Contee na rede: Escolas privadas querem desoneração; movimentos sociais rejeitam proposta

Escolas privadas de educação básica reivindicam ao governo federal a desoneração de suas folhas de pagamento para aumentar investimentos no setor, seguindo a lógica de uma emenda à Medida Provisória (MP) 601/12, ainda em tramitação, que garante o benefício para universidades privadas. As conversas entre governo federal, parlamentares e escolas divide a opinião de especialistas e militantes da área.

A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), que representa desde creches até faculdades particulares de todo o país, pleiteia a inclusão do setor no rol dos beneficiados com a liberação do pagamento de 20% sobre o valor do INSS da folha de pagamento em troca do recolhimento de 1% a 2% sobre o faturamento anual da empresa. A desoneração, que deverá vigorar até 2017, é permitida pela Medida Provisória 582/12, que tem entre os objetivos baratear os custos da produção de bens e serviços, aumentar a competitividade e forçar a redução dos preços.

A MP, que tramita na Câmara, pretende ampliar o grupo de beneficiados com a inclusão de setores da construção civil e varejista. O deputado Cândido Vacarezza (PT-SP) apresentou emenda na qual defende a inclusão de faculdades particulares. Representantes do ensino privado deverão pressionar integrantes da comissão mista responsável por analisar a medida, que se reuniu ontem (20).

“Sou contra imposto na educação e acho que a contribuição do governo seria zerá-lo. Defendo amplo investimento no ensino básico integral, para que o jovem já saia da escola com uma profissão”, afirmou o deputado. Para ele, “a opção que o Brasil fez é de oferecer ensino superior ser nas escolas privada”, setor que concentra o maior número de instituições. Ainda não há previsão de quanto o governo deixaria de arrecadar.

“Se fôssemos investir tudo na educação superior, iríamos deixar a educação básica sem recurso”, disse. “Acho que o Estado brasileiro pode contribuir retirando o imposto das universidades e exigindo que elas tenham melhor qualificação, paguem melhor seus professores, tenham mais laboratórios e mais doutores.”

Debate

A presidenta do sindicato dos professores da rede estadual paulista (Apeoesp) e integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Izabel Noronha, defende a aplicação de verbas públicas nas escolas públicas. Porém, admite que a medida em discussão não pode ser descartada num momento em que cresce a demanda por vagas. “Temos uma demanda considerável. O ingresso de 30 milhões de brasileiros na classe média, e de outros 22 milhões que saíram da linha de pobreza, houve aumento nas exigências dessa parcela por educação, qualificação. E como se faz isso de uma hora para outra?”, ponderou.

Conforme ela destacou, a proposta é semelhante a políticas já existentes, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que garantem inclusão no ensino superior e profissionalizante. “Temos de acompanhar atentamente todos os pontos, em especial o da regulação. Afinal de contas, não queremos que uma escola qualquer seja oferecida para os filhos da classe trabalhadora, que os estudantes sejam incluídos agora e excluídos mais tarde pela falta de qualidade”, disse.

O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, discorda da proposta. Para ele, analisando exemplos de desonerações em outros setores “o que se vê é que elas não trazem benefício de infraestrutura e o governo deixa de arrecadar. A União vai perder dinheiro para investir no sistema público”, avaliou. Atualmente 90% das matrículas são na rede pública, segundo levantamento da entidade.

A situação se agrava pois, de acordo com o especialista, o serviço oferecido pelos colégios particulares é, em sua maioria, “medíocre”. “Poucas escolas oferecem um serviço justo pelo que se paga. Nas avaliações oficiais. se você pegar as 200 melhores escolas públicas e as 200 melhores escolas particulares, a diferença não é tão grande”.

Para ele, a medida serviria apenas para aumentar o lucro dos empresários, que, “tradicionalmente são descomprometidos com a sociedade”. O deputado Vaccarezza discorda e avalia que “os impostos entram nos custos, e não no lucro das empresas”.

Sem contrapartida

Para a coordenadora-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Madalena Peixoto, o principal problema é que a proposta não obriga as escolas particulares a oferecerem contrapartidas pela redução de impostos. “O argumento é que a desoneração permitiria aumentar os investimentos, mas não deixa claro em quê. Pode ser no prédio, para aumentar o lucro do empresário, sem que ele tenha de baixar mensalidades, melhorar salários ou diminuir o número de alunos por sala, por exemplo.”

A entidade, que representa os professores e técnicos administrativos das escolas privadas, publicou ontem (20) uma nota contrária à proposta, também assinada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que representa professores e funcionários da educação básica pública. Pelo texto, mesmo com a isenção fiscal oferecida pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), que deve chegar a R$ 1 bilhão em 2013, “não houve qualquer redução de mensalidades por parte das instituições privadas. Pelo contrário, levantamento divulgado no mês passado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que as médias de reajustes só em janeiro deste ano variaram de 6,4% a 10,1%”.

A professora Amábile Pacios, presidenta da Fenep, argumenta que o setor está tão estrangulado por impostos quanto os demais. Segundo ela, a folha de pagamento representa 70% do custo operacional das escolas. “É um setor em que a mão de obra é altamente qualificada, com muitos mestres e doutores, e com todos registrados em carteira. Não há terceirização”, disse a presidenta. “Pleiteamos a desoneração para desafogar o nosso sistema de tantos impostos, que reduzem a nossa capacidade de investimentos.”

Com isso, segundo ela, o setor espera melhorar a infraestrutura das escolas, investir em capacitação e melhoria de salários, conceder bolsas e até mesmo reduzir o preço das mensalidades. “Mas não posso garantir que todas as escolas diminuirão esses valores”, ressaltou.

Amábile considera ainda a possibilidade de outra contrapartida em troca da desoneração: a oferta de vagas em sua rede. Muitas escolas têm períodos ociosos que poderiam ser aproveitados. Além disso, podem ser criadas novas vagas em creches, escolas de ensino fundamental e médio e até em faculdades. Segundo ela, embora muitas instituições já ofereçam vagas por meio do ProUni, é possível criar muitas outras. “O Brasil tem grande capacidade instalada no ensino particular, boas instalações, bons prédios e bons professores. Uma estrutura que deveria ser aproveitada pelo poder público”, disse.
A rede particular de ensino conta com 36 mil estabelecimentos, da creche à universidade, a maioria deles de médio e pequeno porte. Emprega 1,2 milhão de trabalhadores, atende a 16 milhões de alunos e gera 1,57% do PIB. É responsável por 15% das matrículas do ensino básico e 75% do ensino superior.

Segundo dados do Censo Escolar de 2011, do Ministério da Educação (MEC), no total das escolas particulares de ensino fundamental, 84% têm sala de leitura, 87% oferecem acesso à internet, em 60% há laboratórios de informática, apenas 48% têm quadras de esportes e só em 30% dependências e vias adequadas para alunos com deficiência ou mobilidade reduzida.

Por Cida de Oliveira e Sarah Fernandes, da Rede Brasil Atual

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