FGTS: Do pau que nasce torto, até a cinza é torta
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Esta velha metáfora camponesa, já bem fora de moda, expressa com maestria a triste saga do FGTS, criado pela Lei N. 5.107, de 13 de setembro de 1966, que tinha por finalidade a supressão da estabilidade decenal, implantada pela Lei Eloy Chaves de 1923, e ratificada pelo Art. 492, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é de 1° de maio de 1943.
Ironicamente, em que pesem as suas origem e finalidade pecaminosas – metaforicamente falando -, que, em Direito seriam chamadas de fruto da árvore envenenada, o FGTS foi erigido pela Constituição Federal de 1988 à condição de direito fundamental social, conforme preconiza o Art. 7°, inciso III.
Pois bem. Se o FGTS foi elevado à condição de direito fundamental social, pela Constituinte de 1987 e 1988, transformando-o em uma das muitas medidas efetivas de valorização social do trabalho, que se caracteriza como um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, à disposição dos trabalhadores, dele beneficiários, para os momentos de infortúnio, tais como desemprego involuntário e doença, ou para investimento social, como a aquisição, quitação e amortização da casa própria, o mínimo que se pode e deve-se esperar é que, ao menos, seja preservado o seu valor real, para casos tais.
Aliás, a preservação do poder aquisitivo dos trabalhadores urbanos e rurais acha-se expressa e solenemente determinada pelo Art. 7º, inciso IV, da CF, que trata do salário mínimo; determinação que, a toda evidência, estende-se ao FGTS e a todos os demais direitos que expressam em valores financeiros.
Inquestionavelmente, a garantia de manutenção do valor real do FGTS, de modo a preservar o poder aquisitivo dos seus beneficiários, necessariamente, tem de se ancorar, no mínimo, na reposição da inflação, um dos mais cruentos e persistentes instrumentos de transferência de riqueza dos pobres para os ricos; e, por conseguinte, de enraizamento das nefastas desigualdades sociais, que grassam a nação brasileira há séculos.
No entanto, a Caixa Econômica Federal (CEF), que é a sua gestora, desde 1990, por determinação legal, em flagrante violação aos fundamentos e garantias constitucionais e legais, retroapontados, a partir de 1999, não só corrigiu as contas vinculadas por índices inferiores aos rendimentos auferidos pela aplicação do destacado fundo, bem como nem sequer lhe repôs a inflação, que persiste e insiste na dilapidação do poder aquisitivo dos trabalhadores.
Com isso, o FGTS, em termos reais, hoje, vale muito menos do que valia em 1999, haja vista a ilegal conduta da CEF de não lhe corrigir em obediência aos comandos constitucionais e legais.
Consoante a Nota Técnica N. 125, emitida pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) – acreditado ente que presta relevantes serviços à sociedade e aos trabalhadores, em particular, desde o ano de 1955 –, as contas vinculadas do FGTS perderam, a partir do ano de 1999, para os rendimentos auferidos por este fundo e, o que é pior, inclusive para a inflação, como faz prova a tabela abaixo.
Com base em estudo elaborado pela Consultoria Legislativa do Senado, valendo-se de informações fornecidas pela CEF, é possível confrontar o retorno recebido pelo FGTS e retorno pago aos cotistas, entre 2000 e 2011 (Quadro 2).
Evolução das taxas anuais de retorno da poupança e de cotistas do FGTS (%)
Período: Janeiro de 2000 a Dezembro de 2011
Data: 26/6/2013
Ano
|
Índices | ||
Poupança | Cotistas do FGTS | Diferença p.p | |
2000 | 7,7 | 5,1 | 2,6 |
2001 | 7,8 | 5,3 | 2,5 |
2002 | 8,2 | 5,7 | 2,5 |
2003 | 10,3 | 7,6 | 2,7 |
2004 | 7,3 | 4,8 | 2,5 |
2005 | 8,4 | 5,8 | 2,6 |
2006 | 7,6 | 5,0 | 2,6 |
2007 | 7,1 | 4,4 | 2,7 |
2008 | 7,1 | 4,6 | 2,5 |
2009 | 6,3 | 3,7 | 2,6 |
2010 | 6,2 | 3,7 | 2,5 |
2011 | 6,8 | 4,2 | 2,6 |
459,65 | 125,47 | 15,64 |
Fonte: DIEESE / Banco Central do Brasil
Elaboração: DIEESE / GO
A tabela acima comprova que, no período de 2000 a 2011, a inflação, medida pelo INPC do IBGE, foi de 120,14%; o rendimento do FGTS, de 226,98%; a correção das contas vinculadas, de 79,31%, o que implicou uma defasagem de 40,83% ponto percentuais em relação à inflação e de 147,67 pontos percentuais em relação aos rendimentos obtidos pela requerida.
Ante mais esse atentado contra os direitos dos trabalhadores, patrocinado pela União, ajuizaram-se milhares de ações de revisão do FGTS perante a Justiça Federal, tanto de natureza coletiva como individual; com a finalidade de uniformizar a jurisprudência sobre tais ações, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu sobrestar todas até que julgue a ação que possui o mesmo objeto.
O Partido Solidariedade ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), ação direta de inconstitucionalidade (ADI) – que recebeu o N. 5.090 e foi distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso -, questionando a forma de correção do FGTS, estabelecida pelo Art. 13 da Lei N. 8.036/90, e pelo 17 da N. 8.177/91.
Instados a prestar informações sobre a citada ADI, a Presidência da República, o Senado Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU) não só defenderam, de forma veemente e expressa, a forma inconstitucional que há mais de uma década vem sendo aplicada ao FGTS, com base na taxa referencial (TR), bem como sustentaram, sem nenhum pejo, que “o FGTS seria uma espécie de poupança compulsória dos trabalhadores, de forma a socorrê-los em períodos de necessidade devidamente previstos em lei, e não um crédito que precise ser corrigido monetariamente conforme a inflação”.
O Banco Central e a Defensoria da União foram além e requereram o seu ingresso na ADI, como amicus curiae (amigo da corte), assegurado pela Lei N. 9.868/99, para defender a repisada tunga.
Como alguém que tenha o mínimo respeito pelos fundamentos da República Federativa do Brasil, dos valores sociais (Art. 1º, inciso IV, 170 da CR), do primado do trabalho (Art. 193 da CR) e do bem-estar e da justiça sociais (Art. 193 da CR) pode afirmar que um patrimônio do trabalhador não precisa ser corrigido, ao menos, pela inflação? Quanto descaso! Quanto deboche!.
A posição da Presidência da República, do Senado Federal, da Advocacia-Geral da União, do Banco Central e da Defensoria da União, expressa na realçada ADI, faz lembrar a famosa frase do presidente do México na década de 1940, Lázaro Cardenas, que dizia: “Pobre México; tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos da América”. Pois esta é, exatamente, a situação dos mais de 50 milhões de brasileiros que possuem conta do FGTS, os quais se acham sob o jugo dessas “sensíveis autoridades”, que querem ver o seu minguado patrimônio desmanchar-se no ar, corroído pela inflação.
Destarte, no caso concreto, a última trincheira de esperança dos trabalhadores é o STF; se ele fizer coro com as mencionadas autoridades, só restará àqueles, no tocante ao FGTS, repetir o bordão imposto aos gladiadores romanos quando entravam na arena de luta – na verdade de morte -, assim exarado: “Ave Casear Imperator, moriture te salutant” (“Salve, Cesar, imperador; os que vamos morrer te saudamos”).
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee