Há 25 anos, o país voltava a escolher seu presidente e a política estava na rua
São Paulo – Hilton Acioli vai lembrando e cantarola, “rompe a cortina do passado”, “vai lá e vê que a alegria já demorou demais”. O compositor havia recebido “duas palavrinhas” do publicitário Paulo de Tarso Santos e teve a responsabilidade de fazer um jingle. Vê o que dá para fazer, disseram a ele. “Na hora, eu não achei nada”, lembra o compositor potiguar, que completará 65 anos em outubro, na véspera da eleição, e foi componente do Trio Marayá, nos anos 1950 e 1960. “A sorte é que ficou na minha memória.” Para buscar a canção, ele conta que havia a preocupação de aproximar o “tema” do jingle ao que Hilton chama de elite popular, citando Noel Rosa, Ary Barroso, Pixinguinha: “Populares, mas ao mesmo tempo clássicos.”
De Ary veio um mote: “Abre a cortina do passado”, canta de novo. E foi assim que ele compôs um samba, no início de 1989, para apresentar aos “clientes”, no comitê de campanha, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Estavam lá Ricardo Kotscho, Aloizio Mercadante, Vladimir Pomar, entre outros. O “tema” viria de Brasília para escutar, mas não foi. E Hilton cantou o samba: “Eu olhava na cara deles e pensava: a música não é esta”. De lá, saiu para papear com um amigo, o publicitário Osvaldo de Melo, a quem repetiu: acho que não é essa música. E foi para casa. “Quando acordei, me veio a música.”
E ele cantarola mais uma vez um dos jingles políticos mais marcantes de todos os tempos. “Quando você faz uma música nova, que você acredita, fica todo energizado”, diz Hilton, lembrando das origens do Lula lá, feito para a primeira campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, em 1989. A letra da música faz referência ao “primeiro voto”. A ideia era falar tanto dos jovens como de quem, de fato, iria pela primeira vez à urna para escolher o presidente.
Era a primeira eleição presidencial desde 1960. Nos momentos finais da ditadura, o Brasil voltara a escolher governadores pelo voto direto (1982) e prefeitos de capitais e parte dos municípios (1985). Passara por uma campanha nacional de restabelecimento das eleições presidenciais, o movimento das Diretas Já, em 1984, direito só reconquistado em 1989, quando foram às urnas 70 milhões de pessoas, menos da metade do eleitorado atual. Para o cientista político Paulo d’Avila Filho, a eleição de 1989 “simboliza a retomada da democracia”. Este ano, o Brasil vai para a sétima eleição presidencial seguida, uma sequência inédita no país.
Candidatos: 22
Essa retomada, de certa forma, pode ser medida pela quantidade de candidatos a presidente: 22, número que nunca mais se repetiu. Este ano, por exemplo, são 11. Se hoje há três candidatas, duas disputando o primeiro lugar, em 1989 apareceu a primeira mulher na disputa presidencial: a advogada mineira Lívia Abreu, do Partido Nacionalista (PN), que recebeu 180 mil votos, 0,25% do eleitorado. Ali apareceu pela primeira vez Enéas Carneiro, do nanico Prona (360 mil votos, 0,5%). Lanterna do primeiro turno (4 mil votos, 0,01%), Armando Corrêa, o “candidato dos explorados”, chegou a renunciar em favor do apresentador Silvio Santos, que apareceu 15 dias antes do primeiro turno, mas foi barrado pela Justiça Eleitoral.
Na política brasileira, depois da frustrada campanha das diretas, a maior parte da oposição, ao lado de ex-integrantes do governo, partiu para o voto indireto no colégio eleitoral. O governador de Minas Gerais, Tancredo Neves (PMDB), superou Paulo Maluf (PDS, partido que sucedeu a Arena, que sustentava a ditadura), e foi eleito presidente, com apoio de alguns remanescentes do antigo regime, reunidos sob o título de Nova República, que duraria pouco.
Tancredo não chegou a assumir. Foi internado na véspera da posse, em 15 de março de 1985, e morreu pouco mais de um mês depois, em 21 de abril. Sarney assumiu e, no final de governo, estava praticamente isolado. Mesmo com a esperança democrática, as tensões continuavam e os planos econômicos não davam conta de superar as altas constantes do custo de vida.
Eram tempos de inflação nas nuvens. Quase 40% ao mês, incríveis 758,79% acumulados naquele ano, até outubro (IPC) e 1.303,78% em 12 meses. Havia o dólar no mercado paralelo, ou “black”, com ágio de 100% em relação ao oficial.
Na política, conservadores ainda assombravam a população com fantasmas, como o comunismo. Foi em 1989 que caiu o Muro de Berlim, que separava as Alemanhas (divididas em Ocidental, capitalista, e Oriental, comunista), em representação real e dramática da divisão ideológica mundial. Em 1991, a União Soviética, o outro lado da “Guerra Fria” com os Estados Unidos, deixaria de desistir. A eleição de 1989, para o conservadorismo, ainda acenava com a ameaça esquerdista “Brizula”, junção dos nomes de Brizola e Lula.
Assessor de imprensa de Lula, o jornalista Ricardo Kotscho lembra que a inserção de alguns desses fantasmas dificultou até o simples aluguel de uma casa para sediar o comitê. Um empresário amigo dele chegou a dizer que não poderia alugar um imóvel, porque com uma vitória de Lula a sua propriedade seria tomada. “Era muito difícil. O que animava era a militância. Era tudo muito improvisado. Muitos comícios… Estou cansado até hoje. E também era uma grande festa, que, para mim, pareceu uma continuação da campanha das diretas. A gente sabia que estava participando de um momento histórico.”
Palanque
Do esquema quase mambembe no primeiro turno, a estrutura melhorou um pouco no segundo, quando Lula, pelo PT, enfrentou Fernando Collor, do PRN. Até apareceu um jatinho, coisa que sobrava na campanha adversária. Subiram no palanque do petista os candidatos do PDT, Leonel Brizola, e do jovem PSDB (criado um ano antes), Mário Covas, quarto colocado no primeiro turno, com 7,8 milhões de votos. Só não estava “o doutor Ulysses”, o candidato do PMDB, Ulysses Guimarães, porque Lula não quis – e Kotscho observa que, tempos depois, o candidato do PT reconheceria ter cometido um erro político. Isso não impediu que a campanha tomasse corpo, a ponto de ninguém cravar o resultado.
Na primeira votação, em 15 de novembro, Collor teve 22,6 milhões de votos (28,52%) e Lula, 11,6 milhões (16%), em disputa acirrada com Brizola, a quem superou por apenas 500 mil votos. Na véspera do segundo turno, que seria em 17 de dezembro, as pesquisas apontavam situação de empate técnico, com tendência de ascensão do petista. Do dia 7 ao 17, segundo o instituto Datafolha, Collor foi de 50% para 47% e Lula, de 41% para 44% Parecia estar se confirmando um vaticínio do veterano Brizola, autor da expressão “sapo barbudo” para se referir a Lula, no sentido de um batráquio que seria imposto à conservadora elite brasileira.
Cada um do seu jeito, Lula e Collor representavam o “novo” naquela eleição, observa o especialista Chico Santa Rita, um dos precursores do marketing político no Brasil. Vindo da campanha de Orestes Quércia (PMDB) a governador em 1986, ele havia trabalhado com Ulysses no primeiro turno (3,2 milhões de votos) e fora convocado pelo staff de Collor, àquela altura preocupado com a possibilidade de derrota. A primeira providência foi fazer uma pesquisa qualitativa, ainda pouco comum. “O quadro era que as pessoas estavam cansadas da ditadura e do governo Sarney, que tinha uma avaliação péssima. Elas queriam o novo. Uma sensação semelhante ao que há hoje. Foram (para o segundo turno) os candidatos mais novos, um líder sindical combativo e um governador jovem, com uma proposta de acabar com os escândalos, os marajás.”
Ele assumiu quase em momento de emergência, com a equipe anterior demitida. “O que eu diagnostiquei? Tinha um discurso (no primeiro turno) muito forte na moralização da administração pública. Não sei se estavam cansados… O programa foi ficando fraco, com mais brincadeirinha, pessoas ficavam coloridas. O que eu fiz foi retomar o discurso político com muita força.”
Fantasia
Chico Santa Rita acredita que há deformações e falta de entendimento em relação ao trabalho do marketing político. “O pessoal acha que é propaganda. É uma atividade multifacetada, que inclui elementos da propaganda, do jornalismo, da pesquisa, de relações públicas. Tem uma complexidade. Não é feito para criar o candidato, mas para para melhorar o desempenho do candidato. Todas as vezes que eu vi fazerem isso, não deu certo.” Ele também critica programas atuais, citando tanto PT como PSDB. “Usam e abusam de uma distorção da verdade, mostrando um país que parece de fantasia. Está havendo exagero. O marketing político foi feito para dinamizar a discussão política.”
Em seu livro Batalhas Eleitorais, Chico relata episódios que, de certa forma, mostram que a campanha teve momentos que estiveram bem longe do debate político. A uma semana da votação, ele recebeu das mãos de Collor um vídeo com imagens de um fuzilamento de três prisioneiros – Lula aparecia olhando e até sorrindo, ao final. Sem acreditar, reviu e depois chamou o engenheiro que prestava assistência técnica. A resposta foi clara: “Trata-se de uma montagem. A imagem de Lula foi superposta na imagem básica do fuzilamento”. O vídeo não foi ao ar.
Além disso, havia a constante menção ao “comunismo” como ameaça e um suposto “derramamento de sangue”, como chegou a dizer Collor, que o PT promoveria para chegar ao poder. “O Lula nunca deixou responder no mesmo nível. Ele nunca aceitou o vale-tudo”, diz Kotscho. Para ele, o uso do marketing político surgiu com Collor, que contava com grande estrutura de campanha. “No nosso caso, era um grande mutirão. Tinha muitos voluntários. E todo mundo dava palpite. Era mais amador, mais coletivo.”
Kotscho viajava com Lula, escrevia o texto com o dia do candidato e, por telefone ou telex – não existia internet – mandava o material para o também jornalista Sérgio Canova, que repassava para as redações. Para ganhar tempo, marcava entrevistas coletivas nos aeroportos. Em uma dessas paradas, em Maceió, estranhou não ver ninguém para entrevistar o líder petista. “Aqui tudo é do homem”, foi a explicação que recebeu do coordenador local. O “homem” era Collor, dono de grande parte dos meios de comunicação de Alagoas.
O final da história é conhecido. Com 35 milhões de votos (53% dos válidos), Collor foi eleito. Lula recebeu 31 milhões (47%). Em 1992, o presidente sofreu impeachment e o vice, Itamar Franco, assumiu.
“Marqueteiro” de Lula em 1989, o publicitário Paulo de Tarso Santos considera “paradigmática” aquela eleição. Lembra que, em 1982, ainda estava em vigor a Lei Falcão (Lei 6.339, de 1976, que ganhou o nome do então ministro da Justiça, Armando Falcão). Na prática, o texto proibia qualquer campanha eleitoral. Só era permitido divulgar legenda, currículo e número do candidato – na TV, também a foto. Ninguém podia falar, algo no estilo “nada a declarar”, frase que se tornou associada ao ministro da Justiça do governo Geisel (1974-1979). A lei foi revogada em 1984. A campanha de 1985, para a prefeitura de São Paulo, já trouxe a experiência do slogan ‘Experimente Suplicy”, “já tentando um uso criativo do programa eleitoral.”
‘Radicalizar a esquerda’
Em 1989, o objetivo era “radicalizar a esquerda”, conta Paulo de Tarso. “O início do raciocínio – eu, Carlos Azevedo e Zé Américo – foi muito simples. Tínhamos 22 candidatos, e de 25% a 30% do eleitorado se dizia de esquerda. Queríamos falar direto com o pensamento progressista. Tinha várias peças de jornalismo mostrando a desigualdade no Brasil. Era uma campanha bem política, com menos propaganda.” Porém a campanha precisava de uma “embalagem”. Em uma reunião em sua casa, surgiu a ideia da Rede Povo, programa que marcou a campanha – e qualquer semelhança com uma emissora de televisão não é coincidência. “Eu até brincava: se é para pegar o inimigo, vamos pegar o inimigo de verdade.”
Para a campanha no segundo turno, Paulo de Tarso diz que havia a ideia de construir um “Lulinha paz e amor”, como se falaria em 2002, quando o petista enfim chegou à Presidência da República. “Mas não deu tempo. Começaram contra nós uma campanha anticomunista”, afirma o publicitário, para quem a campanha na TV foi vitoriosa.
Ele também faz ressalva ao trabalho do marketing político. “O Lula falava de improviso. A gente passava o tema do programa, ele estudava e traduzia, e a gente ia aprimorando juntos no estúdio, sugerindo coisas que ele encaixava ou não. A gente sempre privilegiou a autenticidade dele. Não tinha todo esse arsenal de monitoramento que tem hoje.” Para Paulo de Tarso, o que deve prevalecer é a intuição do político. “As pesquisas são um instrumento para você ter uma medida da opinião pública, para você não bater o prego com os dedos.”
A paternidade da expressão “Lula lá” ainda causa alguma polêmica. Alguns a atribuem ao publicitário Carlito Maia, outros, inclusive ele próprio, a Paulo de Tarso, que passou a encomenda do jingle a Hilton Acioli. Ele conta que, além de não gostar de trocadilho, achava o tema fraco, preferindo algo mais no estilo “povo no poder”. “A gente não tinha a menor noção. Tinha certeza de que a gente ia levar o maior cacete. Foi um fato político gigantesco.”
Para Paulo d’Avila, o que mudou em relação a 1989, basicamente, foi o perfil do eleitorado, à medida que as eleições foram se tornando rotineiras. “O que a literatura mostra é que o eleitorado vai se comportando mais para uma curva normal, o que leva os competidores a uma posição mais conservadora”, analisa. Naquele ano, acrescenta o cientista político, havia “grande massa com expectativas mais à esquerda e mais à direita”, o que permitia maior polarização.
De um lado havia Brizola, Roberto Freire (PCB), Lula e, de certa forma, até Covas disputando um naco de centro-esquerda. “O eleitorado desejava o novo. Quem se destaca naquela eleição? O discurso mais à esquerda, Lula/Brizola”, diz o professor.
Na outro lado, candidatos como Guilherme Afif e Collor. “Havia um eleitorado disposto a consumir as expectativas mais polarizadas. Quanto mais você consolida o procedimento (eleição), mais o eleitorado vai se acomodando. Você passa a disputar o centro.” Ele identifica um processo de “mediocrização” do processo político – “No sentido exato do termo, do médio.”
D’Avila também destaca a relevância que o marketing político ganha naquele eleição. “Nós nos redemocratizávamos numa sociedade da comunicação, principalmente com a televisão. O Collor foi incrivelmente fiel à persona que criaram para ele.”
Romantismo
A uma indagação se havia mais espontaneidade naquela campanha, o cientista político acredita que existe certo “romantismo” em relação a isso. “Espontaneísmo serve para disputar posições”, diz d’Avila. Falando sobre as campanhas atuais, ele acredita não ser possível a um candidato em condições de vencer dizer o que pensa, mas o que é necessário ser dito. “Não significa mentir, mas ajustar o discurso”. O eleitor vai se identificando com os candidatos e há o processo de acomodação. “Aquele espectro de 1989 não desapareceu, vai sendo incorporado a coalizões de governo.”
As mudanças podem ser constatadas também nos debates televisivos. Em 1989, os embates eram frequentes e, por vezes, ríspidos. Ficou célebre, por exemplo, um bate-boca entre Brizola, o “desequilibrado”, e Maluf, o “filhote da ditadura”. Para Paulo d’Avila, as regras atuais engessaram o debate em um cenário “duplamente engessado”, em relação aos temas. “Em 1989, saindo de uma ditadura, os candidatos falavam mais de Estado. Hoje, seria impensável… Lembro de uma discussão entre Lula e Roberto Freire sobre a relação de seus partidos com a OIT (Organização Internacional do Trabalho). O formato (do debate) acho que nem é o principal problema. Antes, tinha pouca regra porque não havia debate.”
E há também a “qualidade dos quadros”. Kotscho concorda com esse último item: “Os personagens políticos eram diferentes. Empobreceu muito o debate, não é só questão de regra”. Além de identificar queda na audiência da TV, o jornalista vê pessoas se xingando nas redes sociais e falta de grandes comícios. “Enquanto não houver reforma política, não vai mudar nada.”
RBA
Desde então, a ‘insuspeita’
Eles também coincidem, em certa medida, na análise sobre o comportamento da mídia. “Varia de uma eleição para outra. Foi muito difícil em 1989. Nunca vi algo tão escrachado como agora”, diz Kotscho. “Não disfarçam mais. Não estão tendo pudor.” Assim, segundo ele, depois de abraçar inicialmente a candidatura de Aécio Neves (PSDB), os principais meios de comunicação passaram a fazer campanha aberta para Marina Silva (PSB). E, obviamente, passa pelo rol de polêmicas daquele ano a edição, pelo Jornal Nacional, do debate no segundo turno. No livro Do Golpe ao Planalto, Kotscho resume desta maneira: “Editaram só os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. O resultado do jogo, que tinha sido 2 x1 na edição do Hoje (telejornal vespertino), transformou-se magicamente em 10 x 0″.
Imparcialidade?
“Em 89, ainda que se possa dizer que havia uma preferência eleitoral, ainda havia uma enorme preocupação de dizer que não. Hoje, acho que são muito mais explícitas as posições dos meios de comunicação em relação a suas preferências”, comenta Paulo d’Avila. “Hoje caminha (o jornalismo) para um tipo de cobertura que explicita cada vez mais a sua preferência.” Para ele, “a fantasia da imparcialidade habita os bancos escolares do Jornalismo e do Direito”. Ele costuma dizer aos alunos que, quem quiser, sabe onde é possível encontrar notícias pró e contra o governo, mas acredita que a situação melhoraria em um ambiente de maior competitividade nos meios de comunicação.
Ainda sob o efeito do ato de artistas a favor de Dilma, no dia 15, no Rio de Janeiro, o ator Sérgio Mamberti destaca o discurso de Lula sobre o “marco civil” da mídia e acrescenta: “Eu falo isso desde 89”. Para ele, a mídia constitui hoje um campo de dominação e deixa o consumidor de notícia “praticamente subordinado ao interesse dessas grandes corporações”.
Naquela campanha, marcada por intensa participação do mundo artístico, política e cultura estavam no mesmo campo, avalia Mamberti. “A política é uma dimensão da cultura”, diz o ator, estendendo o raciocínio à questão da educação, que, para ele, não pode ser isolada, sob risco de cair na tecnocracia. “O centro do governo tem de entender que a dimensão da cultura oferece uma oportunidade de reflexão. As transformações se dão no campo da cultura, no campo das ideias.”
Ele lamenta que tenha havido, no Brasil, uma desqualificação do processo político, especialmente após o episódio conhecido como mensalão. “Não que não foram cometidos erros, mas o processo (a ação) foi tendencioso. A sociedade ainda vai ter de se apropriar da verdade. A reforma política passa a ser um tema absolutamente contemporâneo”, diz Mamberti.
O ator também faz ressalvas ao tratamento que é dado hoje aos candidatos, por meio do marketing político. “Eu diria que o marqueteiro tem uma hegemonia que distancia o candidato de uma discussão política mais profunda. Acho que a gente tinha de ter um aperfeiçoamento técnico do ponto de vista da comunicação, mas, de repente, houve uma inversão de papéis, a embalagem se colocou acima da política.”
Também desse ponto de vista, 1989 foi emblemático. “Embora houvesse os marqueteiros, nós todos participávamos, dávamos contribuições. A gente podia fazer sugestões, que eram aceitas. Hoje, não existe mais esse espaço criativo de um Henfil e de um Carlito Maia. Essa dimensão cultural se expressava plenamente em todas as formas que a gente foi construindo de uma visão coletiva.”
Para Mamberti, 1989 representou o momento final de saída do regime autoritário. “A gente tinha certeza de que ia começar um novo momento na história do Brasil.” Ele espera que haja continuidade nessa direção. “A participação social seria a forma de legitimar a construção de políticas públicas. Para aprofundar e radicalizar esse processo democrático, não basta que as pessoas tenham ascensão econômica”, observa o ator.
Hilton Acioli destaca a “efervescência” daquele momento político. “Desde 1984, na campanha das diretas, já tinha muita gente envolvida.” E é por isso que as músicas permanecem, acredita o compositor. “Ficou com o cheiro daquele tempo.”
Da Rede Brasil Atual