Exigência de antecedentes criminais nas escolas tem potencial ideológico
Coletivo Jurídico debateu a Lei 14.811, de 12 de janeiro de 2024, que acrescentou ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinação para que estabelecimentos de ensino públicos e privados mantenham fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus empregados
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
A reunião do Coletivo Jurídico da Contee, realizada ontem (26), teve como objetivo discutir o que e como fazer para enfrentar a exigência de certidão de antecedentes criminais, de professores e administrativos, atualizada a cada seis meses.
Inicialmente, todos os participantes manifestaram suas preocupações com essa exigência, já levada a cabo em diversas instituições de ensino, indagando:
– com que finalidade ela foi convertida em lei;
– se há compatibilidade entre ela e a garantia de presunção de inocência, assegurada pelo Art. 5º, LVII, da Constituição Federal;
– qual orientação as entidades devem dar aos seus representados, quando se depararem com essa exigência: se devem ou não a atender;
– quais são as possíveis consequências advindas de eventuais certidões positivas de antecedentes criminais: se ensejam e autorizam demissão por justa causa, se podem ser divulgadas e se terão repercussão no futuro da vida profissional daqueles que a apresentarem.
Indagaram, ainda, com que propósito o projeto originário (PL 4224/2021), de autoria do deputado federal Osmar Terra, teve seu conteúdo alterado pelo relator de plenário, deputado Altineu Côrtes, sem nenhum fundamento, como se constata pelo simples cotejo entre eles.
O PL originário dispunha:
“Art.5º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar com as seguintes modificações: “Art. 59-A. Todas as instituições sociais, privadas ou públicas, que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes deverão manter cadastro junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Parágrafo único. Além do cadastro previsto no caput, as instituições sociais deverão manter fichas cadastrais de todos os seus colaboradores”.
Em sua justificativa, o autor do PL argumenta, a título de introdução:
“A presente proposição legislativa tem por objetivo também alterar o Código Penal, a Lei de Crimes Hediondos, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei n° 12.594, de 18 de janeiro de 2012, com o objetivo de instituir medidas de proteção à criança e ao adolescente contra violências”.
O relator, deputado federal Altineu Côrtes, asseverou em seu relatório, dentre outros argumentos:
“A nossa proposta de substitutivo ao presente projeto de Lei pretende estabelecer medidas de proteção às crianças e aos adolescentes contra violências em estabelecimento educacional ou similar, através da institucionalização de um protocolo de segurança escolar, sob a coordenação do Poder Executivo Municipal e do Distrito Federal e em conjunto com os órgãos de segurança pública, saúde e comunidade escolar. Importante destacar a importância da institucionalização e construção coletiva do protocolo de segurança escolar em todos os entes federados, a fim de garantir medidas de proteção às crianças e aos adolescentes contra qualquer tipo de violência, tais como, física, psicológica, sexual, bullying, porte de drogas, armas brancas ou armas de fogo, roubos, furtos, ameaças, racismo, discriminação e atentados.
No âmbito das escolas e com a potencialização das redes sociais, o ambiente eletrônico torna mais ativo e recorrente as agressões, podendo chegar à sua forma mais odiosa, a agressão física. […] Os objetivos da a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente são os seguintes: a) aprimorar a gestão das ações de prevenção e de combate ao abuso e exploração sexual da criança e do adolescente; b) contribuir para fortalecer as redes de proteção e combate ao abuso e exploração sexual da criança e do adolescente; c) promover a produção de conhecimento, a pesquisa e a avaliação dos resultados das políticas de prevenção e combate ao abuso e exploração sexual da criança e do adolescente; d) garantir o atendimento especializado, e em rede, da criança e do adolescente em situação de exploração sexual e às suas famílias; e) estabelecer espaços democráticos para participação e controle social, priorizando os conselhos de direitos da criança e do adolescente. A Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente será detalhada em um Plano Nacional, e reavaliada a cada dez anos, a contar de sua elaboração. […] Portanto, cabe a nós, este grande exército mundial de proteção, agirmos para garantir os seus direitos.
Por todo o exposto, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania somos pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto de Lei nº 4.224/2021 bem como dos substitutivos adotados pelas comissões de: Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família. No mérito, somos pela APROVAÇÃO do Projeto de Lei nº 4.224/2021, na forma do Substitutivo que ora apresentamos
Art. 9º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 59-A e 247-C: ‘Art. 59-A. As instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes, desde que recebam recursos públicos, deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, que deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses. Parágrafo Único. Os estabelecimentos educacionais e similares, públicas ou privadas, que desenvolvem atividades com criança e adolescente, independentemente de recebimento de recursos públicos, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas, de todos os seus colaboradores”.
Após esse cotejo, os participantes do Coletivo Jurídico concluíram que a inclusão de exigência de apresentação periódica, a cada seis meses, de certidão de antecedentes criminais, apesar de ter como pretexto a adoção de medidas protetivas dos/as alunos/as, crianças e adolescentes, ao menos à primeira vista, se origina da mesma matriz ideológica da Escola Sem Partido — já declarada inconstitucional pelo STF, em ADI proposta pela Contee — e da sistemática e progressiva afronta ao princípios constitucionais insertos no Art. 206, incisos II e III, consubstanciados na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, e no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Concluíram também que tal exigência tem potencial ideológico para transformar o já conturbado exercício da função de magistério em verdadeiro calvário dos profissionais da educação escolar, sobretudo os/as professores/as, em nada contribuindo para a consecução do seu objetivo formal.
Concluíram, ainda, por sugerir à Contee que expanda o debate sobre a questão, nele incluído a proposição de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) perante o STF, com a finalidade de obter sua inconstitucionalidade. E mais: sugerir aos sindicatos que procurem, com urgência, as entidades patronais com vistas a discutir com eles a aplicação da lei, sem danos aos profissionais, às escolas e ao ensino. Dentre as medidas possíveis, com esse objetivo, pode se destacar a expedição de recomendação conjunta.
Finalmente, concluíram que, enquanto a lei vigorar, os sindicatos não devem orientar seus representados a não atender à exigência, orientando-os, contudo, a procurá-los imediatamente após recebê-la.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee