ONU e as questões de gênero, em que falamos acerca das conquistas dos direitos das mulheres no âmbito da ONU.
A concepção da desigualdade de gênero também influenciou muitos países no mundo a elaborarem e implementarem leis nacionais que visam diminuir as distâncias sociais, econômicas e políticas entre homens e mulheres. Como no caso da Austrália, que na última década aprovou o Workplace Gender Equality Act 2012, visando reduzir a desigualdade de gênero no ambiente de trabalho no país. E do Reino Unido, que recentemente determinou que empresas com mais de 250 funcionários terão que divulgar a diferença de salários entre homens e mulheres que exercem as mesmas funções, conforme a lei The Equality Act 2010 (Gender Pay Gap Information) Regulations 2017. Atualmente, segundo o Fórum Econômico Mundial, os cinco países com mais igualdade de gênero são: Islândia, Noruega, Finlândia, Suécia e Nicarágua.
Os desafios do Brasil
A diferença salarial entre homens e mulheres ainda é um problema presente na realidade de diversos países, incluindo o Brasil. Segundo o IBGE (2019), se compararmos o rendimento médio dos homens com o das mulheres, veremos que elas recebem cerca de 22% menos do que eles, mesmo ocupando as mesmas funções.
Essa diferença é ainda maior quando a comparação é feita entre mulheres negras e homens brancos, em que a média salarial delas representa menos da metade da média salarial deles. Temos um texto apenas sobre a mulher no mercado de trabalho brasileiro aqui no Equidade, vale a pena a leitura caso queira saber mais sobre o assunto.
Mas, é claro que apesar da realidade desigual, aqui no nosso país a equidade de gênero busca ser implementada por meio de leis e políticas que visam proteger e garantir os direitos das mulheres. O mais importante documento em relação a esses direitos é a Constituição Federal de 1988, que prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Se você quiser saber mais, também temos um texto apenas sobre os direitos das mulheres no Brasil, em que explicamos de maneira mais aprofundada a história e a situação atual desses direitos no país.
Conclusão
A equidade de gênero diz respeito a uma tentativa de reparação histórica que visa eliminar toda e qualquer discriminação contra a mulher, a fim de estabelecer a igualdade entre homens e mulheres com base no reconhecimento das necessidades e características próprias de cada gênero, especialmente em relação à desvantagens e vulnerabilidades que as mulheres enfrentam enquanto grupo.
Segundo o Banco Mundial (2019), apenas Bélgica, Dinamarca, França, Letônia, Luxemburgo e Suécia podem ser considerados países onde não há mais desigualdade de gênero em relação a questões financeiras e legais. O mesmo estudo indica que as mulheres têm aproximadamente 75% dos direitos que os homens possuem no mundo todo. Esses dados mostram a importância do tema dos direitos das mulheres e indicam que ainda há o que ser feito para que a equidade seja estabelecida, principalmente em relação à políticas públicas universais.
Mas os dados também sugerem que em comparação com as grandes dificuldades enfrentadas pelas mulheres ao longo da história, atualmente temos condições econômicas e sociais mais favoráveis para que a justiça seja alcançada.
Que tal entender melhor sobre o processo histórico de lutas e conquistas das mulheres? Acompanhe o projeto Equidade e confira o nosso próximo texto, sobre a história dos direitos das mulheres.
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos das Mulheres”, confere o vídeo abaixo!
Ana Paula Chudzinski Tavassi
Eduardo de Rê
Mariana Contreras Barroso
Marina Dutra Marques
2- ALVES, José. Desafios da Equidade de Gênero no Século XXI. Florianópolis, Estudos Feministas 24(2), p. 629-638, 2016.
3- CASARINO, Tatyana et al. A Discriminação contra a Mulher: Análise Histórica e Contemporânea. Anais da 11ª Semana Acadêmica Fadisma Entrementes. 2014. Disponível em: < http://sites.fadismaweb.com.
4- LISBOA, Teresaa. Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero – Afirmando a Igualdade e Reconhecendo as Diferenças. Fazendo Gênero 9 – Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, 2010. Disponível em: < http://www.fg2010.wwc2017.
5- MATOS, Maureen L; GITAHY, Raquel R. A Evolução dos Direitos da Mulher. Colloquium Humanarum, vol. 4, nº 1, Jun. 2007, p. 74-90, 2007.
6- PISCITELLI, Adriana. Gênero: a história de um conceito. In: Almeida & Szwako. Diferenças, Igualdade. São Paulo. Berlendis & Vertecchia, 2009. Disponível em: < https://edisciplinas.usp.br/
7- RIOS, Raupp; PIOVESAN, Flávia. A Discriminação por Gênero e por Orientação Sexual. Seminário Internacional – As Minorias e o Direito. Serie Cadernos do CEJ, 24, p. 155-175, 2001. Disponível em: < http://www.clam.org.br/
8- VALADARES, Rafael; GARCIA, Janay. A Evolução dos Direitos da Mulher do Contexto Histórico e os Avanços no Cenário Atual. Âmbito Jurídico. Artigo de site. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.