Fadiga de inteligência artificial’: novo fenômeno está prejudicando equipes e causando perdas milionárias, alertam pesquisadores
Um novo desafio no ambiente de trabalho vem chamando a atenção de especialistas em produtividade e comunicação: a chamada “fadiga de IA”. Pesquisadores afirmam que o uso crescente de ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT da OpenAI, está afetando a capacidade de colaboração entre equipes e gerando impactos econômicos significativos.
O professor Jeff Hancock, de Stanford, foi um dos primeiros a perceber o problema em 2022, logo após o lançamento do ChatGPT para o público em geral. Ao corrigir tarefas de seus alunos, Hancock notou algo estranho: “Elas pareciam boas, mas não totalmente corretas. E então, como eu tinha 100 alunos, pude ver que outras 10 tarefas pareciam exatamente iguais, com o mesmo tipo de incorreção.”
Os textos produzidos apresentavam muito conteúdo sem substância, repetitivo e excessivamente prolixo — um estilo que parecia preencher espaço sem realmente avançar o trabalho. “Parecia que o trabalho estava avançando, mas na prática não estava”, disse Hancock em entrevista à CNBC Make It.
O que é “workslop”?
A pesquisadora Kate Niederhoffer também enfrentou dificuldades semelhantes. Ela relata que, ao revisar resumos de sua pesquisa produzidos por colegas, percebeu que muitos não compreendiam o trabalho de fato. “Ler mensagens que não atingiram o alvo parecia um esforço profundo”, afirmou. “Normalmente leio rápido, então pensei: ‘Por que isso exige tanto esforço? E também é tão confuso?’”
Essa sensação de frustração, comum ao lidar com textos produzidos por IA que parecem completos, mas são superficiais ou confusos, recebeu um nome: “workslop”. O termo descreve a experiência de ler um documento ou mensagem tão complexa, imprecisa ou truncada que você se pergunta: “Espere, um humano escreveu isso ou é IA?”
Impactos nas equipes e na produtividade
Segundo os pesquisadores, o “workslop” não é apenas um incômodo acadêmico. Ele está afetando equipes em diferentes tipos de negócios, prejudicando a comunicação, atrasando projetos e diminuindo a produtividade. Em termos financeiros, os prejuízos podem ser expressivos, chegando a milhões de dólares, especialmente em empresas que dependem de relatórios detalhados, análises e tomada de decisão rápida.
Hancock e Niederhoffer alertam que, embora a IA possa acelerar tarefas e gerar textos rapidamente, o excesso de material impreciso ou mal estruturado exige mais esforço humano para interpretação e correção, criando um efeito contrário ao esperado: menos eficiência, mais confusão e desgaste para os colaboradores.
“É um fenômeno novo, mas já percebemos seu impacto real em equipes e fluxos de trabalho”, afirmam os pesquisadores. “Não se trata apenas de tecnologia ou inteligência artificial, mas de como ela está transformando a dinâmica do trabalho em equipe.”
À medida que o uso de ferramentas de IA cresce no ambiente corporativo, especialistas reforçam a necessidade de estratégias para mitigar o ‘workslop’, como treinamentos específicos, revisão humana e definição clara de objetivos na produção de conteúdo digital.
“Workslop” é mais comum do que se imagina
O fenômeno conhecido como “workslop” — definido como “conteúdo de trabalho gerado por IA que se disfarça de bom trabalho, mas não tem substância para avançar significativamente em uma determinada tarefa” — está se tornando uma realidade concreta no ambiente corporativo. A constatação vem de uma pesquisa conduzida pela BetterUp, onde Kate Niederhoffer atua como vice-presidente dos laboratórios de pesquisa, em parceria com o Stanford Social Media Lab, dirigido pelo professor Jeff Hancock.
Segundo os dados, cerca de 40% dos trabalhadores nos EUA relataram ter recebido trabalho de baixo valor no último mês. A pesquisa envolveu 1.150 funcionários em tempo integral e mostrou que, em média, 15% do conteúdo recebido se qualifica como trabalho inútil, de baixo esforço e gerado por IA. Embora ocorra em todos os setores, o fenômeno é especialmente perceptível em serviços profissionais e tecnologia.
Um exemplo real relatado por um trabalhador financeiro ilustra o impacto: “Isso criou uma situação em que eu tive que decidir se eu mesmo reescreveria, se ele reescreveria ou se simplesmente diria que estava bom o suficiente.” Situações como essa aumentam a carga de trabalho de quem recebe o material, gerando frustração e atraso em tarefas críticas.
Outro entrevistado, diretor de varejo, relatou: “Tive que perder tempo conferindo informações que recebi e fazendo minha própria pesquisa. Depois, ainda precisei marcar reuniões com outros supervisores para resolver o problema. No fim, continuei tendo que refazer o trabalho sozinho.”
Como identificar o “workslop”
De acordo com Hancock, sinais reveladores incluem o uso de “prosa roxa”, ou seja, textos excessivamente longos e rebuscados para transmitir uma ideia simples. O fenômeno pode se manifestar de diversas maneiras: códigos mal escritos, apresentações incompletas ou e-mails com redação confusa. O efeito é o mesmo: o destinatário precisa investir esforço adicional para compreender o material, o que mina a confiança e prejudica a produtividade da equipe.
Niederhoffer reforça que a percepção sobre o trabalho malfeito também afeta relações profissionais. “Por que fizeram isso?”, questiona. “Será que não conseguem terminar o trabalho sozinhos? Não confio neles. Não quero trabalhar com eles de novo.”
O resultado, segundo os pesquisadores, é um ciclo prejudicial de confusão, frustração, esforço desperdiçado e julgamentos pessoais. A sensação de receber conteúdo inútil ou mal estruturado, ainda que gerado por inteligência artificial, pode impactar a colaboração e a eficiência de equipes inteiras, gerando consequências que vão além do indivíduo e afetando milhões de dólares em produtividade perdida em empresas de todos os tamanhos.
O “imposto invisível” do workslop: US$ 9 milhões perdidos por ano
À medida que o uso de inteligência artificial no trabalho cresce, um novo tipo de custo surge: o chamado “imposto de produtividade” causado pelo workslop. Segundo dados da Gallup, a adoção de IA no ambiente corporativo dobrou desde 2023, passando de 21% para 40%. No entanto, 95% das organizações não veem um retorno mensurável sobre seus investimentos, de acordo com um relatório recente do MIT Media Lab.
Pesquisadores da BetterUp e do Stanford Social Media Lab apontam que a disseminação de conteúdo de baixo valor gerado por IA é uma das principais razões para essa falta de retorno. Trabalhadores que lidam com workslop relatam gastar, em média, uma hora e 56 minutos por diatentando interpretar ou corrigir o trabalho de colegas. Traduzindo para valores monetários, isso equivale a aproximadamente US$ 186 por mês por funcionário.
Em empresas maiores, o impacto é ainda mais expressivo. Para uma organização com 10.000 trabalhadores, a perda anual de produtividade pode chegar a US$ 9 milhões, sem considerar eventuais ganhos que a própria IA possa gerar.
O diretor fundador do Stanford Social Media Lab, Jeff Hancock, observa que o problema vai além do simples custo financeiro. “Agora que a parte [do esforço] acabou, posso gerar muito conteúdo inútil ou improdutivo com muita facilidade”, afirma. Ele compara a situação ao trabalho desleixado tradicional: antes, era necessário algum esforço humano para produzi-lo; com a IA, o mesmo resultado é alcançado quase instantaneamente, aumentando drasticamente o volume de material improdutivo.
Impacto emocional e interpessoal
Além do prejuízo econômico, o workslop tem um forte efeito emocional e social dentro das equipes. Cerca de 53% dos trabalhadores dizem sentir incômodo, 38% relatam confusão e 22% se sentem ofendidos ao receber conteúdo de baixo valor gerado por IA.
A percepção sobre colegas também muda: aproximadamente metade dos profissionais considera seus colegas menos criativos, capazes e confiáveis após receber trabalho descuidado. Um em cada três funcionários admite notificar supervisores ou colegas sobre o problema, enquanto uma parcela semelhante afirma sentir-se menos inclinada a colaborar com quem produziu o conteúdo problemático.
Para Kate Niederhoffer, vice-presidente dos laboratórios de pesquisa da BetterUp, o impacto humano se dá principalmente pelo “deslocamento do fardo”: o trabalho inútil gerado por IA é passado para outra pessoa sem que haja reconhecimento do esforço adicional necessário. “As pessoas esquecem disso porque pensamos na [IA] como uma ferramenta com a qual trabalhamos sozinhos, mas, na verdade, ela está mediando o trabalho entre humanos”, explica.
Segundo os pesquisadores, esse fenômeno não apenas reduz a produtividade, mas também mina a confiança entre colegas, aumenta o estresse e cria um ambiente em que a colaboração genuína se torna mais difícil. Em um mundo corporativo cada vez mais dependente de IA, entender e mitigar o workslop tornou-se um desafio central para equipes, gestores e líderes de tecnologia.
Redução de folgas e a necessidade de orientação no uso da IA
Para minimizar o impacto do workslop e os prejuízos que ele causa, pesquisadores alertam que a responsabilidade recai sobre as próprias organizações que adotam a inteligência artificial no ambiente corporativo.
Segundo Jeff Hancock, do Stanford Social Media Lab, é essencial que as empresas adotem uma abordagem organizada e estratégica para o uso da IA. Sem orientação clara, os trabalhadores podem se sentir em uma situação de dilema: se não utilizarem a IA, temem ficar para trás; se utilizarem, arriscam ser julgados por entregar trabalho inferior ou automatizado.
“O que reduz a ociosidade é o comprometimento da equipe com a qualidade das tarefas”, afirma Hancock. Ele ressalta que os times devem investir tempo conversando sobre como usam a IA, discutindo melhores práticas e analisando aplicações adequadas às suas necessidades específicas.
Para Kate Niederhoffer, vice-presidente da BetterUp Labs, o problema vai além do uso errado da ferramenta: “A IA pode ser incrível, mas está em total contraste com esse modo de copiar e colar, onde você simplesmente deixa a ferramenta fazer todo o trabalho para você e se esquece de deixá-la aumentar suas competências humanas.”
A transparência é outro ponto crítico. Hancock explica que, ao utilizar um chatbot de IA para acelerar uma tarefa, como criar uma apresentação com pressa, é importante informar colegas sobre o uso da ferramenta. Dessa forma, os colegas conseguem compreender os prompts utilizados, o objetivo do trabalho e preencher eventuais lacunas, tornando a colaboração mais eficiente.
Além disso, Niederhoffer enfatiza que os líderes devem promover autonomia humana e mentalidade experimental, permitindo que os trabalhadores explorem como a IA pode lhes dar mais controle sobre suas tarefas. Os gestores precisam apresentar motivos claros para o uso de determinadas ferramentas de IA em projetos específicos e fornecer orientações, políticas e treinamentos adequados.
“Ter alta autonomia sobre a IA pode ser incrível”, diz Niederhoffer, “mas está em forte contraste com o modo de copiar e colar, onde você apenas deixa a ferramenta fazer todo o trabalho e esquece de usá-la para aprimorar suas competências humanas.”
O consenso entre os pesquisadores é que apenas com orientação, comunicação clara e foco na qualidade do trabalho será possível reduzir a folga gerada pela IA, preservar a produtividade e garantir que as ferramentas tecnológicas complementem, e não substituam, o esforço humano.
Com informações de CNBC*




