Intelectuais realizam ‘ato palestra’ na USP contra o genocídio do povo palestino
Em protesto nesta quinta na Cidade Universitária, em São Paulo, professores e alunos debateram o massacre que Israel impõe sobre Gaza. “É uma prisão a céu aberto onde crianças são assassinadas a cada 10 minutos”
Por Gabriel Valery, da RBA
São Paulo – Intelectuais, artistas e lideranças participaram ontem (9) de um ato palestra sobre o genocídio da população palestina na Faixa de Gaza. Após ataques do grupo armado Hamas no dia 7 de outubro, Israel toca um massacre na região. Mais de 10 mil mortos, maioria de mulheres e crianças. Bebês e grávidas, o Estado sionista não poupa ninguém. Entre alvos preferidos do povo palestino, hospitais e escolas. Contudo, como alertaram os presentes no ato no prédio de História e Geografia da Universidade de São Paulo (USP), a limpeza étnica não vem de hoje.
Desde a fundação do Estado de Israel, em 1948, os sionistas avançam com violência sobre os árabes que ali moravam. Ano após ano, em uma expulsão misturada com genocídio que é conhecida por palestinos como Nakba. Agora, o último território autônomo, a Faixa de Gaza, está prestes a sucumbir a Israel após uma investida sanguinária. Para isso, Israel sequer segue leis e tratados internacionais. Comete, diariamente, crimes de guerra, como uso de armas proibidas, particularmente o fósforo branco, e o bombardeio de hospitais.
“Deixo o apelo para que façam das passeatas, das redes sociais, atos de solidariedade. Falamos de crianças morrendo queimadas. Mulheres, mães enterrando filhos que gritam que eles não comem. Se as pessoas não conseguem ver o que acontece, é falta de informação ou falta de misericórdia, de coração. Precisamos lidar com a realidade que tenta silenciar docentes, nossas ações”, disse a professora Francirosy Campos Barbosa, que é muçulmana.
Olhos fechados ao povo palestino
A professora reforça o teor histórico do massacre. “Palestinos sofrem paulatinamente, com território diminuído. Falamos de violência, massacre, genocídio. Não é guerra, conflito. Não há paridade, respeito. É uma prisão a céu aberto onde crianças são assassinadas a cada 10 minutos. Fósforo branco, violência contra as mulheres. Precisamos parar essa violência contra a Palestina. Nosso ato une vozes e presenças. Domingo estaremos na Paulista”, disse, já convocando um ato na capital paulista para o dia 12.
Francirosy também alerta para o fato da baixa qualidade das informações, sobretudo na mídia comercial. “Temos problema de mídia, de política, de estudantes que não sabem o que foi a Nakba de 1948. Não temos, nos livros de história, uma formação sobre isso. Está na hora de olharmos para a história para que as pessoas saibam o que acontece na Palestina. Temos o compromisso social com os palestinos. Nos jornais, vemos cortinas de fumaça“, disse.
Histórico de violações
Também professor da USP, Vladimir Safatle afirma ser necessário “a desocupação dos territórios palestinos” para alcançar a paz. Ele também tece críticas à postura de Israel de desrespeito a questões básicas. “Não há governo nenhum acima das leis internacionais. Ainda mais um Estado criado pela ONU. Essa é uma questão central, que a lei seja respeitada. Ela está, sistematicamente, desrespeitada há 50 anos. Os palestinos já deram provas do desejo de negociação. Organizações que abriram mão da ação direta em nome de um acordo de paz possível. Traíram essas pessoas”, disse.
Outra professora, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista de renome, reforçou as críticas. Ela é judia e lembra que as ações de Israel são contrárias à ética do povo judeu. “Venho hoje como representante do grupo Judeus pela Democracia. Esse grupo nasceu contra o bolsonarismo, para fortalecer uma perspectiva judaica, de uma ética judaica, naquilo que pode contribuir à desocupação militar imediata dos territórios palestinos. É essencial entendermos que estamos juntos em um clamor pelo cessar-fogo imediato, pela ajuda humanitária, pela defesa incondicional dos direitos humanos”, disse.
Por fim, argumentou que a postura de Israel contribui para estimular extremistas. “Evidentemente, condenar o massacre que acontece em Gaza de uma forma direta e sem medo. São mais de cinco décadas. Condenamos a ocupação dos territórios palestinos que produzem ciclo sem fim de violência. Inclusive, alimentando extremismo que não serve para construir solução”, disse.
Extremistas
A deputada estadual do Rio Grande do Sul Luciana Genro (Psol) lembra que a extrema direita distorce corriqueiramente os fatos para defender seus próprios anseios. Para isso, atacam qualquer um que ousar questionar ações de Israel, mesmo sobre o que disse a professora Raquel. “Muitas pessoas se manifestaram sobre o ataque do Hamas como se fosse em céu azul. Certo ou errado, há um genocídio de décadas. Bebês ensanguentados que vemos simbolicamente acontecem há décadas. Naquele momento, quem ousou falar que o que acontece contra civis israelenses, que lamentamos as mortes profundamente, quem ousou contextualizar o ato, taxaram de antissemita”, disse.
Enquanto falava Luciana, ativistas levantaram lençóis ensanguentados como os muitos que aparecem nos noticiários e nas redes sociais com crianças palestinas mortas. “Me acusam na Assembleia Legislativa de apoiar o terrorismo. Muitas vozes levantaram contra mortes que provas nunca apareceram e, essas mesmas vozes não disseram uma palavra sobre as mortes palestinas. Especialmente os políticos da direita e da extrema direita. Defendem sua pauta que é genocida, racista e de total desrespeito aos direitos humanos palestinos. O sangue palestino parece não ter valor. Para nós todo sangue tem valor”, completou.
Vozes judias pelo povo palestino
Além de Raquel, Iuri Haas, israelense do Vozes Judaicas por Libertação, falou sob o ponto de vista dos judeus. “Sou judeu israelense, nasci e cresci em Haifa. Estou aqui para cumprir uma função importante, dizer que Israel não representa todos os judeus. Instituições sionistas não representam todos os judeus. Vendo os fatos em campo, não temos outra opção a não ser colapsar a mitologia nacionalista para qual fomos educados e treinados”, argumentou.
“O conflito identitário é de perceber que o que Israel faz não coincide com os valores humanos, com a ética que pensávamos existir. O grupo de qual faço parte não é só no Brasil, existe no mundo todo. Reconhecemos que Israel nasce de uma limpeza étnica, a Nakba continua até hoje. Israel se configura como Estado de Apartheid. Não conseguimos reverter essa estrutura de dominação que viola direitos humanos. O que vemos hoje não começou no dia 7 de outubro. É um sintoma de um sistema que permanece”, completou.
Extrema direita lá e aqui
O sionismo encontra ecos nas posições políticas da extrema direita brasileira. Fato que fica cada dia mais evidente, inclusive com reuniões de diplomatas israelenses e representantes derrotados da visão política extremista, como Jair Bolsonaro (PL). “O PT divulgou uma nota que criticou o genocídio. O embaixador de Israel protestou. Disse que era inaceitável colocar Israel no mesmo patamar do Hamas. Ele tem razão. Não é possível colocar no mesmo patamar a violência do colonizador e a do colonizado”, disse o membro do diretório estadual do PT e da Fundação Perseu Abramo Walter Pomar.
“É preciso parar de demagogia. Israel é uma força de ocupação. Nós não devemos titubear. É necessário mais mobilização, assim como o governo precisa escalar na reação aos atos de terrorismo de ingerência de Israel no Brasil. O embaixador tem compartilhado a mesa com a extrema direita e dado declarações que, em qualquer país razoável, seria pessoa não grata. É necessário romper relações porque Israel virou instrumento de brutal repressão”, completou.