México descriminaliza o aborto após decisão judicial histórica

Suprema Corte anula pena de prisão para a interrupção voluntária da gravidez, aplicada em alguns Estados, e estabelece um precedente para todo o país

A Suprema Corte do México descriminalizou o aborto após uma decisão histórica aprovada por unanimidade pelos ministros reunidos em sessão plenária. “A partir de agora não será possível processar nenhuma mulher que faça aborto nos casos considerados por este tribunal”, disse o presidente do tribunal, Arturo Zaldívar. Trata-se de uma “nova via de liberdade, clareza, dignidade e respeito, e um grande passo em frente na sua luta histórica pela igualdade e pelo exercício dos seus direitos”, acrescentou. A justiça mexicana abre assim um caminho ágil para a interrupção voluntária da gravidez, prática muito desigual em todo o país, onde apenas quatro dos 32 Estados regulamentaram o aborto, fixando prazos. Nos demais a questão é tratada com normas restritivas que somente contemplam os riscos para a mãe, as malformações do feto e os casos de estupro como causas de aborto não puníveis. E nem sempre são cumpridas.

Ativistas pela descriminalização têm nesta terça-feira um dos dias mais importantes em sua luta pelo direito ao aborto, os lenços verdes tremularam na rua. O México está muito atrasado neste assunto, que foi sendo remendado por meio de decisões judiciais ao longo do tempo, pelas quais alguns regulamentos regionais foram declarados inconstitucionais. Nesta terça a justiça voltou a colaborar num tema em que o Governo federal se recusa a legislar para não abrir espaços de “confronto”, como afirmou certa ocasião o presidente Andrés Manuel López Obrador, embora ele não tenha falado abertamente contra o aborto. As mulheres “e pessoas gestantes”, como costumam ser descritas, não poderão ser punidas em nenhum momento por terem feito um aborto no México. “O tribunal demonstra, assim, com fatos e julgamentos, que seu único compromisso é com a Constituição e com os Direitos Humanos”, disse Zaldívar.

Os ministros do tribunal debateram durante dois dias uma ação de inconstitucionalidade procedente dos Estados de Coahuila e Sinaloa, muito restritivos com a interrupção da gravidez, já que em um deles era punida com prisão de um a três anos e no outro estava proibida com base em uma norma que considerava a existência de vida desde o momento da concepção. A decisão do tribunal se baseou na autonomia da mulher para decidir sobre a maternidade, além de outros conceitos sobre a vida pré-natal. “Falar de uma ideia de vida vai além do direito e um tribunal constitucional não pode embasar suas decisões em opiniões particulares e subjetivas, mas sim universais”, disse a ministra Margarita Ríos Farjat. E acrescentou: “O embasamento do direito penal para punir não é prerrogativa do legislador, mas dos Direitos Humanos, o resto são sofismas que obscurecem o problema das mulheres”. Cabe aos Estados “garantir a saúde e a segurança pública”, acrescentou. “Bane-se a ameaça de prisão das mulheres e o estigma”, disse depois o ministro relator, Luis María Aguilar Morales.

A plenária da corte também declarou inválido um artigo do Código Penal de Coahuila em que o estupro dentro do casamento ou em um casal era menos penalizado do que nos demais casos. Também neste ponto foi alcançada unanimidade.

O grande passo dado no México, país de profundas convicções não só católicas, mas de outras religiões ainda mais restritivas com essas práticas, por mais seculares que sejam seus preceitos constitucionais e históricos, o situa na linha da modernidade jurídica que outras nações já alcançaram. Muito festejado em nível mundial foi o direito ao aborto aprovado na Argentina em dezembro do ano passado. O México não poderia ficar para trás e espera-se que esta decisão judicial estabeleça as bases para uma futura legislação nos Estados que ainda não a possuem.

A Cidade do México se antecipou em 2007 com uma lei que estabelece o prazo de 12 semanas para a interrupção da gravidez sem dar explicações ou motivos. Oaxaca, Hidalgo e Veracruz a seguiram. Em todo o país são realizados todos os anos entre 750.000 e um milhão de abortos clandestinos, e um terço deles resulta em complicações que requerem atenção médica urgente. Milhares de mulheres perdem a vida com intervenções caseiras ou chegam com hemorragia em hospitais, onde normalmente não encontram a compreensão dos profissionais da saúde, que temem que o Estado tome medidas contra eles por facilitar o aborto. A objeção de consciência é algo que a Suprema Corte também deve resolver em breve.

Recentemente, a Suprema Corte também declarou inconstitucional a existência de um prazo específico para abortar em caso de estupro, e obrigou o Estado de Chiapas a modificar esta matéria em sua legislação, que em 2018 impediu a interrupção da gravidez de uma garota de 17 anos com paralisia cerebral. A gestação já havia completado os 90 dias do prazo permitido.

O México recentemente reformou seu Poder Judiciário. Agora basta uma decisão do plenário votada por unanimidade para criar jurisprudência ―antes eram necessárias cinco semelhantes. Por isso, a decisão desta terça-feira é considerada histórica entre aqueles que defendem que a mulher é livre para decidir sobre o próprio corpo em caso de gravidez indesejada. Os magistrados levaram em consideração o amplo contexto de violência em que as mulheres vivem no país.

El País

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