Estudos mostram impacto da pandemia na educação e no mercado de trabalho da juventude brasileira

A digitalização do mundo do trabalho e a necessidade de adotar o ensino remoto durante a pandemia aumentaram as desigualdades entre jovens ricos e pobres no Brasil

A pandemia aumentou ainda mais as desigualdades entre ricos e pobres no país. Após dois anos, mesmo diante do sentimento de volta à normalidade da vida, os efeitos do fechamento das escolas, da redução da atividade econômica e da digitalização das empresas ainda impactam as juventudes, sobretudo as que estão em situação de maior vulnerabilidade. Para lidar com esse cenário no curto, médio e longo prazo, será preciso articular ações entre poder público, setor privado e sociedade civil com foco em inclusão, equidade e novas oportunidades de desenvolvimento.

Esses são alguns dos resultados apresentados nos estudos “O mercado de trabalho para as juventudes no Brasil pós-pandemia” e “Educação para as juventudes brasileiras depois da Covid-19”, elaborados pelo Porvir sob encomenda do Programa Jovens Construtores, implementado pelo CEDAPS (Centro de Promoção da Saúde) no Brasil. Lançados nesta semana junto com uma consulta feita a especialistas da área de educação, os dois trabalhos analisam como a pandemia impactou a vida dos jovens brasileiros, além de identificar tendências, caminhos e alternativas para reduzir desigualdades de acesso à educação e ao mercado de trabalho.

Os resultados serão usados pelo CEDAPS para orientar como o programa Jovens Construtores deverá contribuir com a educação básica no Brasil. “Compreender os efeitos da pandemia na educação e no mundo do trabalho na vida de jovens com os direitos mais violados foi crucial para adequar as ações do programa em vista a seguir criando oportunidades educacionais, sociais e econômicas sustentáveis para a juventude”, afirmou Melissa Abla, coordenadora da frente de juventude do programa Jovens Construtores, no CEDAPS.

A digitalização do setor de serviços reduz os empregos formais para jovens da periferia

No que se refere ao mundo do trabalho, o levantamento evidencia resultados da aceleração dos processos de digitalização, em especial no setor de serviços, maior empregador de jovens no Brasil. Com o redesenho do modelo de negócio das empresas para o atendimento em plataformas digitais, caiu a demanda por atendentes de call center, recepcionistas, auxiliares de escritório e caixas de supermercado, principais portas de entrada das juventudes de periferia no mercado formal de trabalho.

Ao mesmo tempo, cresceu a demanda por entregadores de aplicativo, tipo de trabalho que exime os empregadores de qualquer responsabilidade com seus empregados, oferece baixos salários e possui longas jornadas, embora venda a ideia de liberdade e empreendedorismo. O analista de tendências Henrique Dias exemplifica como esse mercado funciona: “eu tenho 10 reais para você fazer uma entrega. Eu te dou 10 reais e pronto. Se você quiser, terá de usar sua moto, sua jaqueta, seu capacete, e todos os riscos correm por sua conta”.

Cresce a desigualdade entre incluídos e excluídos digitais

Diante das poucas oportunidades de emprego, o relatório também mostra que o empreendedorismo é uma tendência crescente para geração de renda entre as juventudes. No entanto, o avanço dos novos negócios esbarra na dificuldade que os jovens enfrentam para conseguir crédito e formação especializada.

Outro ponto de destaque é a inclusão digital, que estabelece uma diferenciação entre as juventudes conectadas, que podem disputar as poucas vagas no mercado formal ou os bons espaços no mundo dos negócios; e os desconectados, para os quais estão reservados os subempregos e a “economia do bico”.

Os jovens precarizados no mundo do trabalho e ameaçados pela destruição de empregos, que se vislumbra com o avanço acelerado das tecnologias digitais, tem cor e classe social bem definidas: são pobres e negros

Diogo Tsukumo, do Itaú Educação e Trabalho, explica que “estamos diante de um novo analfabeto, o analfabeto tecnológico. Isso gera mais uma camada de exclusão e é preciso um novo modelo de formação que consiga dar conta desse problema.” No entanto, como aponta a professora Raquel Souza, analista de políticas públicas de ensino médio do Instituto Unibanco, “os jovens precarizados no mundo do trabalho e ameaçados pela destruição de empregos, que se vislumbra com o avanço acelerado das tecnologias digitais, tem cor e classe social bem definidas: são pobres e negros.”

Desigualdades na educação brasileira e o caminho para superar desafios

Na educação, os desafios também são grandes. O Brasil foi o país em que as escolas ficaram fechadas por mais tempo (cerca de 40 semanas no ano letivo de 2020, enquanto no resto da América Latina foram 20 e na Europa, 10 semanas). Até o início de 2021, 91,9% das redes públicas ainda funcionavam apenas por meio de ensino remoto.

Neste período, tanto nos anos finais do ensino fundamental quanto no ensino médio, os estudantes o sexo masculino, pardos, negros e indígenas, com mães que não finalizaram o ensino fundamental, foram os mais afetados pela pandemia, conforme apontou um um levantamento encomendado pela Fundação Lemann aos Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona (Clear), vinculado à Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP).

Para especialistas ouvidos pelo Porvir, compreender esse cenário e os seus diversos impactos é fundamental para construir estratégias de intervenção. “Precisamos de dados e indicadores objetivos, significativos, claros e que consigam trazer um mapeamento ao final de um período”, afirmou Luiza Iolanda Cortez, professora e integrante da equipe pedagógica da Comissão Executiva de Educação Integral da Paraíba.

O prioritário é ter um olhar sobre equidade. De largada temos que pensar em como promover equidade

Esse diagnóstico de como os estudantes foram afetados é fundamental para construir soluções diferentes para casos diferentes. “O prioritário é ter um olhar sobre equidade. De largada temos que pensar em como promover equidade”, alertou a especialista em educação Anna Penido, ao mencionar que é preciso oferecer mais para quem precisa mais.

Entre outras estratégias, a formação de professores e a adoção de novas metodologias de aprendizagem também foram apontadas como fundamentais para conter a evasão e resgatar o interesse dos jovens pela escola. “A primeira coisa que tem que ser feita é não perder os alunos. Se isso era uma tarefa difícil antes da pandemia, agora é muito mais. Todas aquelas políticas de tornar a escola mais interessante e mais atrativa, de promover uma coesão maior, melhorar o clima escolar, de fazer do professor alguém que possa conduzir uma aula de maneira ótima, de fazer com que o aluno se integre à escola, toda essa necessidade foi levada à vigésima potência”, indica Eduardo Mangrone, professor da Faculdade de Educação da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).

A desigualdade entre incluídos e excluídos digitais também cresce na educação

Assim como no mundo do trabalho, na educação também é identificado um abismo social em expansão entre as juventudes incluídas digitalmente e as excluídas. No que se refere ao acesso à conectividade para acompanhar as aulas remotas, dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) em abril de 2021 demonstraram que 4,3 milhões de estudantes brasileiros entraram na pandemia sem acesso à internet (96% destes, eram de escola pública).

A precariedade da conectividade e a falta de um espaço apropriado para os estudos em casa, somadas à queda da renda das famílias (exigindo que muitos jovens tivessem que contribuir financeiramente em casa), promoveram uma queda na capacidade de aprendizado dos estudantes e um aumento da evasão escolar. “Hoje tudo joga contra o jovem pobre, negro e periférico. Mais uma vez, a gente deixou bem nítido que existem dois lados. O coronavírus representa o mesmo mar para todos, mas alguns estão nele de iate, de barco e de navio, enquanto temos botes e gente nadando contra maré sozinho”, afirma o jovem André Luiz, co-fundador da TV DOC CAPÃO e responsável pela Base Capão, na zona sul de São Paulo.

Todos estes dados e depoimentos podem ser vistos em detalhe nos estudos “O mercado de trabalho para as juventudes no Brasil pós-pandemia” e “Educação para as juventudes brasileiras depois da Covid-19”, assim como outras tendências e possíveis caminhos para a superação deste cenário que ameaça o presente e o futuro do Brasil.

O Programa Jovens Construtores

Adaptado e implementado pelo CEDAPS no Brasil desde 2010, com assessoria do YouthBuild Internacional, o Programa Jovens Construtores tem apoiado a trajetória pessoal e profissional de jovens moradores de favelas e das periferias brasileiras, contribuindo para a elevação de escolaridade, empregabilidade, liderança comunitária e mudanças positivas nas suas vidas, assim como nas dos seus pares, famílias e comunidades.

No Brasil, o Jovens Construtores funciona como um programa intensivo, com 320 horas de duração, oferecido pelo CEDAPS em edições que acontecem em diferentes favelas e territórios periféricos no Rio de Janeiro, em parceria com organizações locais, e com experiências em outros estados, como Minas Gerais, Pará e Espírito Santo. O plano atual, em parceria com a Gerência de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, é levar sua metodologia ao ensino formal, como já aconteceu nos Estados Unidos e México. “O Jovens Construtores tem experiência em engajar estudantes que não se conectam ao sistema escolar tradicional e se beneficiam de modelo de aprendizagem alternativo. Por meio de estratégias culturalmente relevantes, que levam em conta os impactos de situações traumáticas e uma abordagem de design universal de aprendizagem, o programa oferece aos estudantes em vulnerabilidade a oportunidade de serem bem-sucedidos. Por isso, permitir que o programa Jovens Construtores coloque esse conceito em prática dentro do sistema regular será um passo importante para a melhora de todo o sistema educacional”, afirma Phil Matero, diretor executivo da Escola YouthBuild da Califórnia.

Porvir

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