Igualdade de gênero aumenta crescimento econômico, diz Otaviano Canuto

Desde 1975, por iniciativa da ONU, celebra-se 8 de março como o Dia Internacional das Mulheres. Todos os dias, porém, dever-se-ia atentar para as implicações do que representa. Inclusive por motivos econômicos.

Você sabe por que o Bolsa Família vai para as mulheres? Pesquisas realizadas na década de 1990 no Brasil –e depois confirmadas em outros países– mostraram bebês com mais altura e peso quando as mulheres tinham mais poder de barganha sobre a renda familiar. Além da relevância disso por si mesmo, há que se levar em conta as óbvias consequências em termos de saúde e capacidade de trabalho da população adulta e, portanto, de crescimento econômico.

Um maior controle sobre os recursos domésticos pelas mulheres em famílias pobres pode fortalecer uma economia onde a pobreza predomine, já que os padrões de gastos tenderão a ser moldados de forma a beneficiar as crianças. Há também forte evidência de como melhores educação e saúde das mulheres estão associadas a melhores resultados para seus filhos.

Você pode se surpreender com a gama de mecanismos através dos quais diminuir a desigualdade entre gêneros pode impulsionar o crescimento econômico. Pense nos investimentos em infraestrutura. A maioria das análises se concentra em várias maneiras pelas quais mais e melhor infraestrutura ajudam a aumentar o crescimento, reduzindo o desperdício de tempo e recursos na produção e no transporte.

Por outro lado, há que se levar em conta seu impacto diferenciado sobre as mulheres em muitas regiões pobres. Maior e melhor acesso a estradas rurais, água, redes elétricas e outros pode reduzir especialmente o tempo das mães atribuído a tarefas domésticas e aumentar seu tempo disponível para outras formas de trabalho, a acumulação de capital humano ou a dedicação a suas crianças. No essencial, o aumento do tempo dedicado à acumulação de capital humano aumenta o poder de barganha das mulheres, o que se traduz em uma maior preferência familiar pela educação das meninas e pela saúde infantil, um aumento na parcela média da renda familiar gasta em crianças e uma menor preferência pelo consumo.

A menor desigualdade de gênero em termos de poder doméstico de barganha, portanto, traz efeitos de crescimento a longo prazo associados à transmissão intergeracional de saúde e educação. Mas há também o efeito de aumentos na produtividade quando se reduzem as desigualdades de oportunidades entre gêneros. Este é o caso quando as habilidades e talentos das mulheres podem ser aplicados sem restrições específicas a gênero.

Alguns anos atrás, o Banco Mundial chamou atenção para estimativas apontando que a produtividade do trabalho poderia aumentar em até 25% em alguns países em desenvolvimento caso barreiras que discriminam contra mulheres trabalharem em certos setores ou ocupações fossem eliminadas. Por exemplo, o rendimento na produção de milho aumentaria quase um sexto em Malawi e Gana, caso as mulheres agricultoras tivessem o mesmo acesso a fertilizantes e outros insumos que os homens.

Uma 3ª dimensão da igualdade entre gêneros com consequências econômicas pode ser encontrada no empoderamento das mulheres como atores econômicos, políticos e sociais. Um exemplo abordado no mesmo relatório do Banco Mundial vem da Índia, onde o poder das mulheres em nível local levou a aumentos na provisão de bens públicos, como água e saneamento, priorizados pelas mulheres.

Algumas dimensões da desigualdade entre gêneros nas economias em desenvolvimento –como nas matrículas escolares e na participação da força de trabalho– vêm diminuindo ao longo das últimas décadas. Direitos formais e as garantias constitucionais para as mulheres avançaram em alguns países. No entanto, o escopo de oportunidades para impulsionar o crescimento econômico através de políticas orientadas para diminuir a desigualdade permanece amplo.

O CASO DO BRASIL

No Brasil, ocorreu progresso na diminuição da desigualdade entre gêneros em termos educacionais, com quedas nas taxas de analfabetismo entre as mulheres e, inclusive, parcelas da força de trabalho feminina com ensino superior superando a dos homens. Políticas governamentais– algumas implementadas em cooperação com o setor privado –atendendo necessidades maternas, com fornecimento de cuidados de saúde antes e durante a gravidez e o parto, bem como cuidados infantis e com educação, também melhoraram em relação ao que havia antes.

No entanto, muito ainda resta por fazer. Por exemplo, as disparidades entre gêneros no acesso ao emprego formal e à renda de mercado persistem no Brasil. Apesar de ter havido um aumento na participação das mulheres empregadas no setor não agrícola, sua vantagem comparativa na educação não se reflete nos salários relativos do mercado –apesar do nível de habilidade médio mais alto da força de trabalho feminina.

Pierre-Richard Agénor, professor da Universidade de Manchester, e eu mostramos os impactos potenciais da redução da desigualdade entre gêneros na elevação do crescimento econômico brasileiro, desenvolvendo um modelo macroeconômico com o qual se pode simular resultados de políticas específicas. Suponhamos, por exemplo, que o governo implemente com sucesso leis anti-discriminatórias que levem a uma eliminação total do viés de gênero contra as mulheres no local de trabalho. Usando os dados do Brasil, nossos cálculos sugeriram que uma política de “trabalho igual, pagamento igual” poderia adicionar 0,2 pontos percentuais à taxa de crescimento anual do PIB (Produto Interno Bruto) do país.

Também usamos nosso modelo para simular os efeitos de um aumento dentro do orçamento público da parcela dos gastos com investimentos em infraestrutura. Nossos cálculos sugerem que um aumento em tais investimentos equivalente a 1 ponto percentual do PIB poderia adicionar algo entre 0,5 e 0,9 pontos percentuais à taxa anual de crescimento do PIB, uma vez contabilizados os efeitos diretos e indiretos– incluindo mudanças na alocação de tempo das mulheres e em seu poder de barganha sobre os recursos familiares.

A desigualdade entre gêneros é um forte obstáculo à prosperidade. Deve receber atenção muito além do Dia Internacional da Mulher da vez.

*As opiniões expressas neste texto são do autor, não necessariamente do Banco Mundial.

Otaviano Canuto

Otaviano Canuto, 61 anos, é diretor-executivo do Banco Mundial. Foi vice-presidente do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento e diretor-executivo do FMI. Trabalhou no Ministério da Fazenda e foi professor na USP e na Unicamp. Escreve para o Poder360 mensalmente, no 1º final de semana do mês.

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