Lula, a tarifa zero é um clarão para o combate às desigualdades
Presidente solicitou um estudo para técnicos do governo federal para buscar caminhos para reduzir ou zerar a tarifa de ônibus no Brasil
Em meio a inúmeras turbulências e ataques à democracia brasileira, uma ideia vem rondando o Palácio do Planalto: a tarifa zero. A proposta de gratuidade no transporte público brasileiro aparece como uma fresta de luz, junto com outras medidas populares e transformadoras – como o fim da escala 6×1, a taxação dos super-ricos e a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Todas elas tentam encontrar espaço em meio às covardias e ações autointeressadas da extrema direita e direita brasileiras, inclusive por meio do Congresso Nacional.
Lula demonstrou interesse na tarifa zero e, nas últimas semanas, solicitou um estudo para técnicos do governo federal para buscar caminhos para reduzir ou zerar a tarifa de ônibus no Brasil. Sorte a dele que movimentos sociais, pesquisadores e integrantes da sociedade civil já têm muito acúmulo sobre o tema. Afinal, nunca achamos que a tarifa zero seria um almoço grátis e, por isso, já foram elaboradas diferentes propostas, não só para dimensionar o custo, mas também propor alternativas para o financiamento da política.
Clarisse Cunha Linke, Daniel Caribé e Roberto Andrés apresentaram muito bem esse debate em artigo para a Revista Piauí. O Marco Legal do Transporte Público (PL 3278/2021), a PEC do Sistema Único de Mobilidade (nº 25/2023) e o modelo de financiamento da campanha Busão 0800 em Belo Horizonte, ou seja, por meio da Taxa de Transporte Público paga no lugar do Vale Transporte, são os caminhos mais evidentes para serem adotados.
Já são mais de 7 milhões de brasileiros em 137 cidades com tarifa zero no país. Em geral elas são de pequeno porte, mas dezesseis delas têm mais de 100 mil habitantes, sendo Caucaia (CE) a maior, com 375 mil. Repensar o modelo de concessão e financiamento do transporte público em nível nacional para conseguir alcançar até as maiores metrópoles é urgente. Esse é um dos grandes desafios para a qualidade de vida urbana e inclusão da população periférica em um sistema efetivo de direitos.
O que está em jogo é reverter um círculo vicioso de perda de passageiros e aumentos de tarifa. Sempre que a tarifa aumenta, pessoas deixam de pegar o ônibus e isso leva a novos aumentos, uma vez que tem menos gente para ratear a conta. Em cidades com subsídio tarifário, isso também tem implicado em mais gastos do orçamento público, para evitar aumentos ainda maiores.
O problema causa ainda outras consequências. Alguns desses passageiros que saíram dos ônibus passaram a se deslocar menos, uma vez que não conseguem pagar a tarifa mais cara e deixam de circular pela cidade. Outros passam a caminhar distâncias mais longas para evitar pagar a passagem. Quem pode acaba financiando motos ou carros, chegando a uma solução que é mais insegura no trânsito e que tem maiores consequências negativas para a coletividade, uma vez que gera mais trânsito e poluição.
E uma população impedida de se deslocar, é uma população sem acesso a seus direitos mais básicos. Como fazer um tratamento diário nos hospitais públicos se isso implica em uma ou mais viagens que você não consegue pagar? Como ser a primeira pessoa de sua família a se formar na faculdade se ir e voltar da universidade pública pode comprometer até 25% de sua renda mensal? A justiça social passa por condições dignas de transporte nos centros urbanos.
Mais do que uma fresta de luz, a tarifa zero mostra ser um clarão para resolver o problema da perda de passageiros no transporte público e retomar o direito das pessoas, especialmente as periféricas, de acessar todos os equipamentos públicos de uma cidade. Todos os municípios que adotaram a tarifa zero passam por uma explosão de aumento na demanda pelo ônibus, demonstrando a existência de tanta gente privada do direito de ir e vir e do direito à cidade. Há um aumento médio de passageiros em 277% em cidades com tarifa zero, segundo dados levantados pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
A política da tarifa zero consegue combinar o crescimento econômico com o combate à desigualdade e o aumento de renda nas cidades, mostrando ser uma ótima ideia para Lula levar adiante. A conta é simples: quando as famílias deixam de pagar a tarifa, elas têm mais dinheiro no fim do mês, podendo gastar no comércio e serviços. Estudo da FGV também demonstrou um aumento de empregos por causa da adoção da política em 57 cidades brasileiras. Tudo isso pode levar a mais arrecadação tributária. Mais pontos de luz em meio a cenários econômicos difíceis.
Lula, a tarifa zero tem inúmeros potenciais de inclusão, distribuição de renda e melhoria da vida urbana. Os caminhos estão abertos para avançar. Mesmo se parecer uma medida cara, é a população mais pobre que arca hoje com a existência de um sistema de transporte que, ainda que precário, evita um colapso maior do trânsito brasileiro. Toda a cidade se beneficia com a existência do transporte público. Portanto, todos que nela vivem e transitam deveriam custeá-lo, independentemente do meio de transporte que utilizam.
Letícia Birchal Domingues é professora de Ciência Política (UnB) e integrante do movimento Tarifa Zero BH
Mário Corrêa é integrante do movimento Tarifa Zero BH
Bernardo Souza Lima é analista de sistemas e integrante do movimento Tarifa Zero BH





