Internacionalismo classista e feminista

Lutar pela vida das mulheres e por “Bolsonaro nunca mais”, lema levado pelas brasileiras neste março é a tarefa urgente para alterarmos a correlação de forças que se traduz em nossas perdas de vidas e direitos

Cristina de Castro*

Podemos voltar à Clara Zetkin e às companheiras dela, delegadas à 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, ocorrida em 1910 em Copenhague (e nada mais justo) para falar das origens internacionalistas do “8 de março” e a importância dessa data para o movimento das trabalhadoras e trabalhadores.

Internacionalista, porque essa luta das mulheres não tem fronteiras e não é só das mulheres. Precisa ser dos homens também. Onde há ou houver retrocessos e avanços, afeta, para o bem ou para o mal, essa luta e agenda mundiais.

Todavia, neste breve artigo e, talvez por isso, procuraremos analisar eventos mais recentes para demonstrar a pujança desta data para a construção de sociedade mais igualitária.

O primeiro ponto é que tanto em 1910 quanto nos dias atuais, as reinvindicações específicas das mulheres faziam e fazem coro com as reinvindicações de todos os trabalhadores. Não há revolução sem a emancipação e elevação de consciência de classe das mulheres.

Reconhecer isto nos leva, como organização sindical, a tomar como tarefa fundamental, tal qual o 1° de maio, o 8 de março. Isto não é novidade, segundo Gonzalez (2010), a estratégia de Zetikin ao propor o “womens’s day”, além de barrar o ganho de projeção do feminismo burguês, que também avançava em proposições de colaboração entre mulheres de diferentes países, era o de equivaler a data ao que se desenhava em torno do 1° de maio, dia mundial de luta do conjunto dos trabalhadores.

O engenho dessa proposição consistia, ainda, em fazer com que o movimento operário internacional entendesse, que a posição das mulheres na sociedade de classes, era desigual em função do elemento patriarcal na composição das relações sociais, o que por sua vez, aumentava o grau da exploração feminina. Qualquer relação com a luta das mulheres sindicalistas e militantes partidárias na atualidade, em torno das pautas específicas das mulheres, é mera realidade!

Desde sua conformação, o sistema capitalista não prescinde da dupla exploração das mulheres, bem como da opressão dessas. Em momentos de crise, os direitos mínimos alcançados por meio de muita luta, são alvos fáceis como nos alertou Beauvoir. Recaem sobre as mulheres, as responsabilidades, inclusive do ponto de vista da falência “moral” da sociedade. Crises capitalistas e ascensão da moral conservadora não são novidades. Segundo Lucimara Reis, cuja dissertação de mestrado discorreu sobre a Greve Internacional de Mulheres no 8 de março de 2017, há total conexão na ação de retomada do internacionalismo classista e feminista nesta data e a atual crise capitalista que desregula mecanismos de assistência do Estado, ao mesmo tempo em que suprime direitos e sobrecarrega ainda mais o fardo carregado pelas mulheres na reprodução social do sistema, como aponta no trecho abaixo;

As mulheres são hoje metade da força de trabalho formal. Constituem, ainda, de forma indiscutível a força reprodutora da vida, portanto, da massa de trabalhadoras e trabalhadores. Realizam, de forma majoritária, o trabalho de reprodução social permitindo que a mecânica do sistema capitalista siga azeitada.

A compreensão da realização destes processos e o não reconhecimento e coisificação violenta de suas existências fomentam e induzem ao desenvolvimento do processo histórico de luta das mulheres, aqui destacado; a GIM-2017 (Greve Internacional de Mulheres), que se ergueu como acúmulo de longo processo de exploração e resposta à atual crise estrutural do capitalismo, com força e visibilidade planetária. (lucimaradosreispinheiro.pdf (ufjf.br), p. 110)

A crise da reprodução social foi uma das que se escancarou com o advento da pandemia da covid-19. Tanto no mundo do trabalho formal quanto informal, a feminilização dos trabalhos listados na reprodução social, se abriu aos olhos da sociedade com mais precarização, e não é de hoje. Sobrecarga e falta de direitos. Outra cratera social, antes coberta por tapumes e gramados, foi a da segregação social racial. A realidade é o solo que trabalho e essa não mente, ainda que queiram esconder, os dados no Brasil e no mundo mostram qual a cor e renda de quem mais morreu de covid.

Diante desse quadro, que requereria espaço maior para análise de fôlego, o 8 de março deste ano se traduz, para nós no Brasil, na primeira grande batalha de rua de 2022! Não nos esqueçamos, trata-se de ano eleitoral.

Lutar pela vida das mulheres e por “Bolsonaro nunca mais”, lema levado pelas brasileiras neste março é a tarefa urgente para alterarmos a correlação de forças que se traduz em nossas perdas de vidas e direitos.

Não bastasse a covid-19, a crise capitalista não prescinde de elemento emblemático da heteronormatividade; a virilidade exposta em uma guerra em que quem perde são os trabalhadores. O imperialismo precisa da guerra, e mais uma vez, o movimento internacional de mulheres conclama por diálogo e paz.

*Cristina de Castro é Coordenadora da Secretaria de Relações Internacionais da Contee

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Referências

GONZALÉS, A. I. A. As origens e a comemoração do dia internacional das mulheres. São Paulo: Expressão Popular :Sempreviva Organização Feminina, 2010

Reis, L. O Movimento feminista e a questão da perspectiva de classe: Um estudo sobre a greve internacional de mulheres de 2017 (GIM 2017). In:  https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/13051/1/lucimaradosreispinheiro.pdf

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