Lula critica países do Conselho de Segurança por fomentar guerras, em vez de pacificar

Presidente pede solução para Estado palestino e reforma do Conselho de Segurança da ONU em visita à Liga dos Estados Árabes, no Egito. Também assinou importantes acordos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na tarde desta quinta-feira, 15 de fevereiro, durante sessão extraordinária da Liga dos Estados Árabes, no Cairo (Egito), e voltou a defender uma solução de paz para o conflito entre Israel e Hamas. Para ele, a única maneira de garantir um futuro digno para a população palestina é que ela possa ter seu território e sua autonomia reconhecidos pela comunidade internacional.

“A posição do Brasil é clara. Não haverá paz enquanto não houver um Estado palestino, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como capital. A decisão sobre a existência de um Estado palestino independente foi tomada há 75 anos pelas Nações Unidas. Não há desculpas para impedir o ingresso da Palestina na ONU como membro pleno. A retomada das negociações de paz é uma causa universal. E é a nossa causa”, afirmou o presidente.

O secretário-geral da Liga dos Estados Árabes, o egípcio Ahmed Aboul Gheit, afirmou que os países integrantes da instituição ficaram muito felizes com o retorno do Brasil a suas relações “normais” com os países árabes, após o que qualificou como um período “turbulento”.

A Liga dos Países Árabes é uma organização fundada em 1945 no Egito, com o objetivo de reforçar laços econômicos, sociais, políticos e culturais entre os seus integrantes. Atualmente, conta com 22 Estados, com uma população superior a 450 milhões de habitantes.

O presidente lembrou ainda que o Brasil foi o primeiro país latino-americano a receber o status de observador na Liga dos Estados Árabe, e disse que quer aprofundar a parceria e o comércio com países do Sul Global, com o qual compartilha “visões, valores, desafios e expectativas”. “O compromisso da Liga Árabe com a promoção da estabilidade e do desenvolvimento faz desta organização uma voz a ser ouvida atentamente nas grandes questões do nosso tempo”, disse.

Inércia da ONU

Lula criticou a ineficiência do sistema de governança global, que não consegue impedir a eclosão de conflitos, muitas vezes causados pelos próprios países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Integrantes que além de agir contra decisões da entidade ainda têm poder de veto para barrar sanções mais efetivas.

“É preciso repensar para que a gente aumente o número de países no Conselho de Segurança. É preciso acabar com o direito de veto. São os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU os países que produzem armas, que vendem armas e que ultimamente têm feito as guerras. Foi assim no Iraque, foi assim na Líbia. A Rússia não pediu para ninguém para invadir a Ucrânia”, destacou ele.

Para Lula os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) devem ser pacifistas e não atores que fomentam guerras. Desde que assumiu o mandato, no ano passado, em discursos em diversas instâncias internacionais, Lula vem defendendo que o modelo atual de governança, criado depois da Segunda Guerra Mundial, não representa mais a geopolítica do século 21.

“É preciso que tenha uma nova geopolítica na ONU. É preciso acabar com o direito de veto dos países. E é preciso que os membros do Conselho de Segurança sejam atores pacifistas e não atores que fomentam a guerra. As últimas guerras que nós tivemos, a invasão ao Iraque não passou pelo Conselho de Segurança da ONU, a invasão à Líbia não passou pelo Conselho de Segurança da ONU, a Rússia não passou pelo Conselho de Segurança para fazer guerra com Ucrânia e o Conselho de Segurança não pode fazer nada na guerra entre Israel e Faixa de Gaza”, disse Lula.

Para o presidente, é preciso uma representação adequada de países emergentes, como da África e América Latina, em órgãos como o Conselho de Segurança da ONU.

Atualmente, esse conselho reúne apenas Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido – países que podem vetar decisões da maioria. Outros países também participam como membros rotativos, mas sem poder de veto.

Para Lula, os israelenses tradicionalmente não cumprem decisões da ONU. “A única coisa que se pode fazer é pedir paz pela imprensa, mas ao que me parece, Israel tem a primazia de descumprir, ou melhor, de não cumprir nenhuma decisão emanada da direção das Nações Unidas, então é preciso que a gente tome decisão”, acrescentou. O Brasil preside o G20 pelos próximos meses.

“Eu não encontro uma explicação porque a ONU não tem força suficiente para evitar que essas guerras aconteçam, antecipando qualquer aventura. Porque a guerra não traz benefício a ninguém, ela traz morte, destruição e sofrimento”, disse Lula.

“O Brasil foi um país que condenou de forma veemente a posição do Hamas no ataque a Israel e ao sequestro de centenas de pessoas. E nós condenamos e chamamos de ato terrorista. Mas não tem nenhuma explicação o comportamento de Israel, a pretexto de derrotar o Hamas, estar matando mulheres e crianças”, argumentou o presidente.

Financiamento a UNRWA

Para o presidente Lula, a decisão de diversos países alinhados a Israel, de cortar o financiamento à UNRWA, a agência da ONU que presta auxílio aos refugiados da Palestina no Oriente Médio, pode ter consequências humanitárias graves. Ele anunciou que o Brasil seguirá apoiando a entidade e estimulou todos os países a manter e reforçar suas contribuições.

“No momento em que o povo palestino mais precisa de apoio, os países ricos decidem cortar a ajuda humanitária à Agência da ONU para os Refugiados da Palestina (UNRWA). As recentes denúncias contra funcionários da agência precisam ser investigadas, mas não podem paralisá-la. Refugiados palestinos na Jordânia, na Síria e no Líbano também ficarão desamparados. É preciso pôr fim a essa desumanidade e covardia. Meu governo fará novo aporte de recursos para a UNRWA. Exortamos todos os países a manter e reforçar suas contribuições”, declarou.

Criada em 1949, a agência da ONU desenvolve ações sociais, como educação, saúde e moradia, destinadas a palestinos na Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Síria e no Líbano. Para Lula, o corte do financiamento, e da consequente ajuda humanitária, é “desumanidade e covardia”. “Basta de punições coletivas”, afirmou.

No início deste ano, mais de 15 países suspenderam o financiamento à agência após denúncias de envolvimento de funcionários no ataque do grupo palestino Hamas a Israel, em 7 de outubro do ano passado. A UNRWA informou que rescindiu os contratos com os supostos envolvidos – 12 dos 13 mil funcionários em Gaza – e abriu investigação. Israel vem tentando desqualificar a UNRWA há muitos anos, e busca essa oportunidade agora.

Do Egito à Etiópia

O presidente Lula passou pelo Egito para uma visita de Estado e foi recebido na manhã desta quinta pelo presidente Abdel Fattah Al-Sisi. Lula e Al-Sisi falaram sobre a importância de retomar um processo de paz no Oriente Médio e defenderam um cessar-fogo imediato no conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza.

O presidente voltou a defender uma reforma nas instituições de governança global. “É lamentável que as instituições multilaterais, criadas para resolver essas situações, não funcionem”.

“Pensamos especialmente na fase pós-guerra, que é necessária a instalação de um Estado palestino cuja capital é Jerusalém e agradeço o reconhecimento do presidente brasileiro ao Estado palestino”, disse o presidente Al-Sisi, confirmando que virá ao Brasil em novembro. A intenção é ampliar a relação comercial entre os países, que tem crescido desde a entrada em vigor do acordo com o Mercosul em 2017.

Ambos assinaram um protocolo que, ao mesmo tempo, garante segurança alimentar, padrões rigorosos de qualidade e retira amarras burocráticas à exportação de carnes bovinas, suínas e de aves do Brasil para o Egito. O Memorando de Entendimento na área de ciência, tecnologia e inovação foi assinado pela ministra Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação) e pelo representante do Ministério do Ensino Superior e Pesquisa Científica do Egito. O documento reforça parcerias, cooperações e pesquisas nas áreas de ciência, tecnologia e inovação entre os dois países.

Ministra Luciana Santos (Ciência e Tecnologia) assinou memorando de entendimento. Foto: Ricardo Stuckert / PR
O texto pretende elevar a cooperação bilateral na área e incentivar a colaboração entre empresas, universidades e institutos de pesquisa, incluindo projetos conjuntos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, intercâmbios de pessoal e seminários.

Angola e África do Sul são os dois países africanos com o qual o Brasil tem uma parceria estratégica, que é um relacionamento bilateral aprofundado e de longo prazo, envolvendo, por exemplo, cooperação em áreas de interesse e alinhamento político em questões internacionais.

Este ano, o Egito se tornou integrante do Brics, bloco que reúne economias emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Argentina e Irã. O país africano também participará do G20 a convite do governo brasileiro que, até dezembro, preside o bloco das 20 maiores economias do mundo.

“Somos dois grandes países em desenvolvimento que apostam na promoção do desenvolvimento econômico e social como pilares para a paz e segurança. Combatemos todas as manifestações de racismo, xenofobia, islamofobia e antissemitismo. O Brasil voltou a apoiar a iniciativa egípcia de criação de uma Zona Livre de Armas no Oriente Médio, à semelhança do que já existe na América Latina”, ressaltou Lula.

“No Brics, vamos trabalhar juntos pela reforma da ordem global e na construção da paz, especialmente num momento em que ressurgem pressões protecionistas e conflitos que penalizam os países mais pobres”, acrescentou o presidente, defendendo a discussão sobre a dívida externa dos países africanos.

Após a visita à sede da Liga Árabe, ele embarcou para Adis Abeba, capital da Etiópia, para participar como convidado da Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana, nesta sexta-feira e sábado, dias 16 e 17.

“É imenso o potencial em setores como comércio, investimento, meio ambiente, ciência e tecnologia, cultura e cooperação para o desenvolvimento”, disse o presidente, explicando que a balança comercial do Brasil com países da Liga Árabe passou de US$ 5,4 bilhões em 2003 para US$ 30 bilhões em 2023.

Vermelho

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