Mais pobres perderam rendimento sob o governo Bolsonaro, diz Ipea
Desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, os brasileiros mais pobres estão ainda mais pobres.
É o que aponta o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com base em dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), e também na inflação por classe social medida pelo próprio Ipea.
Conforme o estudo do órgão federal, a faixa de renda dos brasileiros mais pobres perdeu rendimento real nos três primeiros trimestres do ano. Ao todo, 51,8% dos brasileiros mais pobres não tiveram ou perderam rendimentos no período. Cruzados com os dados da PNAD, os dois últimos trimestres registraram queda nos rendimentos entre os mais pobres, de 1,43% e 0,34%, respectivamente. No ano, a queda somada é de 1,67%.
Em conversa com moradores de locais pobres, não é difícil perceber que o ano foi difícil. Na comunidade Sururu de Capote, na orla lagunar de Maceió, muitos moradores relatam dificuldades e perdas em 2019. “Este ano foi de dificuldade em tudo: ganhamos menos, a vida ficou mais cara e, para piorar, meu filho [de 20 anos] foi brincar por aí e virou pai”, conta a marisqueira Jaqueline Araújo, de 37 anos.
Jaqueline mora com os três filhos e ainda enfrentou uma dificuldade especial neste ano: as manchas de óleo nas praias do Nordeste. “Aqui na lagoa nunca chegou o óleo, mas as pessoas ficam com medo de comprar nosso pescado. Isso dificultou ainda mais.” Com atividade marisqueira, seu rendimento nos últimos meses não chegou sequer a R$ 500. Sem receber Bolsa Família, ela completa renda cozinhando aos sábados para um projeto comunitário. “Não tem salário, é só uma ajuda de custo, mas vem para ajudar.”
A faixa “renda muito baixa” reúne 29,6% dos domicílios brasileiros e é a maior entre os seis estratos medidos: ela inclui aqueles lares com renda mensal de até R$ 1.643,78. Além daqueles de renda mais baixa, 22,2% dos domicílios não tiveram rendimento no terceiro trimestre, e não têm alta ou baixa contabilizados. Entretanto, em comparação ao último trimestre do ano passado, o percentual de domicílios sem rendimento subiu 0,3 pontos percentuais, de 21,9% para 22,2%.
Em comparação com anos anteriores, percebe-se que o maior rendimento já obtido pela faixa mais pobre da população ocorreu no primeiro trimestre de 2015, quando o valor médio chegou a R$ 843,20 —já descontado a inflação. No terceiro trimestre do ano, essa renda média ficou em R$ 805,50, a menor desde o primeiro trimestre de 2017. Segundo a pesquisa, no terceiro trimestre de 2019, “a renda domiciliar do trabalho da faixa de renda alta era 30,5 vezes maior que a da faixa de renda muito baixa.”
Na casa de Fátima Casado, 52, moram sete pessoas e só uma filha está empregada. “E é desses empregos temporários que o comércio cria no fim de ano, não sabe se fica [empregada]. Mas ela é quem está ajudando aqui em casa”, relata, explicando que há muitas semanas a família não sabe o que é comer carne. “Hoje, almoçamos fígado de boi. Mas, na maioria dos dias, é só peixe e sururu que pescamos. Às vezes compramos um frango, quando o dinheiro dá”, conta a beneficiária do Bolsa Família.
Segundo a pesquisadora do Ipea e uma das autoras do estudo, Maria Andreia Parente Lameiras, a perda dos mais pobres neste ano se deveu a dois movimentos distintos: “Primeiro, essa faixa teve ganhos nominais abaixo das outras. E quando você olha outro dado, da inflação por faixa, vê que é entre os mais pobres que ela foi maior em 2019.”
Ela lembra que, por serem empregos de menor qualificação, têm mais dificuldade de recolocação após uma recessão. “Ou seja, além de reajuste menores, a inflação acabou corroendo mais o salário porque houve muitos aumentos de preços no alimento, na energia – coisas que são mais pesadas para os mais pobres”, diz.
O índice citado por ela é do Ipea e mede a inflação por faixa de renda. Em novembro, por exemplo, as famílias com renda mais baixa tiveram inflação de 0,54%, contra 0,43% para as demais faixas de renda. As altas de alimentos, energia e habitação foram determinantes para puxar a alta maior. Em 12 meses, a taxa de inflação das famílias de renda mais baixa ficou em 3,4%, contra 3,26% dos mais ricos no mesmo período.