Idosos nas universidades: “Sonhos não envelhecem”

A tendência de idosos ingressando nas universidades tem aumentado exponencialmente na última década no Brasil. O contexto é animador. Além de traduzir o que determina a nossa Lei Maior, faz ecoar o canto de Milton Nascimento: “sonhos não envelhecem”.

A constituição Cidadã em seu art. 20 diz: o idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade. Por sua vez, o canto do consagrado Milton exalta a esperança e a crença de que nunca é tarde para concretizar projetos, correr atrás dos ideais.

Os argumentos se completam e ilustram a presença marcante dos idosos nos bancos das universidades. Segundo dados do Censo da Educação Superior 2023, mais de 51 mil idosos estão matriculados em faculdades em todo o país. Desses, mais de 68% têm entre 60 e 64 anos, e 32% acima de 65 anos. Para se ter uma base da evolução, em 2012, o número de idosos na graduação era de 28.041, e atualmente a estatística revela um salto de 82%.

É impressionante também a busca por cursos na modalidade de Ensino a Distância (EaD). A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE mais recente mostra que o número de pessoas com mais de 65 anos na EaD cresceu 27% de um ano ao outro.

Esse é um dado bastante expressivo, que demonstra o interesse dos idosos pelos estudos nessa altura da vida. No entanto, é importante abrir um parêntese: o crescimento desenfreado da EaD sem o mínimo de regulamentação é perverso e preocupante.

Na mesma proporção dos cursos disponibilizados, temos a precarização das relações de trabalho, a insegurança jurídica, a classe trabalhadora desvalorizada e sem condições materiais e psicológicas de ofertar um ensino de excelência. Perde quem trabalha, perde que está em busca do conhecimento, perde a sociedade como um todo.

À parte isso, podemos confabular com o poema Tabacaria de Fernando Pessoa e afirmar: é possível transformar, “ter todos os sonhos do mundo”. O ideal de promover a educação inclusiva e de qualidade, por exemplo, tem movido a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). A entidade está na luta para que seja firmado um Acordo Coletivo Nacional visando regular a EaD.

Dentro da mesma lógica idealista, cai por terra o paradigma de que a universidade é ambiente apenas de jovens. Essa ideia equivocada por muito tempo dominou o imaginário dos mais maduros que não cogitavam voltar aos estudos.

Na conjuntura atual, os idosos estão cada vez mais engajados nas universidades, contribuindo com pesquisas acadêmicas, executando outras atividades intelectuais.

O desejo de vivenciar novas experiências e busca por novos caminhos profissionais são alguns dos fatores que motivam a retomada dos estudos na terceira idade. Esse cenário se desenha também pelo aumento da expectativa de vida.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de indivíduos com mais de 60 anos chegará a 2 bilhões até 2050. A perspectiva de viver mais somada à possibilidade de aprender e mirar o futuro causa bem-estar.

Especialistas declaram que cursar uma universidade pode trazer inúmeros benefícios aos idosos, como a atualização de conhecimentos, visão de um novo momento sociocultural e abre portas para novas investidas profissionais ou até mesmo mudança de carreira. Além disso, contribui para o envelhecer saudável.

Aumentar a pluralidade no ambiente acadêmico, reconhecer e valorizar a presença das pessoas idosas no ensino, pesquisa e extensão faz toda diferença, são atitudes imprescindíveis para o combate do etarismo (discriminação por causa da idade).

Nas ações governamentais, o tema da diversidade deve integrar as políticas públicas. É preciso promover o convívio intergeracional no intuito de alavancar a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

BOAS INICIATIVAS

No sentido de incentivar ainda mais o ingresso de idosos no Ensino Superior, está tramitando na Câmara dos Deputados o PL 468/24 que prevê vestibular especial para a população idosa. A proposta determina que os processos seletivos das instituições de educação superior apresentem formatos acessíveis e adequados às pessoas idosas.

O objetivo é garantir oportunidade igualitária de acesso à educação. A ideia é incluir a medida no Estatuto da Pessoa Idosa. Hoje, o Estatuto determina apenas que as instituições de educação superior ofertem às pessoas idosas cursos e programas de extensão, presenciais ou a distância, não entra no mérito de como a seleção deve ser feita.

O projeto UnB 60+ idealizado pela Universidade de Brasília é outra iniciativa interessante, que dialoga com o projeto federal em andamento na Câmara, colocando em prática o que o PL pretende institucionalizar como Lei Federal. No final de 2023 a Universidade lançou o vestibular próprio para pessoas idosas.

A proposta nasceu com a finalidade de contemplar idosos que não tiveram a chance de fazer um curso superior na juventude e querem aproveitar a terceira idade para estudar; ou que busca ocupar a mente após a aposentadoria.

Na primeira edição foram inscritos 3.013 idosos, para 136 vagas, em 37 cursos presenciais. A prova para seleção de pessoas idosas, conhecida como UnB 60+, foi aplicada pela primeira vez em janeiro deste ano. Ficou decidido que todo semestre haverá a seleção.

Também está em andamento no Senado, o PL 1519/2024 que obriga as instituições de educação superior criar ações para promover o ingresso de pessoas idosas em seus cursos de graduação.

Diante de todas as evidências, a sentença fundamental: entusiasmo é a palavra de ordem. A terceira idade não é a fase da finitude, mas sim a fase de ouro, onde se alcança o ápice do conhecimento e da sabedoria. Estar na universidade depois dos 60 é um grande privilégio e a certeza de que “sonhos não envelhecem”.

A caminhada da vida é emocionante e inesgotável, continua cheia de desafios, surpresas e glórias. É tempo de viver, produzir, plantar e colher frutos. É tempo de luta e encantamento.

Por Romênia Mariani

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