Especialistas apostam em Venezuela estável nos próximos anos
Qual o futuro político imediato da Venezuela? Existirá chavismo sem Hugo Chávez? Terá prosseguimento a chamada Revolução Bolivariana iniciada pelo ex-presidente venezuelano? Essas perguntas são recorrentes em todos os debates e análises desde a morte de Chávez. Ainda enlutada, com centenas de milhares de pessoas em Caracas se dirigindo para ver o corpo do “comandante”, como o ex-presidente era chamado com orgulho pelos mais pobres, a Venezuela despertará em poucos dias para uma nova realidade política. Nela, serão testadas a força da oposição antichavista e a capacidade de as forças governistas, com Nicolás Maduro à frente, superarem suas diferenças e se manterem unidas.
Independentemente da provável vitória nas novas eleições presidenciais que serão realizadas em um mês, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) terá pela frente o desafio de não desmantelar a estrutura dada por Chávez à sua “Venezuela bolivariana”. O primeiro passo, segundo alguns especialistas, é manter a unidade política: “Isso vai depender do novo presidente. Se Maduro, o candidato indicado pelo Chávez, for eleito e conseguir compor com as diversas facções do partido, haverá estabilidade”, avalia Paulo Vizentini, que é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A diversidade nas fileiras do PSUV é grande: “O chavismo é formado por uma série de correntes que incluem movimentos cristãos, militares nacionalistas, grupos de esquerda e organizações sociais de cunho específico. Ele é, na verdade, um movimento muito amplo e variado”, diz Vizentini. O professor, no entanto, não crê que o cerne da política chavista seja modificado: “Qualquer candidato que recuar das políticas que estavam sendo feitas vai provocar uma reação popular forte porque a população venezuelana foi beneficiada por essas políticas do governo Chávez”.
Professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Miriam Saraiva afirma que “a Venezuela bolivariana terá ao menos uma sobrevida no curto prazo” pois, ao que tudo indica, Maduro deverá ganhar as próximas eleições: “Embora a Venezuela seja bem dividida entre os anti e os a favor do chavismo, por diferentes motivos (conquistas da população mais pobre, missões, pressões, recursos governamentais de propaganda, etc.) mais da metade da população é favorável ao governo. E o impacto da morte do Chávez tende, no curto prazo, a reforçar a ideia de fidelidade, quase como uma homenagem póstuma. Assim, poucos mudarão de voto em relação ao que votaram na última eleição”, avalia.
Um primeiro teste importante, segundo Miriam, será feito com “a capacidade de Maduro de liderar” o processo bolivariano sem ceder a pressões: “Ele não tem o carisma do Chávez – quase ninguém tem, na verdade – e isso faz falta. As possíveis divisões internas no PSUV também podem prejudicá-lo. Hoje, Maduro é, dentre as lideranças do PSUV, quem tem melhor receptividade da população. Mas, para manter um governo centralizado como o de Chávez, só outro Chávez. Acredito que a tendência agora é que o novo presidente tenha de dividir o poder com outros e isso sempre reduz sua capacidade de ação”.
O novo governo enfrentará importantes desafios, diz a professora da Uerj: “O primeiro deles é manter o PSUV unido. O Chávez atraiu diferentes matizes para o partido e, uma vez sem ele, divergências podem surgir. O outro desafio é enfrentar uma oposição que, se conseguir se manter unida (o que também é difícil), será uma força relevante sobre os rumos do país. Se a oposição se dividir, aí ficará mais fácil”.
Ameaças
Paulo Vizentini afirma que “o que dava unidade ao chavismo, de certa forma, era o líder, e o que pode lhes dar unidade agora é uma ameaça externa ou a oposição tentar se mobilizar”. Mas, ainda assim, ele diz não acreditar que as forças políticas do país apostem na radicalização: “Acho que não porque os governos dos países que poderiam estimular isso não estão interessados. Obama está começando um segundo mandato e agora poderá fazer as políticas que pretendia. Cuba está em um processo de transição. A vizinha Colômbia, que é uma peça-chave, está negociando com as Farc com a mediação venezuelana. Isso quer dizer que as pessoas que tentarem fazer alguma coisa internamente não receberão apoio. Pelo contrário, elas receberão ordens de se acalmar. Ninguém, no plano internacional, quer um conflito na Venezuela nesse momento”.
Outra ameaça, segundo os acadêmicos, é a relativa fragilidade da economia pouco diversificada do país: “Deixada a si mesmo, a Venezuela não vai conseguir mudar porque o petróleo é um dinheiro que entra fácil e não estimula a atividade produtiva dos outros setores”, diz Vizentini. Uma saída para o novo governo, segundo o professor da UFRGS, é apostar na integração continental: “A entrada da Venezuela no Mercosul foi um elemento importante e eu acho que vai ajudar a influenciar o novo governo a criar uma matriz produtiva diferente para que o país não fique só no petróleo”, diz.
‘Mais poderoso morto’
Miriam Saraiva diz acreditar que a economia venezuelana iniciará um período de maior transparência: “A presidência tinha também em mãos muitos recursos que não eram contados no orçamento nacional, o que sempre deu muita liberdade para Chávez aplicar em projetos próprios internos ou externos como, por exemplo, a Alba. Parte destes recursos vinha da estatal do petróleo PDVSA. Talvez fique difícil manter este quinhão obscuro e, se o novo presidente tiver de dar explicações ao Congresso ou mesmo a seus colegas de partido, vai perder um recurso importante de poder”.
Desafios à parte, quem pensa que os dias do chavismo estão contados pode se enganar redondamente: “Há muita gente excitada, achando que tudo vai mudar com a morte dele. Mas, eu diria que o Chávez talvez vá ser mais poderoso morto do que vivo. Por duas razões. Primeiro, por uma coisa típica da cultura política latino-americana. Veja o que aconteceu com Vargas, com Perón, com Che Guevara, que se tornaram ícones unificadores de determinadas políticas. Em segundo lugar porque, junto com Chávez, desaparecem os seus problemas humanos e alguns aspectos desorganizados de sua maneira de ser. Pode vir a ocorrer até mesmo uma organização melhor do Estado venezuelano”, diz Vizentini.
Por Maurício Thuswohl, da Rede Brasil Atual