Federal do ABC aposta em pesquisa, e 100% dos professores são doutores
Em cinco anos de existência, a Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André, coleciona uma série de indicadores dificilmente encontrados em uma instituição de ensino superior ainda em processo de estruturação. É a única universidade brasileira com 100% do quadro de 425 professores titulados com doutorado – com mais de 75 anos de história, a Universidade de São Paulo (USP) tem 96% de doutores à frente das aulas e pesquisas. A universidade do ABC adota postura agressiva em relação à pesquisa: em cinco anos abriu 14 programas de pós-graduação, e seus pesquisadores publicaram cerca de mil artigos científicos, com ênfase em estudos sobre nanociências, neurociências e cognição, simulação computacional, novos materiais e energia.
A UFABC também lançou no país o modelo pedagógico dos bacharelados interdisciplinares (BIs), graduação com três anos de formação geral, com uma grade curricular livre, seguida de curso de formação específica, como engenharias, licenciaturas ou ciências da computação. Um desses bacharelados, o de ciência e tecnologia, foi o curso mais procurado em 2011 no sistema unificado de seleção pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com 16,3 mil inscrições para 1,5 mil vagas, média de 11 candidatos por vaga.
Para o vice-reitor da universidade, o físico Gustavo Martini Dalpian, os bacharelados interdisciplinares são a maior prova de que, dentro da política de expansão do ensino superior federal, “a UFABC está dando certo”. “O projeto pedagógico foi desenvolvido cuidadosamente e com o objetivo de inovar. Quatorze universidades federais passaram a utilizar o mesmo modelo de bacharelados interdisciplinares, instituições particulares vêm conversar com a gente para tentar entender e eventualmente implantá-lo. A Escola Politécnica da USP criou um grupo de trabalho, do qual participa o nosso reitor [Helio Waldman], com o objetivo de reformular o currículo das engenharias, e uma alternativa é instituir um programa multidisciplinar semelhante ao BI para um curso inicial. É um indicador claro de que a proposta é boa e promissora”, avalia Dalpian.
“O curso é pesado, tem muito cálculo, física e computação. Já cansei de ficar por aqui estudando de manhã, à tarde e à noite”, relata Cláudia Januário, formada no bacharelado interdisciplinar de ciência e tecnologia e em licenciatura focada em química. A estudante conclui no fim do ano a especialização em química, que completa o ciclo de formação iniciado no bacharelado, e já está se preparando para emendar um mestrado sobre biologia molecular na própria UFABC.
“Aqui o aluno se torna o gerente da própria carreira, um físico pode saber muito de biologia, um engenheiro pode se especializar em física”, acrescenta o professor José Fernando Queiruga Rey, coordenador do bacharelado de ciência e tecnologia. “Montei meu currículo e fiz licenciatura junto com o bacharelado porque pretendo dar aulas na educação básica, mas ultimamente eu só tenho ficado no laboratório”, conta Cláudia, que está decidida a seguir carreira acadêmica. “Não dá para entender como não existia uma grande universidade pública por aqui com tanta empresa em volta. Na área química tenho vários amigos estagiando.”
Marco Camargo, formado nas primeiras turmas do bacharelado interdisciplinar e atualmente estudando engenharia de instrumentação, automação e robótica, está na quarta etapa de seleção para uma vaga de trainee na Siemens. Ele conta que “sofreu” no início do curso: “As turmas atuais estão mais bem servidas, com aulas de revisão para matemática e cálculo e uma infraestrutura muito melhor.”
Como ocorre na maior parte das universidades que estão no processo de expansão, os atrasos nas reformas são sempre lembrados pelos estudantes. Há duas semanas, nas comemorações dos cinco anos da fundação da UFABC, o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escaparam de sonoras vaias de um grupo de 50 estudantes, que protestavam contra o atraso nas obras da instituição e por melhorias em algumas políticas universitárias, como assistência estudantil. Ricardo Senese, presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE), atenta para o problema envolvendo os cursos de engenharia, considerados carro-chefe da universidade. “Os prédios de salas de aula e laboratórios das engenharias não saíram do chão.”
Apenas dois prédios e o restaurante universitário do campus principal, em Santo André, estão prontos. No campus São Bernardo do Campo, onde se concentram os bacharelados interdisciplinares voltados para humanas, as aulas ocorrem em espaço cedido pela prefeitura local. Mesmo assim, as instalações são novíssimas e modernas.
Na sede as salas de aulas têm ar-condicionado e projetores e os laboratórios são amplos, mas é possível notar carteiras usadas pelos alunos ainda embaladas em plástico, equipamentos encaixotados, e os laboratórios de ensino e pesquisa ainda não funcionam em plena capacidade. “O sistema de tubulação de gás, que permite o manuseio de maçaricos, ainda não chegou aqui”, conta um monitor de laboratório.
Segundo o vice-reitor, os dois blocos de oito andares abrigam satisfatoriamente os mais de 5,5 mil alunos atualmente matriculados. De fato, o espaço físico de proporções gigantescas indica que a universidade está sendo preparada para acolher mais de 10 mil estudantes nos próximos anos.
“Entregamos 50 mil metros quadrados de instalações, 80% do projeto original. A empreiteira não cumpriu o cronograma do contrato e perdeu o trabalho. No momento estamos fazendo nova licitação para mais 50 mil metros quadrados de obras, que contemplam um ginásio de esportes, um teatro, um torre de caixa d’água, um bloco anexo para laboratórios, salas para professores e estacionamento, além da marquise que vai cobrir toda a área externa”, explica Dalpian.
Fonte: Jornal Valor Econômico