II Seminário Profissão Professor: um brado contra a injustiça
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Meu dever é de falar, não quero ser cúmplice. Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro do inocente que paga, na mais horrível das torturas, por um crime que ele não cometeu.”
Este colossal excerto, que representa um portentoso brado contra a injustiça – que, ironicamente, fora praticada em nome da justiça –, é parte integrante do magistral libelo do notável romancista francês Emile Zola, em sua atemporal carta ao presidente fFrancês, Félix Faure, com o título “J’accuse” (“Eu acuso”), publicada no Jornal “L’Aurore”, em 1898, em defesa do oficial Alfred Dreyfus, denunciado, processado, julgado e condenado à prisão perpétua, na Ilha das Cobras, na Guiana Francesa, sem qualquer indício de prova convincente, por um crime de espionagem que ele não cometera, como ficara demonstrado, ao depois.
No dia 5 do corrente mês de setembro, o Sinpro/RS promoveu e realizou, em Porto Alegre, no Hotel Embaixador, o seminário sobre a amplitude da função docente, que bem poderia ter o mesmo título da citada obra de Émile Zola, porque nele se acusaram, com fartas e contundentes provas, o sistemático, cotidiano e crescente descaso das escolas privadas para com a profissão docente, consubstanciado nas péssimas condições de trabalho que lhe são oferecidas e com a exigência de trabalho gracioso, para muito além da carga horária contratada, inclusive nos finais de semana e feriado; com nefasta consequência disso para com o padrão de qualidade social da educação, que é principio constitucional, insculpido no Art. 206, inciso VII, da Constituição da República Federativa do Brasil (CR).
O emocionado e pertinente depoimento de um advogado, filho de pai e mãe professores, dá bem a dimensão da pesada carga de trabalho de quem se ativa nesta profissão, que absorve impiedosamente os seus finais de semana e feriados.
O referido advogado contou aos participantes do evento que, ao longo de sua infância, pouco desfrutou da atenção dos pais, que, de manhã, à tarde, à noite e nos finais de semana e feriados, tinham todo o tempo absorvido por atividades das escolas em que trabalhavam; e que a mãe, angustiada com este quase abandono involuntário, viu-se na contingência de se demitir da profissão; contou, ainda, que a sua esposa, igualmente professora, acha-se em estado de estresse profundo e progressivo, provocado pela destacada sobrecarga.
No realçado evento, denunciou-se, também, e com veemência, a retrógrada e, até agora, prevalecente jurisprudência da Justiça do Trabalho, com pouquíssimas exceções, em âmbito regional, que, em confronto com os fundamentos constitucionais e garantias legais, vem dando razão às escolas quanto ao trabalho não pago.
Este concorrido evento, que contou com professores e técnicos administrativos, representantes de entidades sindicais de sete estados (RS, SC, SP, RJ, MG, GO, PA) – a Contee, que abrange todos, foi representada pelo seu diretor, José Ribamar Barroso –, além de desembargadores, juízes, procuradores do trabalho e advogados, compôs-se de três painéis, a saber:
Painel I – A amplitude da função docente conforme a legislação educacional
• Dr. Jaime José Zitkoski – Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
• Sérgio Roberto Kieling Franco – Conselheiro da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação e Pró-reitor de Graduação da UFRGS;
• Profª. Cecília Maria Martins Farias – Diretora do Sinpro/RS e presidente do Conselho Estadual de Educação do RS;
Painel II – As atividades de adensamento institucional e os subterfúgios para a não remuneração do trabalho dos professores
• Dr. Marcelo José Ferlin D’Ambroso – Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região;
• Dr. Rodrigo Garcia Schwarz – Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região;
• Dr. Rogério Fleischmann – Procurador do Ministério Público do Trabalho da 4ª Região;
Painel III – A Hora-Aula como Unidade remuneratória do Professor
• Dr. Marcelo Lamego Pertence – Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região;
• Dra. Maria Cristina Carrion Vidal de Oliveira – Secretaria Geral Adjunta da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul;
• Dr. Henrique Stefanello Teixeira – Assessor Jurídico do Sinpro/RS.
Todos os painéis foram de elevado nível de profundidade, quer pelas seguras, oportunas e circunstanciadas exposições sobre os temas em debate por todos os palestrantes, quer pelas manifestações dos participantes.
Como não há espaço suficiente, nesta singela nota, para se trazerem à baila as principais reflexões, sugestões e conclusões, citam-se algumas, de inegável importância.
A primeira, brandida pela professora Cecília, presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, sobre a necessidade de se dar efetividade ao princípio constitucional de valorização dos profissionais da educação escolar, que se traduzirá na garantia de plano de carreira, em salários dignos e no cumprimento, pelas escolas privadas, do disposto no Art.67, inciso V, da LDB, que estabelece a obrigatoriedade de se reservar parcela da carga horária semanal para estudos, planejamento e avaliação, regulamentado pela Lei N. 11.738/2008 em um terço.
A segunda, suscitada pelo professor Sérgio Roberto Franco, conselheiro do Conselho Nacional de Educação, diz respeito à necessidade de se cerrar fileira, em defesa profissão, pois que a já ostensiva mercantilização da educação, notadamente no ensino superior, representa uma grave e perturbadora ameaça ao seu real significado, transformando em mera mercadoria.
A terceira, posta para debate pelo desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso, consiste na adoção de medidas administrativas e judiciais contra o certeiro ataque à livre organização do trabalho, perpetrado pelas escolas privadas, capitulado como crime pelo Art. 203 do Código Penal (CP), que se consubstancia nas mencionadas exigências, com ênfase no trabalho gracioso, vedado pelo Art. 884 do Código Civil (CC).
A quarta, didaticamente exposta pelo juiz do Trabalho Rodrigo Garcia Shwarz, diz respeito à imperiosa necessidade de as entidades sindicais produzirem e divulgarem amplamente circunstanciadas antíteses, demonstrando a falácia das teses patronais, segundo as quais o salário-aula paga tudo; bem assim, de dialogarem à exaustão com juízes, desembargadores e ministros da Justiça do Trabalho, com a finalidade de demonstrarem a complexidade da profissão, quais são as tarefas docentes e que o salário-aula efetivamente paga, pois que, ao que parece, delas eles não tem conhecimento.
A quinta, enfaticamente defendida pelo desembargador Marcelo Lamego Pertence, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, relaciona-se com a forma de contratação docente, que deve ser por carga horária semanal determinada e não por aula; e, enquanto viger o ultrapassado Art. 320, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é preciso definir com exatidão o tempo de duração de cada atividade, para que se suplante a indevida forma atualmente aplicada de a regência de classe ser computada com tempo menor e valor maior, e as demais atividades, de maneira diametralmente oposta.
Outra relevante reflexão, abordada pelo desembargador Marcelo Lamego Pertence, foi quanto à necessidade de as entidades sindicais reconhecerem as limitações do alcance do Poder Judiciário, que decorre de várias razões, tais como o tempo de tramitação dos processos e o intenso confronto de interesses inconciliáveis, com certeira repercussão nas suas decisões e na execução destas.
Diante desta constatação, as entidades sindicais devem, sem se descurar nem prescindir do Judiciário Trabalhista, buscar o fortalecimento das negociações coletivas e abrir novas fronteiras de luta, em defesa dos legítimos interesses e direitos dos trabalhadores que representam.
Após o encerramento do magnífico seminário sob enfoque, teve lugar o lançamento do livro “Trabalho Extraclasse x Direito ao Descanso – uma disputa no âmbito do ensino privado”, contendo artigos densos e inquestionáveis, que sintetizam a já longeva luta do Sinpro/RS em defesa do real reconhecimento do trabalho docente.
Da solenidade de lançamento do comentado livro, participaram todos os autores dos artigos que o compõem, dentre eles a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que abrange todo o Rio Grande do Sul, o desembargador que o prefacia, e o desembargador Luís Alberto Vargas.
Encerra-se este singelo relato, feito por quem teve o privilégio de participar dos dois eventos sob discussão, com o chamamento da epígrafe, que deve ser concretizado na realização dos debates em destaque e pela realização das medidas propostas por todas as entidades que congregam profissionais de educação escolar.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee