Marco Temporal Não! Mas afinal, o que é isso?

O STF está prestes a retomar o julgamento que define o futuro da demarcação de terras indígenas no Brasil. Entenda de uma vez por todas o que é a tese do Marco Temporal

O Supremo Tribunal Federal deve retomar o julgamento que vai definir o futuro dos povos indígenas do Brasil nesta quinta-feira, 26. Isso porque o principal assunto envolvido neste julgamento é o Marco Temporal, tese que também permeia alguns projetos de lei em votação no Congresso Nacional.

Os povos indígenas têm repetido há um bom tempo que, caso validada, a tese do Marco Temporal pode comprometer gravemente o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil, e até mesmo servir de desculpa para anular processos de demarcação que já foram finalizados.

Mas afinal, você sabe o que é Marco Temporal?

O marco temporal é uma tese jurídica que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras tradicionais, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988 – data de promulgação da Constituição Brasileira. Alternativamente, se não estivessem na terra, teriam que comprovar a existência de disputa judicial ou conflito material na mesma data de 5 de outubro de 1988.

A tese é perversa porque legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar judicialmente por seus direitos. Por tudo isso, os povos indígenas vêm dizendo, em manifestações e mobilizações: “Nossa história não começa em 1988!”.

Por que o STF está debatendo esse assunto hoje?

O debate sobre o marco temporal chegou ao STF como tese apresentada pelo Governo de Santa Catarina no âmbito do Recurso Extraordinário (RE)  1.017.365. O caso tem como objeto um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada da TI Ibirama-Laklanõ. O território em disputa foi reduzido ao longo do século XX e os indígenas nunca deixaram de reivindicá-lo. A área já foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

Por que esse julgamento é central para o futuro dos povos indígenas no Brasil?

Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade que este caso possui estatuto de “repercussão geral”. Isso significa que a decisão tomada nesse processo servirá para fixar uma tese de referência para todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Judiciário daqui para frente.

E essa decisão afeta muita gente?

Além dos povos que habitam a TI Ibirama-Laklanõ, objeto da ação, esta decisão impactará em dezenas de casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre TIs que se encontram atualmente judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam a retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

O que está em jogo?

No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Os povos indígenas possuem uma relação de interdependência com suas terras, pois suas cosmologias aproximam suas próprias existências à conexão com a terra. Além disso, não se pode ignorar que quem defende a tese do Marco Temporal pretende, na realidade, expulsar os ocupantes originários das terras para destruí-las e explorá-las à exaustão. E isso impacta diretamente no equilíbrio ecológico e climático de nosso país e do mundo.

Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?

Caso o STF reafirme o caráter originário dos direitos indígenas e, portanto, rejeite definitivamente a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país terão o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais poderão ser imediatamente resolvidos. As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.

Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar as usurpações e violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas.

Esta decisão poderia incentivar, ainda, um novo processo de invasão e esbulho de terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na Amazônia.

Além disso, há referências de povos indígenas isolados ainda não confirmadas pelo Estado, ou seja, ainda em estudo – um procedimento demorado, em função da política de não contato. Se o marco temporal de 1988 for aprovado, muitas terras de povos isolados não serão reconhecidas, abrindo a possibilidade do extermínio desses povos.

APIB

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