Marconi: governo gasta apenas 2% do orçamento com investimentos e desembolsa 20% só de juros

“Se somar a rolagem da dívida, chega a 50%. Tudo isso sem limites ou tetos”, disse. “Não tem uma situação fiscal tão ruim para isso, não temos uma instabilidade política, econômica, para justificar a maior taxa de juros do planeta”, acrescentou o economista da FGV

O economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Nelson Marconi afirmou, na audiência pública sobre “Taxas de juros e seu impacto sobre a dívida pública”, realizada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico e o Centro de Estudos e Debates Estratégicos (Cedes) da Câmara dos Deputados, que o gasto com juros está estrangulando os investimentos.

“Tirando os anos de 1997 e 2012 e o de 2020, que foi uma exceção em função da pandemia, a despesa com juros chegou a 20% do total da despesa do governo”, denunciou.

Segundo Marconi, o debate sobre as taxas de juros praticadas no Brasil pelo Banco Central, atualmente em 13,75% ao ano (Selic), e pelo mercado financeiro é essencial. De acordo com o economista, o atual patamar dos juros não se justifica. “Não tem uma situação fiscal tão ruim para isso, não temos uma instabilidade política, econômica, para justificar a maior taxa de juros do planeta”, afirma.

Em sua intervenção na audiência pública na Câmara, o professor Nelson Marconi ressaltou que “no geral costuma-se discutir só a despesa primária, a despesa com o custeio, com o investimento do governo, sem colocar dentro desse cálculo a despesa com juros. Quando a gente fala só da despesa primária, nós estamos excetuando a despesa com juros, e é essa que tem um impacto muito grande também sobre a dívida pública”, disse.

O economista demonstrou com cálculos baseados em dados do Tesouro Nacional que “praticamente 20% da despesa do governo corresponde a gasto com juros, e ela está limada do debate sobre o teto de gastos, sobre o arcabouço fiscal, sobre a nova regra de gastos, quando, na verdade, também teríamos que levar isso em consideração. E também, logicamente, sabendo quanto o governo gasta com isso, o que restringe os outros gastos que o governo quer fazer”. Marconi acrescentou que enquanto os gastos com os juros mantiveram-se próximos dos 20% do total da despesa do governo, outras despesas, como as com pessoal, despesas sociais e investimentos, caíram percentualmente, ao longo do tempo.

Assista aqui a audiência com a participação de Nelson Marconi

“Quando olhamos para o período mais recente, continua sendo os juros. Despesas com pessoal, com Previdência, programas sociais do governo (como o Bolsa Família, abono, seguro-desemprego, BPC), despesas com educação – tirando o gasto com o pessoal – nós vemos que é baixo. Despesas com a saúde, mais ou menos constantes”, argumentou.

“Os juros estão sempre lá perto do patamar de 20%: um quinto da despesa do governo. Sem contar a rolagem da dívida, porque se eu colocar a rolagem da dívida dentro do orçamento, eu chego a 50%. Mas se eu falar só da despesa do dia a dia, para não entrar nesse detalhe, nessa discussão, 20% são juros. E é uma despesa que está excetuada do debate realmente de como deve ser a regra de gasto, etc. Esse já é um primeiro problema. E já mostra aqui como é uma despesa pesada dentro do governo”, sustentou.

INVESTIMENTO É A DESPESA MAIS IMPORTANTE DO PONTO DE VISTA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

“Já a participação do investimento, investimento em infraestrutura, o economista frisou que, “o ponto mais alto do investimento foi em 2021 (6%), hoje corresponde a 2% da despesa, enquanto o governo gasta 20% da despesa com juros, ele gasta 2% com investimento; e vem declinando lá desde 2012, houve um pico em 2020, na participação, e depois declinou de novo, e nós vemos essa tendência de baixa, quer dizer, enquanto investimento público tiver muito baixo no país, nós não temos oportunidade de recuperação”, alertou Marconi. “Investimento é a despesa mais importante do ponto de vista do crescimento econômico, é aquela que vai puxar o restante da economia, que vai aumentar a eficiência e a produtividade do país”, ressaltou.

“Um dos motivos pelos quais o investimento público está tão baixo é justamente a despesa com juros que pressiona todo o restante da despesa do governo, quer dizer, pressiona a despesa com gasto social, pressiona a despesa com investimento para baixo. Pressiona as outras despesas que são mais importantes para que se tenha espaço para pagar essa conta de juros que é muito alta”, considerou.

NÃO TEM NEGÓCIO QUE SOBREVIVA COM ESSA TAXA DE JURO REAL

Nelson Marconi também apontou as dificuldades que a atual taxa de juros – descontada a inflação – está impondo ao setor produtivo.

O professor comparou a taxa praticada pelo mercado financeiro e o custo do capital de giro das empresas. “Hoje nós podemos ver que a taxa de juros real está em torno de 8% – a taxa de juros básica descontada a inflação – e a taxa de juros do capital de giro é algo como 17%, 18%. Aí eu pergunto para os senhores: como é que uma empresa que quer investir na esfera produtiva vai conseguir ter um retorno maior do que 18%, que é o custo que ela tem para tomar capital no mercado financeiro para financiar o giro da sua empresa? Não tem negócio que sobreviva dessa forma”, criticou Marconi.

“Enquanto a taxa de juros estiver nesse patamar, o investimento na economia brasileira, o investimento das empresas na economia brasileira vai estar muito baixo, e o investimento público também, por quê? Porque a despesa com juros pressiona, comprime a possibilidade do governo de fazer investimento público por um lado; e por outro lado, o patamar alto da taxa de juros também impede as empresas privadas de fazerem investimento. Por quê? Porque elas não vão conseguir, por um lado, ter um investimento que valha a pena ou que cubra esse custo do capital de giro, por exemplo, — eu estou falando acima da inflação — da ordem de 17% ou 18%, e logicamente elas vão preferir aplicar o dinheiro delas no mercado financeiro, que vai dar um retorno maior do que na esfera produtiva”, continuou.

“O nível da taxa de juros realmente impede qualquer retomada do financiamento produtivo. Só para os senhores terem uma ideia, eu comparei esse custo do capital com o retorno, o que nós chamamos de EBITDA, quer dizer a taxa de lucro antes dos juros, antes da amortização, antes do pagamento dos impostos, para três setores industriais: o setor que produz as commodities industrializadas, que são derivadas de commodities agrícolas extrativas (alimentos, minérios celulose.) Depois, os manufaturados de média-baixa tecnologia e os manufaturados de média-alta tecnologia – classificação usada no mundo para diferenciar as indústrias. Para qualquer desses grupos a taxa de retorno é menor do que a taxa de capital de giro. Mas de longe, menor. Só não foi em 2020, foi justamente o período da pandemia, quando o Banco Central praticou aquela taxa de juros negativa”, afirmou.

“Então, o que acontece? Na perspectiva melhor de retorno, que essa taxa que é a mais alta que eu calculo de retorno para as empresas, – as outras taxas que nós calculamos sobre custo total, receita total, receita de vendas são menores ainda que essa – mas olhando para essa taxa de retorno que, dentre as que nós calculamos, é a mais alta possível, nem chega perto do capital de giro, quer dizer, não tem como a indústria se dar bem num cenário desse. Por isso que, não só por causa disso, mas além disso nós tivemos a moeda apreciada, a estrutura tributária ruim, nós tivemos uma desindustrialização tão forte no País. Enquanto nós tivemos uma taxa de juros tão alta e um retorno bem mais baixo da esfera produtiva, não tem como se retomar a atividade produtiva no país. Esse é o grande problema”, explicou.

Em sua palestra, o economista destacou ainda que “o problema da taxa de juros é que ela é usada para controlar a inflação, é usada para financiar o déficit, é usada para atrair capitais externos, quer dizer, ela é usada para tudo aqui neste país. Para nós baixamos a taxa de juros, a primeira coisa é que ela tem que deixar de ser usada para tantas finalidades. Como a gente fala em economia, você não pode ter um instrumento para ter tantos objetivos”.

“A segunda coisa, quando a gente olha para o comportamento do Banco Central. O que a gente vê primeiro, o Banco Central tem uma meta de inflação lá, mas a nova lei de autonomia, ou de independência, do Banco Central estabelece que deve existir uma meta de inflação e uma meta de emprego também por parte do Banco Central. O Banco Central não está utilizando essa meta de emprego. Quando ele usa as duas, logicamente, ele não pode olhar só para inflação, mas ele tem que olhar para o emprego também. E isso seria o correto, que está na lei, que existe uma meta de emprego também. Um das primeiras coisas que deve ser feita é isso, cobrar o Banco Central para que tenha uma meta de emprego. E sugiro que esta Casa aqui, que faz as leis, que faça uma cobrança para que tenha uma meta de emprego também”, continuou o economista.

Nelson Marconi também afirmou que “o Banco Central é muito rigoroso quanto à convergência da volta da inflação para a meta”.

“Logicamente, se a inflação subiu para 10% ou 11%, não vai ser em seis meses ou em um ano que vai convergir para uma meta de 3% ou 3,5%. Você tem que ter um período maior para isso. Outra coisa importante é a própria meta de inflação. O Brasil foi reduzindo a meta da inflação ao longo do tempo e, se dependesse do próprio Banco Central ou do governo, como tinha proposto anteriormente, seria reduzir mais ainda a meta. Como reduzir a meta de inflação num país que não aumenta a produtividade? Reduzir a meta de inflação só pode dar certo quando a produtividade está aumentando. Num país que não cresce, a produtividade não aumenta. Então, não pode reduzir de novo a meta de inflação, pelo contrário, deveria até aumentar. Mas aí já é outro debate, porque aumentar a meta de inflação pode também provocar um ruído no mercado. Mas, no mínimo, essa meta que está aí tem que ficar, não pode ser mais baixa, como desejava o governo passado, como deseja o Banco Central”, defendeu.

INFLAÇÃO: MUDAR POLÍTICA DE PREÇOS DA PETROBRÁS E RETOMAR ESTOQUES REGULADORES DE ALIMENTOS

“A taxa de juros não pode ser o único instrumento para controlar essa inflação. É necessário mudar a política de preços da Petrobrás, porque é o principal fator hoje que está pressionando a inflação. E não tem nada a ver com a taxa de juros. É necessário retomar os estoques reguladores de alimentos, porque ajudam a controlar o preço dos alimentos, a oferta dos alimentos. Esses estoques foram relativamente desmontados ao longo do tempo. Os estoques reguladores, ao controlar a oferta dos alimentos, ajudam a controlar a inflação pelo lado dos alimentos também. É fundamental investir em outras fontes de energia, renováveis e limpas, para que tenhamos uma matriz energética que não dependa só do petróleo”, afirmou o professor Nelson Marconi.

“Há uma série de outras medidas de caráter mais técnico. Eu até estava falando, antes de começar a reunião, da substituição das chamadas operações compromissadas pelos chamados depósitos remunerados. São as operações de overnight, que hoje são lastreadas em títulos públicos, e que pressionam a dívida pública. Essas operações podem ser feitas direta entre o Banco Central e o sistema financeiro, sem títulos públicos envolvidos, porque a liquidez é quase a mesma desses títulos e da moeda. A política fiscal, logicamente, tem que ser transparente, e tem que apontar para uma trajetória de dívida que não seja explosiva. Eu acho que num primeiro momento foi muito bom o governo ter colocado uma proposta de arcabouço fiscal, de regra fiscal, mas falta detalhar muita coisa ainda, uma regra fiscal mais clara”, avaliou Marconi.

Por fim, o economista destacou que a “autonomia do Banco Central, da forma como está colocada, é um erro”. “Tira da mão do governo um instrumento importante de política econômica que é a taxa de juros”, sentenciou.

INDEPENDÊNCIA DO BC É TIRAR DO GOVERNO UM DOS INSTRUMENTOS MAIS IMPORTANTES DA POLÍTICA ECONÔMICA QUE É A TAXA DE JURO

A independência do Banco Central, observou Marconi, “ela pressupõe que para um órgão público funcionar bem, ele tem que ter um insulamento burocrático. É como se eu dissesse: ‘Olha, a burocracia tem que ser insulada de pressões políticas’. Mas achar que o Banco Central não tem um papel político, não está exercendo um papel político quando ele determina a taxa de juros num certo patamar, sem olhar para o emprego, olhando só para a inflação, a influência política dele é muito grande. Então, não dá para nós dizermos que o Banco Central está insulado e que ele é um corpo absolutamente técnico. Não. Quando ele define a taxa de juros, ele está influenciando, sim, na distribuição de renda do país, e tem um componente político forte nisso”.

“Assim, é tirar da mão do governo um instrumento importante de política econômica, quando nós temos a independência do Banco Central é tirar do governo talvez um dos instrumentos mais importantes da política econômica que é a taxa de juros. Nenhum governante, em sã consciência, vai concordar em ter uma inflação alta. Isso eu acho que é um argumento também que não existe, porque nenhum político que vá assumir a cadeira da Presidência ou do Ministério da Fazenda, ou coisa parecida, ou o governo vai querer ter inflação alta. Todos os políticos vão se preocupar com a inflação”, concluiu.

ANTÔNIO ROSA

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