“Falar é a melhor solução”: Marx sobre o suicídio
Em todo 10 de setembro é realizado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, proposto em 2003 pela Associação Internacional para Prevenção ao Suicídio, resultado de uma parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o movimento começou em 2014, e tem por símbolo o laço amarelo. Segundo o Centro de Valorização da Vida (CVV), o lema deste ano, “Falar é a melhor solução” busca a quebra de tabus e o enfrentamento do problema. É preciso saber como preveni-lo e isso só se sabe com informação e conhecimento. Por isso, é preciso falar.
Em 1846, Karl Marx ainda estava elaborando seu sistema materialista dialético de análise da história, quando publicou no “Espelho da Sociedade” um ensaio intitulado “Peuchet: sobre o suicídio”. “Espelho…” era o Órgão de Representação das Classes Populares Despossuídas e de Análise da Situação Social Atual” da Alemanha. O materialismo dialético ainda não estava consolidado, mas, como diz Matheus Felipe de Castro no seu “O Papel do Humanismo na Formação do Pensamento do Jovem Marx”, o humanismo do jovem filósofo já estava ancorado “em temas que vão questionar a própria humanidade como produto, ou seja, como construção social a partir da auto-atividade humana, elemento de produção primeira da sociedade. Como ele mesmo expressara em sua VI Tese sobre Feuerbach, ‘A essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais’. A magnitude desta constatação é a verificação de que a natureza humana não é uma natureza abstrata, metafísica, imutável, mas na verdade uma natureza concreta, dos homens em sociedade, no burburinho da vida, no clamor das ruas, no vozerio da multidão, na luta de classes, na transformação constante da vida”.
No ensaio, realizado quando tinha 28 anos, Marx aponta que “a pretensão dos cidadãos filantropos está fundamentada na idéia de que se trata apenas de dar aos proletários um pouco de pão e de educação, como se somente os trabalhadores definhassem sob as atuais condições sociais, ao passo que, para o restante da sociedade o mundo, tal como existe, fosse o melhor dos mundos”. Alerta que o número anual dos suicídios “deve ser considerado um sintoma da organização deficiente de nossa sociedade; pois, na época da paralisação e das crises da indústria, em temporadas de encarecimento dos meios de vida e de invernos rigorosos, esse sintoma é sempre mais evidente e assume um caráter epidêmico. A prostituição e o latrocínio aumentam, então, na mesma proporção. Embora a miséria seja a maior causa do suicídio, encontramo-lo em todas as classes, tanto entre os ricos ociosos como entre os artistas e os políticos. A diversidade das suas causas parece escapar à censura uniforme e insensível dos moralistas”.
Marx relaciona várias motivações para os suicidas, como falsas amizades, acessos de desânimo, sofrimentos familiares etc. No ensaio, três dos quatro casos de suicídio abordados se referem a mulheres vítimas do patriarcado, ou “tirania familiar”, como ele chama. Cita também os “amores traídos”. Foi o que levou sua filha, Eleanor, em 31 de março de 1898 (Karl morreu em 1883), a cometer suicídio, aos 43 anos, após descobrir que seu companheiro, Edward Aveling, havia se casado secretamente, meses antes, com uma atriz bem mais jovem. Ela fez um pacto de morte com Edward – ele mudou de ideia, após ela ter tomado ácido cianídrico (algumas biografias insinuam que ele, na verdade, matou-a). Eleanor deixou um derradeiro bilhete para Edward: “Minha última palavra para você é a mesma que eu tenho dito durante todos estes longos, loucos anos – amor”.
Karl Marx cita ainda as “doenças debilitantes, contra as quais a atual ciência é inócua e insuficiente” como indutoras de suicídio. Em novembro de 1911, outra sua filha, Laura, suicidou-se, aos 66 anos, junto com o marido, Paul Lafargue, de 69. Coube a ele escrever a mensagem final do casal: “São de corpo e espírito, dou-me a morte antes que a implacável velhice, que me tirou um após outro os prazeres e gozos da existência, e me despojou de minhas forças físicas e intelectuais, paralise minha energia e acabe com minha vontade, convertendo-me em uma carga para mim mesmo e para os demais. Desde há alguns anos me comprometi a não ultrapassar os setenta anos; fixei à época o ano para minha marcha desta vida e preparei o modo de executar minha decisão: uma injeção hipodérmica de ácido cianídrico. Morro com a suprema alegria de ter a certeza de que brevemente triunfará a causa” (socialismo) “a que me entreguei desde há quarenta e cinco anos”.
Ou seja, Laura e Paul deram fim à vida para não viver a velhice, contra a qual, poderiam repetir Karl Marx, “a atual ciência é inócua e insuficiente”.
A cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio no mundo, segundo a OMS. Ela projeta para 2020 cerca de 1,53 milhão de mortes voluntárias. Um sintoma da organização deficiente de nossa sociedade, como alertou Marx. Falar é preciso.
O livro Sobre o suicídio pode ser lido aqui
Carlos Pompe